PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICADO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS FRANCELI PEDOTT DIAS O DEBATE SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES E O PLEBISCITO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: Democracia hegemônica ou contra-hegemônica? Porto Alegre 2014 1 FRANCELI PEDOTT DIAS O DEBATE SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES E O PLEBISCITO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: Democracia hegemônica ou contra-hegemônica? Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Prof.: Dr. Rafael Machado Madeira. Porto Alegre 2014 0 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D541p Dias, Franceli Pedott O plebiscito em caso de privatizações: democracia hegemônica ou contra-hegemônica? / Franceli Pedott Dias. – Porto Alegre, 2014. 260 f. Diss. (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia, PUCRS. Orientação: Prof. Dr. Rafael Machado Madeira. 1. Democracia. 2. Privatização. 3. Plebiscito. 4. Participação. I. Madeira, Rafael Machado. II. Título. CDD 321.8 Aline M. Debastiani Bibliotecária - CRB 10/2199 2 FRANCELI PEDOTT DIAS O DEBATE SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES E O PLEBISCITO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: Democracia hegemônica ou contra-hegemônica? Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovada em: ____de__________________de________. BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________ Prof. Dr. Rafael Machado Madeira – PUCRS ______________________________________________ Profa. Dra. Teresa Cristina Schneider Marques - PUCRS ______________________________________________ Prof. Dr. Aragon Érico Dasso Júnior – UFRGS Porto Alegre 2014 3 Dedico esta dissertação aos meus pais, Margarete A. Pedott Dias e Miguel Luiz Dias, por todo apoio e ao meu namorado, Guilherme José Concci Tremea, paciência, carinho e dedicação. pela 4 AGRADECIMENTOS Ao professor Dr. Rafael Machado Madeira pela orientação. Aos meus pais, sem os quais a minha formação profissional e acadêmica não teria sido a mesma. Ao meu namorado, por toda a ajuda dispensada na realização deste trabalho, seja na revisão da escrita ou pelo ombro amigo sempre que eu precisei. Ao professor Dr. Aragon Érico Dasso Júnior, por sua paciência e dedicação e por sempre me incentivar na busca por novos caminhos na vida acadêmica. Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Administração Pública e dos grupos anteriores, por contribuírem para o meu crescimento acadêmico. À Cláucia Faganello e Íris Guedes, pela amizade e ajuda na realização das minhas pesquisas. À Thaís Recoba, por ter muita paciência e me incentivar nos momentos de desespero, por me acompanhar na busca incansável por documentos públicos inacessíveis, por toda a dedicação, carinho e amizade. À minha família e amigos que, com compreensão, apoio e carinho, contribuíram durante toda a minha jornada acadêmica, proporcionando momentos de distração e alegrias. Ao corpo docente e funcionários que integram a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pelo apoio oferecido. Aos professores que compõem a banca, antecipadamente, pela atenção dispensada à dissertação. 5 O evidente se dilui diante de nossos olhos, se esfumaça até perder-se no horizonte sem deixar rastros. O olhar penetra-o, traspassao e o perde pelo caminho. Deixa-o para trás e já não pode vê-lo. (BORON, 2001, p. 71). 6 RESUMO Este trabalho trata do plebiscito em caso de privatização de empresas estatais, incluído na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, através das Emendas Constitucionais (EC) nº 31/02, nº 33/2 e nº 47/04. O processo de inclusão desse mecanismo ocorreu em um contexto específico de desgaste com a política de privatização adotada no Estado, a partir de 1994 e de muita pressão de diversos segmentos da sociedade civil, para impedir a alienação do patrimônio público. Nesse sentido, o objetivo principal é analisar essas Emendas, sob a ótica da participação cidadã e verificar se este plebiscito é compatível com um modelo de democracia puramente representativo (hegemônico). Para tanto, utilizou-se uma abordagem qualitativa e, como técnicas de pesquisa, principalmente, a pesquisa documental, através da análise das discussões e votações das propostas que deram origem às Emendas, disponíveis no sitio da Assembleia Legislativa, e entrevistas semiestruturadas, principalmente com deputados que participaram do processo de criação dessas normas. Este estudo identificou características que apontam para a incompatibilidade entre o plebiscito criado pelas Emendas Constitucionais e a democracia hegemônica: a participação não foi o elemento central para a criação das normas e, por conseqüência, do plebiscito; não existem muitos casos semelhantes no Brasil, de consulta popular que vincule o Poder Público; o plebiscito nunca foi utilizado, mesmo por governos com intenção de dar continuidade ao projeto privatista e; a falta de informação e a dificuldade encontrada durante a realização da pesquisa, que condiz com a passividade esperada do cidadão. Por essas razões se conclui que este mecanismo, somente surgiu dentro da lógica hegemônica, por um contexto muito específico, mas é contrário a tal lógica, somente podendo ser explicado, a partir do modelo de democracia contra-hegemônica (participativo). Palavras-chave: Democracia. Participação. Representação. Plebiscito. Privatizações. 7 RESUMEN Este trabajo aborda el plebiscito en el caso de la privatización de las empresas estatales, insertado en la Constitución del Estado del Rio Grande do Sul, a través de las Enmiendas Constitucionales nº 31/02, nº 33/02 y nº 47/04. El proceso de inclusión del mecanismo ha ocurrido en un contexto específico de desgaste de la política de privatización empleado por el Estado, a partir de 1994 y de mucha presión de diversos sectores de la sociedad civil, para evitar la venta de activos públicos. En este sentido, el objetivo principal es analizar las Enmiendas, bajo la perspectiva de la participación ciudadana y comprobar si el plebiscito es compatible con un modelo de democracia netamente representativo (hegemónico). Para eso, se ha utilizado un enfoque cualitativo y algunas técnicas de investigación: la investigación documental, con base en el análisis de los debates y voto de las propuestas que produjeron las Enmiendas, disponibles en el sitio electrónico de la Asamblea Legislativa; y entrevistas semiestructuradas, principalmente con los diputados que han participado en la creación de estas normas. Este estudio ha identificado características que apuntan la incompatibilidad entre el plebiscito, creado por las Enmiendas Constitucionales, y la democracia hegemónica: la participación no ha sido fundamental para la creación de las normas y, en consecuencia, del plebiscito; no hay muchos casos similares en Brasil de consulta popular que enlace el gobierno; el plebiscito nunca ha sido utilizado, incluso por gobiernos decididos a continuar con las privatizaciones y; falta de informaciones y dificultades encontradas durante la investigación, lo cual es consistente con la pasividad esperada de los ciudadanos. Por estas razones, se concluye que este mecanismo sólo ha surgido dentro de la lógica hegemónica, de acuerdo con un contexto muy específico, pero es contrario a esta lógica, y sólo puede explicarse a partir del modelo contra hegemónico de la democracia (participativa). Palabras clave: Democracia. Participación. Representación. Plebiscito. Privatización. 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Proposições Legislativas sobre os Mecanismos de Participação Cidadã........ . ...............................................................................................................98 Quadro 2 – Proposições Transformadas em Leis ..................................................... 98 Quadro 3 – Proposições em Processo de Tramitação .............................................. 99 Quadro 4 – Processo de Ratificação da Constituição Europeia .............................. 114 Quadro 5 – Plebiscito e Referendo nas Constituições Estaduais............................ 126 Quadro 6 – Votação do Projeto de Lei nº 160/01 .................................................... 132 Quadro 7 – Votação da Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5/11 ............ 143 Quadro 8 – Perguntas Elaboradas para as Entrevistas .......................................... 154 Quadro 9 – Selecionados para as Entrevistas ........................................................ 155 Quadro 10 – Votação do Decreto Legislativo nº 736/97 .......................................... 167 Quadro 11 – Empresas de Energia Elétrica Privatizadas pelo Governo Federal .................................................................................................................... 170 Quadro 12 – Empresas de Energia Elétrica Privatizadas pelos Governos Estaduais................................................................................................................. 170 Quadro 13 – Bancos Estaduais Privatizados no Brasil ........................................... 174 9 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Privatizações no Brasil de 1991 a 2005................................................162 10 LISTA DE SIGLAS AC - Acre ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade AES Sul – AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia Agergs – Agência Nacional de Regulação dos Serviços Públicos AL - Alagoas AM – Amazonas ANA – Agência Nacional de águas ANC – Assembleia Nacional Constituinte Ancap – Administración Nacional de Combustibles, Alcohol y Prtland Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica BA – Bahia Banacre – Banco do Estado do Acre Banap – Banco do Estado do Amapá Bandepe – Banco do Estado de Pernambuco Bandern – Banco do Estado do Rio Grande do Norte Baneb – Banco do Estado da Bahia Baner – Banco do Estado de Roraima Banerj - Banco do Estado do Rio de Janeiro Banese - Banco do Estado de Sergipe Banespa - Banco do Estado de São Paulo Banestado – Banco do Estado do Paraná Banestes - Banco do Estado do Espírito Santo Banpará - Banco do Estado do Pará Banrisul – Banco do Estado do Rio Grande do Sul BC – Banco Central BEA – Banco do Estado do Amazonas BEC – Banco do Estado do Ceará BEG – Banco do Estado de Goiás BEM – Banco do Estado do Maranhão Bemat – Banco do Estado do Mato Grosso 11 Bemge – Banco do Estado de Minas Gerais BEP – Banco do Estado do Piauí Beron – Banco do Estado de Rondônia Besc – Banco do Estado de Santa Catarina Bovespa - Bolsa de Valores de São Paulo BRB - Banco do Distrito Federal Cachoeira Dourada – Centrais Elétricas de Cachoeira Dourada Casan – Companhia Catarinense de Águas e Saneamento CCJ – Comissão de Constituição e Justiça CE – Ceará Cedic – Companhia de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Rio Grande do Sul CEEE Centro-Oeste – Companhia Centro-Oeste de Distribuição e Energia Elétrica CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica CEEE Norte-Nordeste – Companhia Norte-Nordeste de Distribuição de Energia Elétrica CEEE Sul-Suldeste – Companhia Sul-Suldeste de Energia Elétrica CEERS – Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul CEF – Caixa Econômica Federal Celesc – Centrais Elétricas de Santa Catarina Celpa – Centrais Elétricas do Pará Celpe – Companhia Energética de Pernambuco Cemar – Companhia Energética do Maranhão Cemat – Centrais Elétricas Mato-Grossenses Cemig – Companhia Energética de Minas Gerais CERJ – Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro Cesa – Companhia Estadual de Silos e Armazéns Cesp – Companhia Energética de São Paulo CGTEE – Companhia de Geração Térmica e Energia Elétrica Chesf – Companhia Hidroelétrica do São Francisco Cintea – Companhia Intermunicipal de Estradas Alimentadoras Coelba – Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia 12 Coelce – Companhia Energética do Ceará Cohab – Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul COM – Companhia Operadora de Mineração Copasa – Companhia de Saneamento de Minas Gerais Copel – Companhia Paranaense de Energia Elétrica Corsan – Companhia Riograndense de Saneamento Cosern – Companhia Energética do Rio Grande do Norte CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito Credireal – Banco de Crédito Real de Minas Gerais CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil CRT – Companhia Riograndense de Telecomunicações CRTUR – Companhia Riograndense de Turismo CUT - Central Única de Trabalhadores DAE – Departamento Aeroviário do Estado DEM – Partido dos Democratas DL – Decreto Legislativo EBE – Empresa Bandeirante de Energia EC – Emenda Constitucional Elektro – Elektro Eletricidade e Serviços Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo Energipe – Empresa Distribuidora de Energia em Sergipe Enersul – Empresa de Energia do Mato Grosso do Sul ES – Espírito Santo Escelsa – Espírito Santo Centrais Elétricas Farsul – Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul FCDL – Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul Fecomércio – Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul Federasul - Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul Fetrafi – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeira 13 FHC – Fernando Henrique Cardoso Fiergs – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul FMI – Fundo Monetário Internacional Furnas – Companhia Furnas Centrais Elétricas Gerasul – Centrais Geradoras do Sul do Brasil GO – Goiás LC – Lei Complementar LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias Light – Light Serviços de Eletricidade LO – Lei Ordinária MA – Maranhão Mare – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado Meridional – Banco Meridional MG – Minas Gerais MS – Mato Grosso do Sul MT – Mato Grosso Nossa Caixa – Banco Nossa Caixa OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PA – Pará Paraiban – Banco do Estado da Paraíba PB – Paraíba PC do B – Partido Comunista do Brasil PDL – Projeto de Decreto Legislativo PDRAE – Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado PDT – Partido Democrático Trabalhista PE – Pernambuco PEC – Proposta de Emenda Constitucional Petrobrás - Petróleo Brasileiro PFL – Partido da Frente Liberal PHS – Partido Humanista da Solidariedade PI - Piauí PIB – Produto Interno Bruto 14 PL – Partido Liberal PL – Projeto de Lei PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN – Partido da Mobilização Nacional PPA – Plano Plurianual PP – Partido Progressista PPS – Partido Popular Socialista PR – Paraná Procergs – Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul Produban – Banco do Estado de Alagoas Proes – Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária PSB – Partido Socialista Brasileiro PSC – Partido Social Cristão PSD – Partido Social Democrático PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira PSOL – Partido do Socialismo e Liberdade PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro Raet – Regime de Administração Especial Temporária RGE – Rio Grande Energia RJ – Rio de Janeiro RN – Rio Grande do Norte RO – Rondônia RR – Roraima RS – Rio Grande do Sul S.A. – Sociedade Anônima Saelpa – Empresa de Energia Elétrica da Paraíba SC – Santa Catarina SE - Sergipe Sefaz – Secretaria da Fazenda 15 Sercomtel – Serviço de Comunicações Telefônicas de Londrina Sindiágua – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto Sindibancários – Sindicato dos Bancários de Porto Alegre SP – São Paulo STF – Supremo Tribunal Federal Sulgás – Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul TIM – Telecom Itália Mobile TRE – Tribunal Regional Eleitoral TSE – Tribunal Superior Eleitoral UE – União Europeia Zopergs – Companhia Administradora da ZPE do Rio Grande ZPE – Zonas de Processamento de Exportação 16 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 18 2 DILEMA DEMOCRÁTICO: REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICAS ............................................................................................................... 23 2.1 DEMOCRACIA HEGEMÔNICA ........................................................................... 24 2.1.1 Modelo de Estado ........................................................................................... 25 2.1.2 O Pensamento Liberal no Campo da Democracia ....................................... 30 2.1.3 Representação Política .................................................................................. 38 2.2 DEMOCRACIA CONTRA-HEGEMÔNICA .......................................................... 41 2.2.1 Modelo de Estado ........................................................................................... 44 2.2.2 O Modelo Alternativo no Campo da Democracia ........................................ 47 2.2.3 Participação Política ...................................................................................... 57 2.3 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 2 ....................................................................... 64 3 MECANISMOS DE DEMOCRACIA SEMIDIRETA NO BRASIL: INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ? ................................................................................ 68 3.1 INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA SEMIDIRETA .......................................... 68 3.1.1 Plebiscito ........................................................................................................ 71 3.1.2 Referendo........................................................................................................ 73 3.1.3 Diferenças entre Plebiscito e Referendo ...................................................... 76 3.1.4 Iniciativa Popular ............................................................................................ 77 3.2 REGULAMENTAÇÃO DOS MECANISMOS NO BRASIL ................................... 79 3.2.1 Regulamentação Constitucional ................................................................... 84 3.2.2 Regulamentação Infraconstitucional ............................................................ 87 3.2.3 Fragilidades da Legislação............................................................................ 95 3.3 A PARTICIPAÇÃO É POSSÍVEL: UTILIZAÇÃO DOS MECANISMOS ............. 106 3.3.1 Islândia: Revolução Democrática ............................................................... 107 3.3.2 União Européia: os Mecanismos de Participação como Obstáculo à Concretização de Decisões? ................................................................................ 112 3.3.3 Uruguai: Referência na Utilização de Consultas Populares ..................... 116 17 3.3.4 Bolívia, Equador e Venezuela: Reformas Constitucionais ....................... 119 3.3.5 Consulta Popular para a Privatização de Estatais .................................... 125 3.4 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 3 ..................................................................... 144 4 O PLEBISCITO E AS PRIVATIZAÇÕES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ..................................................................... 148 4.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .......................................................... 148 4.2 CONTEXTO POLÍTICO ..................................................................................... 158 4.2.1 Governos FHC e Britto: Concretização da Reforma Gerencial ................ 159 4.2.2 Privatização das Estatais: Risco Iminente? ............................................... 168 4.2.3 Mobilização do Setor Bancário ................................................................... 180 4.3 EMENDAS CONSTITUCIONAIS ....................................................................... 187 4.3.1 Emenda Constitucional nº 31 de 18 de Junho de 2002 ............................. 188 4.3.2 Emenda Constitucional nº 33 de 19 de Novembro de 2002 ...................... 198 4.3.3 Emenda Constitucional nº 47 de 16 de Dezembro de 2004 ...................... 201 4.4 O PLEBISCITO CRIADO PELAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS ................. 206 4.4.1 As Privatizações Retornam à Pauta? ......................................................... 206 4.4.2 Democracia Hegemônica ou Contra-Hegemônica? .................................. 213 4.5 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 4 ..................................................................... 221 5 CONCLUSÕES .................................................................................................... 224 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 231 ANEXOS ................................................................................................................. 252 18 1 INTRODUÇÃO Em 1995 quando inicia o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Brasil passa por uma fase de mudança da Administração Pública, com o objetivo de modernizar a forma de gerir a máquina estatal e implementar o modelo gerencial. Para isso, o então presidente, criou o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare) para estabelecer as diretrizes da reforma gerencial, nomeando como ministro, Luiz Carlos Bresser-Pereira. Assim, foram elaborados o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) e a EC nº 19, de 04 de junho de 1998, como principais instrumentos desta reforma. O primeiro aponta os elementos fundamentais desse modelo de Administração Pública e suas diretrizes, enquanto o segundo acrescentou aos princípios da antiga Administração Burocrática (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade) o princípio da eficiência, que está garantido no artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988. A reforma gerencial pretendeu substituir a Administração Burocrática, baseada na ideia de que o Estado deveria custar menos e funcionar melhor. Nessa lógica, a política de privatizações era uma das medidas previstas para tornar mais eficientes os serviços prestados e diminuir os custos. Por esta razão, a privatização passou a ser muito aplicada no governo FHC, em busca da eficiência dos serviços e da máquina administrativa. Nesse contexto, Antônio Britto assumiu como governador do Estado do Rio Grande do Sul (RS) em 1995, quando passou a adotar as políticas que estavam sendo implementadas a nível nacional e, principalmente, aderiu às privatizações de empresas estatais, o que esteve muito presente em seu programa de governo. Como a privatização estava se tornando uma constante de governo, segmentos da sociedade civil, principalmente o setor bancário, preocupados com uma possível alienação do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), se mobilizaram para manter o banco estatal. Assim, lideranças do Banrisul percorreram todo o Estado, buscando apoio para que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) fosse enviada ao Parlamento. Com a ampla mobilização do setor dos bancários, surgiu a PEC nº 94 de 1998, que foi subscrita por 133 Câmaras de 19 Vereadores do Rio Grande do Sul, tendo como objetivo principal a exigência de plebiscito no caso de privatização do Banrisul. Contudo, como Olívio Dutra foi eleito governador em 1998, e interrompeu a política de privatização adotada até então, a proposta foi arquivada. Apenas no final do governo Olívio houve, novamente, a pressão do segmento bancário para votação da proposta, motivo pelo qual, em 2002, a PEC nº 94/98 foi desarquivada. Durante a sua votação, ocorreu uma ampla movimentação dos bancários em apoio ao projeto, bem como amplo apoio do governador do Estado e de sua bancada. No início da votação em primeiro turno, foi acrescentada à proposta, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Tal medida foi tomada em função da pressão do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto (Sindiágua). Em 14 de junho de 2002, a PEC nº 94/98 foi aprovada em segundo turno por unanimidade, criando a EC nº 31 que inseriu o parágrafo 2º, ao artigo 22, da Constituição do Estado do RS, exigindo a utilização do plebiscito em caso de alienação ou transferência acionária, criação, extinção, fusão, incorporação ou cisão do Banrisul e da Corsan. As ECs nº 33/02 e nº 47/04 visaram complementar a anterior, exigindo o plebiscito, também, em casos de privatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE); Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás); Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) e; Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (Procergs). A partir desse contexto, foi elaborado o problema de pesquisa: a exigência de plebiscito prévio à privatização das empresas estatais no Rio Grande do Sul desafia o modelo democrático concentrado na exclusividade da representação? O objetivo principal deste trabalho é analisar se a exigência de plebiscito prévio à privatização das empresas estatais no Rio Grande do Sul desafia o modelo democrático concentrado na exclusividade da representação. Os objetivos específicos são: apresentar o debate teórico sobre democracia representativa (hegemônica) e participativa (contra-hegemônica) e o modelo de Estado que orienta cada concepção democrática; estudar a representação e a 20 participação políticas; analisar a democracia semidireta e os mecanismos de participação cidadã que a representam; verificar como esses mecanismos são regulamentados no Brasil; apontar como os mecanismos de democracia semidireta são utilizados em outros países; identificar o contexto político em que as ECs surgiram e verificar como ocorreu esse processo de criação e; analisar o plebiscito criado pelas ECs e qual modelo democrático melhor o representa. A hipótese geral do presente estudo, é que a exigência de plebiscito prévio à privatização das empresas estatais no Rio Grande do Sul desafia o modelo democrático concentrado na exclusividade da representação e, embora tal mecanismo tenha surgido dentro deste modelo, ele só pode ser explicado através da democracia contra-hegemônica. Diversas são as justificativas para a escolha deste tema. Primeiramente, o tema foi escolhido por possibilitar a discussão de uma questão pouco debatida entre os acadêmicos das ciências sociais, a democracia direta e, mais que isso, por permitir abordar um caso específico (o plebiscito para privatização de estatais no Estado do RS) que foi pouco divulgado pela mídia e sobre o qual, não existem trabalhos acadêmicos. Além disso, a escolha baseou-se também, na importância dos mecanismos de participação cidadã em um contexto de crescente insatisfação e descrença dos cidadãos com o modelo atual de democracia e na relevância do tema frente ao contexto atual do Brasil. Ademais, a temática estudada possibilita realizar uma discussão sobre o conceito de participação, já que tal definição é muito ampla, permitindo que governos com modelos de Estado diferentes se igualem. Por fim, o caso escolhido é de grande relevância, pois cria a possibilidade de análise do mecanismo do plebiscito de uma forma diferente e não usual. Trata-se do plebiscito vinculante, que inverte a lógica dos mecanismos de participação previstos na legislação brasileira e obriga o Poder Público a propor uma consulta popular para um determinado assunto específico (privatização). A metodologia utilizada para a elaboração da pesquisa foi o método hipotético-dedutivo combinado com o método histórico. O primeiro justifica-se, pois foi elaborado um problema e definida uma solução provisória, a qual foi testada ao 21 longo da pesquisa, a fim de verificar a sua comprovação ou não. Já o segundo foi utilizado para orientar a pesquisa em ralação à origem das ECs e do plebiscito criado por elas. Somente com a utilização deste método, foi possível analisar a natureza desses instrumentos. Quanto à forma de avaliação, foi utilizada a abordagem qualitativa e, em relação às técnicas de pesquisas, elas variaram conforme os capítulos. Para o desenvolvimento do segundo e terceiro capítulos foi utilizada, basicamente, a pesquisa bibliográfica e documental, a partir da análise de livros, jornais, periódicos, sítios da internet, documentos oficiais, etc. Importa, contudo, descrever como foram colhidos os materiais bibliográficos para a análise de três casos específicos do terceiro capítulo: análise dos Projetos de Lei (PLs) referente à regulamentação dos mecanismos de participação cidadã no Brasil, no item “3.2.3 Fragilidades da Legislação”; a pesquisa sobre como o plebiscito e o referendo são regulamentados pelas Constituições estaduais no Brasil e; para o estudo do caso da empresa de Serviço de Comunicações Telefônicas de Londrina (Sercomtel), no Estado do Paraná (PR), ambos no tópico “3.3.5 Consulta Popular para a Privatização de Estatais”. Em relação ao primeiro caso, a fim de verificar quais os PLs existentes sobre os mecanismos de participação no Brasil, e qual a sua condição atual, a autora enviou um e-mail para a Câmara de Deputados, para o Senado Federal, para o Congresso Nacional e para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a fim de solicitar as propostas de leis (de qualquer gênero) referentes aos mecanismos de participação cidadã do período de 1988 (quando a CRFB foi criada) até 2013. O único retorno foi da Câmara de Deputados, que disponibilizou um material contendo toda a sua produção legislativa sobre o assunto, para o período solicitado. Por esta razão, tal estudo foi realizado a partir dos dados enviados pela Câmara de Deputados, em 16 de setembro de 2013. Foram enviadas 395 proposições, das quais, 382 versavam sobre os mecanismos de participação de forma direta ou indireta. Em relação ao segundo caso, para verificar a regulamentação das consultas populares nas Constituições estaduais no Brasil, foi feita uma pesquisa na Constituição dos Estados brasileiros. A autora consultou cada Constituição e buscou 22 todos os artigos que previam o plebiscito e o referendo e, com base nos resultados, produziu a tabela que será exibida no terceiro capítulo, no item já referido. Por fim, para verificar como ocorreu a previsão e a utilização do plebiscito em caso de privatização da empresa de telefonia em Londrina, a autora entrou em contato com a empresa Sercomtel (por e-mail), e foi informada que a mesma possuía clippings com todas as matérias que envolviam a realização do plebiscito em Londrina e que este material estava disponível para consulta. Dessa forma, uma amiga da autora que tem parentes em Londrina buscou esse material, o que permitiu a realização da pesquisa, já que não existiam muitas informações disponíveis sobre este caso. Em relação ao quarto capítulo, foram utilizadas como técnicas de pesquisa, a análise bibliográfica e documental e entrevistas semi-estruturadas. A fim de não tornar o assunto exaustivo, os detalhes metodológicos serão explicados em um item, no próprio capítulo quarto. No que se refere à estrutura, este estudo está dividido em cinco capítulos. O primeiro é o que se está apresentando. O segundo capítulo verifica as duas concepções democráticas recorrentes: a democracia representativa ou hegemônica e a democracia participativa ou contrahegemônica. Além disso, serão analisados os modelos que se relacionam com cada teoria democrática, bem como o instituto da representação e da participação políticas. O terceiro capítulo trata da democracia semidireta e dos mecanismos de participação cidadã que a representam, bem como analisa a forma como estes mecanismos estão regulamentados no Brasil e aponta exemplos da utilização do plebiscito e do referendo, principalmente em outros países. No quarto capítulo se verifica o contexto político e o conteúdo das ECs nº 31/02, nº 33/02 e nº 47/04 e os processos que lhe deram origem, bem como se observa o plebiscito criado por essas ECs e o modelo democrático que melhor lhe representa. Por fim, o quinto capítulo aponta as conclusões obtidas na realização desta pesquisa. 23 2 DILEMA DEMOCRÁTICO: REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICAS Considerando que possam existir muitas definições possíveis de democracia, mas não muitas definições historicamente possíveis1, este trabalho analisa as duas principais teorias democráticas encontradas ao longo da história2: a grega3, que exalta o exercício da soberania popular através da participação direta dos cidadãos nas decisões políticas; e a liberal, que prevê a representação política como forma democrática por excelência. Adotando as denominações aplicadas por Leonardo Avritzer4 e Boaventura de Souza Santos5, serão utilizados os termos “contra-hegemônico” e “hegemônico” respectivamente, para tratar dos modelos democráticos (grego e liberal), pelos motivos que serão expostos ao longo do texto. Para realizar tal análise, este capítulo está dividido em duas partes. Primeiramente, será abordada a concepção democrática hegemônica, o modelo de Estado que a fundamenta e seu elemento central: a representação política. Em seguida, é realizado um estudo da teoria contra-hegemônica de democracia, do modelo de Estado que a representa, bem como da sua principal característica: a participação cidadã. 1 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994. 2 v. As questões clássicas, p. 17-18. 2 Este trabalho reconhece que são três as modalidades democráticas encontradas ao longo da história: a democracia direta; a indireta e; a semidireta. Contudo, este primeiro capítulo enfatiza os dois primeiros tipos democráticos, na medida em que eles permitem explicar o modelo hegemônico e o contra-hegemônico de democracia, que serão utilizados, posteriormente, para analisar o plebiscito criado pelas ECs aqui estudadas. Como a democracia semidireta é um misto da democracia direta e indireta, ela será oportunamente estudada no próximo capítulo, onde serão discutidos os mecanismos de participação cidadã, através dos quais ela se manifesta. 3 Ao tratar a democracia grega como um sinônimo do modelo contra-hegemônico, este trabalho pretende, apenas, resgatar o ideal de participação direta que surgiu na democracia ateniense pela primeira vez na história. Assim, o presente estudo reconhece as limitações da participação grega, na medida em que só participavam aqueles que eram considerados cidadãos gregos, excluindo, por exemplo, as mulheres. Reconhece também, a impossibilidade de aplicar um modelo democrático de participação pura, sem institutos representativos. Contudo, a menção à democracia grega, pretende, tão somente, resgatar o ideal da participação cidadã e aplicá-lo conforme as características da sociedade moderna. 4 AVRITZER, Leonardo. Teoria democrática, esfera pública e participação local. Sociologias, Porto Alegre, ano 1, n. 2, p. 18-41, jul./dez. de 1999, p. 18. 5 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 41. 24 2.1 DEMOCRACIA HEGEMÔNICA Na primeira metade do século XX, o debate democrático envolvia a concepção liberal e a republicana de democracia e esta última, que possuía os elementos da democracia ateniense, era a visão dominante. Mas, nesse mesmo período, esta noção passou a ser fortemente criticada por ter, em sua essência, duas contradições: a contradição entre participação e a complexificação das sociedades modernas e a contradição entre participação e representação.6 Nos tempos modernos, o número populacional e a existência de um Estado criado para organizar e representar a sociedade torna inviável a participação de todos os cidadãos nas decisões políticas, fazendo da representação um mecanismo essencial. É por esta razão que “a noção de representação política coloca-se como ‘divisor de águas’ entre o significado original de governo democrático e sua versão moderna”7. Com as contradições inerentes a teoria republicana, a democracia representativa ganhou força e tornou-se hegemônica no Ocidente no século XX. A hegemonia expressa, portanto, uma visão global que é defendida por um grande número de teóricos e adotada pela maior parte dos países. Dessa maneira, a concepção democrática hegemônica remete a representação política e contempla um conjunto de sinônimos que a identificam: democracia liberal, democracia formal, democracia burguesa, democracia representativa e democracia hegemônica. Essa teoria dominante possui um modelo de Estado que a representa e permite que suas características essenciais sejam observadas. Tal modelo é conhecido por liberalismo ou Estado liberal. É necessário esclarecer que este trabalho não pretende apontar os tipos particulares de liberalismo e as suas origens. O objetivo, na verdade, é deixar claro que, para cada uma das teorias democráticas, existe um modelo de Estado que as sustentam. Assim, ainda que possam ser 6 AVRITZER, Leonardo. Teoria democrática, esfera pública e participação local. Sociologias, Porto Alegre, ano 1, n. 2, p. 18-41, jul./dez. de 1999, p. 20-21. 7 DIAS, Marcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o Orçamento Participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2002. Capítulo I, p. 64. 25 utilizadas diferentes denominações para tratar do fenômeno liberal (como neoliberalismo, por exemplo), não se pretende apontar as suas especificidades, mesmo que se reconheça que esses termos possuem algum grau de diferença. 2.1.1 Modelo de Estado Considerando que o liberalismo é o modelo de Estado que permite o desenvolvimento e a manutenção da democracia representativa, importa defini-lo. Locke teve um papel fundamental no desenvolvimento do liberalismo político, na medida em que ele traduziu os princípios burgueses da sua época em uma ideologia que passou a ser utilizada politicamente, ou seja, o liberalismo é, primeiramente, uma ideologia da classe burguesa. Para Locke8, os homens são naturalmente livres e iguais. Esse elemento remete ao “estado de natureza”, que se traduz, em um estado de paz entre os indivíduos, onde a liberdade e a igualdade imperam. Isso significa que, a liberdade não é imposta por um determinado Estado ou governo (inexistente no Estado de natureza), ela nasce com os homens e, portanto, deve ser protegida. Essa liberdade natural ampara direitos naturais que não podem ser violados, como a vida, saúde e propriedade. No estado de natureza todos os bens são comuns aos homens e, portanto: “todos os frutos que ela (a terra) produz espontaneamente e todos os animais que alimenta pertencem à Humanidade em comum, destinando-se ao uso dos homens”9. Como todos os bens da terra são comuns aos indivíduos, deve haver um modo de se apropriar deles. Nesse sentido, quando o homem utiliza algo disponível a todos para seu próprio consumo e acrescenta o seu trabalho para render frutos a este bem, ele passará a ser de sua propriedade privada.10 Embora o estado de natureza de Locke represente um estado de paz, há a possibilidade de tornar-se de guerra, ou seja, “um estado de inimizade e 8 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 23-30. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 37. 10 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 37-50. 9 26 destruição”11. Por esta razão, sem a existência de um governo, a liberdade e a propriedade privada dos indivíduos correm risco constante de violação. Assim, o surgimento de um governo possui como finalidade essencial a preservação da liberdade e dos direitos naturais dos indivíduos, em especial a propriedade. O advento da sociedade civil, contudo, não é imposto, ele deriva de um contrato social, onde todos os indivíduos devem renunciar livremente ao seu poder natural para aderir à comunidade.12 Dessa forma, com o surgimento da sociedade política, o Estado é criado e deve atuar apenas para proteger a liberdade e os direitos naturais dos indivíduos: […] quando os homens constituem sociedade abandonando a igualdade, a liberdade e o poder executivo do estado de natureza aos cuidados da comunidade para que disponham deles por meio do poder legislativo de acordo com a necessidade do bem dela mesma, fazem-no cada um com a intenção de melhor preservar a si próprio, à sua liberdade e propriedade. E como não podemos supor que um ser racional troque a sua condição para pior, o poder da sociedade ou o legislativo constituído não é tampouco de se supor que se estenda para além do bem comum, ficando na obrigação de garantir a propriedade de cada membro, obstando aos três inconvenientes acima mencionados que tornam o estado de natureza tão inseguro e arriscado. Por isso, quem tiver nas mãos o poder legislativo ou supremo de uma comunidade tem a obrigação de governá-la mediante leis estabelecidas, promulgadas e conhecidas do povo, e não por meio de decretos extemporâneos; juízes equânimes e corretos terão de resolver as controvérsias à luz dessas leis e empregar a força da comunidade no seu território apenas na execução de tais leis; e fora dele para prevenir ou remediar males causados por estrangeiros, e proteger a sociedade contra incursões ou invasões. E tudo isso visando apenas à paz, à segurança e ao 13 bem geral do povo. É possível perceber que Locke apresenta os elementos essenciais do liberalismo político: exaltação das liberdades individuais, da propriedade privada e o Estado como um poder que deve intervir apenas para assegurar que a liberdade e a propriedade não sejam violadas. Nesse mesmo sentido, Norberto Bobbio14 define o liberalismo explicando que ele é “como teoria econômica, fautor da economia de mercado; como teoria política, é fautor do estado que governe o menos possível ou, como se diz hoje, do estado mínimo”. 11 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 31. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 69. 13 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 94-95. 14 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 114. 12 27 O autor traduz, portanto, a característica essencial de um Estado Liberal, já anunciada por Locke: oposição a forte intervenção estatal em qualquer esfera. Assim, na economia, o liberalismo defende a propriedade privada, bem como a ideia de que o mercado deve regular o plano econômico. Já na esfera política, a teoria liberal prevê um Estado que se detenha a exercer funções para garantir o pleno gozo de direitos a todos, ou seja, defender as liberdades individuais.15 Segundo Milton Friedman16 a essência do liberalismo é “a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas, sujeito somente a obrigação de não interferir com a liberdade de outros indivíduos fazerem o mesmo”. É por exaltar as liberdades individuais que o liberalismo pressupõe um Estado mínimo, tanto para o plano político, quanto para o plano econômico. Para os liberais, é a organização econômica que desempenha um importante papel na formação dessa sociedade de indivíduos livres: Vista como um meio para a obtenção da liberdade política, a organização econômica é importante devido ao seu efeito na concentração ou dispersão do poder. O tipo de organização econômica que promove diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo competitivo, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, 17 desse modo, permite que um controle o outro. Deste modo, o liberalismo defende que, para existir a liberdade política é essencial a existência do livre mercado. Contudo, a expressão “mercado livre” não é a negação completa da necessidade de um Estado. Em um modelo liberal o Estado deve existir, mas deve exercer apenas o papel de legislador e árbitro, para definir e garantir o cumprimento das regras do jogo. Por outro lado, ele deve ser um “Estado 15 Percebe-se que o liberalismo se divide em duas vertentes: o político e o econômico. O primeiro possui a ênfase nos indivíduos, enquanto o segundo exalta o mercado. Ao passo em que o liberalismo político defende a ideia de proteção máxima das liberdades individuais, o liberalismo econômico defende uma economia de mercado livre de regulamentações externas. Essas duas correntes do liberalismo são interdependentes e não devem ser consideradas separadamente. A essência é que um Estado liberal defende um Estado mínimo, seja do ponto de vista político ou econômico. Por esta razão, importa esclarecer que este trabalho adota o liberalismo em sentido amplo (político e econômico), por considerar que a democracia envolve, não apenas o âmbito político, mas também o econômico. 16 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 177. 17 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 18. 28 mínimo” em todos os demais sentidos, na medida em que não deve intervir na economia18 ou na liberdade individual.19 Assim, o mercado é entendido como uma forma de manter o poder econômico separado do poder político, mas também de manter o equilíbrio entre esses poderes, enquanto o Estado é considerado centralizador, o que não permite o livre desenvolvimento econômico e político de uma sociedade. Além disso, o “Estado máximo” é visto como um poder coercitivo que contraria os preceitos de liberdade e igualdade.20 Para demonstrar que o Estado, embora exerça um papel importante na sociedade, deve ser “mínimo”, Friedman21 aponta uma série de atividades, entre muitas outras, onde o Estado não pode intervir: 1. Programa de apoio à equivalência de preços para a agricultura. 2. Tarifas sobre as importações e restrições às exportações, como as atuais cotas de importação de petróleo, cotas de açúcar, etc. 3. Controle governamental da produção, quer sob a forma de programas fazendas, quer através da divisão proporcional do petróleo conforme feito pela Texas Railroad Commission. 4. Controle de aluguéis, como ainda praticado em Nova York, ou controles mais gerais de preços e salários como os impostos durante e após a Segunda Guerra Mundial. 5. Salários mínimos legais ou preços máximos legais, como o máximo legal de erro na taxa de juros que pode ser paga para depósitos por bancos comerciais ou as taxas máximas legalmente estabelecidas que podem ser pagas nos depósitos de poupança e depósitos a prazo. 6. Regulação detalhada de indústrias, como a regulação de transporte pela Interstate Commerce Commission. O fato tinha alguma justificação em termos de monopólio técnico quando inicialmente introduzido para estradas de ferro; não tem nenhuma agora para qualquer tipo de transporte. Outro exemplo é a regulamentação-detalhe da atividade bancária. 7. Um exemplo semelhante, mas que merece menção especial devido à sua censura implícita e violação de palavra, é o controle do rádio e televisão pela Federal Communications Commission. 8. Os atuais programas sociais de seguros, especialmente os que envolvem a velhice e a aposentadoria, obrigando as pessoas a: a) gastar uma fração estabelecida de sua renda na compra de uma anuidade de aposentadoria; b) comprar a anuidade de uma empresa pública. 9. A exigência de licenciamento em diversas cidades e Estados que restringem determinados empreendimentos ou ocupações ou profissões a pessoas que possuem uma licença, quando a licença constitui mais do que o recibo de uma taxa que qualquer um que o deseje possa pagar. 18 Como o liberalismo defende que o mercado deve se autorregular e que o Estado não deve intervir na economia, as privatizações são defendidas pelo liberalismo, para manter um “Estado mínimo” em todos os planos. Por isso, importa esclarecer a ideologia liberal e o tipo de democracia por ela sustentada, o que será resgatado posteriormente, na análise do plebiscito em caso de privatizações de empresas estatais. 19 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 23. 20 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 24-29. 21 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 180. 29 10. Os programas de habilitação e tantos programas destinados diretamente a patrocinar a construção residencial, tais como as garantias para hipotecas F.H.A. e V.A. 11. A convocação de homens para serviço militar em tempo de paz. A prática apropriada ao mercado livre seria a organização de uma força militar voluntárias, ou seja, empregar homens para servir. Não há justificação para que não se pague o preço necessário à obtenção do número conveniente de homens. A organização atual é injusta e arbitrária, interfere seriamente com a liberdade dos jovens para planejar suas vidas e é, provavelmente, mais cara do que a alternativa do mercado. (O treinamento militar universal, a fim de criar uma reserva para o tempo de guerra, é um problema diferente e pode ser justificado em termos liberais.) 12. Parques nacionais. 13. A proibição legal do transporte de correspondência, com fins lucrativos. 14. A cobrança pública do pedágio nas estradas. Esta lista está longe de ser completa. Esta lista comprova que a teoria liberal pressupõe um Estado que não atue ativamente em nenhum plano (econômico ou político). Considerando que o liberalismo prevê que o mercado deve regular a economia sem intervenções, esta doutrina adota uma forma democrática que possibilita manter seus preceitos: a representação, que permite: […] aperfeiçoar e alargar os pontos de vista da população, filtrando-os através de um selecionado grupo de cidadãos, cujo saber poderá melhor discernir os verdadeiros interesses de seu país e cujo patriotismo e amor à justiça dificilmente serão sacrificados por considerações temporárias ou parciais. Sob tais normas, bem pode acontecer que a opinião pública, externada pelos representantes do povo, seja mais condizente com o bem 22 geral do que se expressa pelo próprio povo, convocado para esse fim. Alexandre Hamilton, James Madson e John Jay23 (conhecidos como os federalistas) entendem que a democracia “pura” ou direta, tende a aumentar a violência, ao possibilitar o surgimento de facções, ou seja, o surgimento de um grupo de indivíduos “representando quer a maioria, quer a minoria do conjunto, unido e agindo sob um impulso comum de sentimentos ou de interesses contrários aos direitos dos outros cidadãos ou aos interesses permanentes e coletivos da comunidade”24. 22 HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. O federalista. São Paulo: Russel Editores, 2003, p. 81. 23 HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. O federalista. São Paulo: Russel Editores, 2003, p. 71-83. 24 HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. O federalista. São Paulo: Russel Editores, 2003, p. 78. 30 Dessa maneira, para impedir o aumento da violência e a criação de facções, os autores defendem a existência de uma república, baseada na separação de poderes e no sistema da representação, motivo pelo qual, eles foram de grande importância para a teoria liberal (já que influenciaram a elaboração da Constituição norte-americana da época que, como consequência, consagrou princípios liberais).25 Embora os autores defendam a representação, que se expressa através da forma democrática, é possível perceber que os mesmos, diferenciavam a representação e a democracia, o que fica claro na fala de Madson: Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, nesta última o exercício do governo é delegado a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, são bem maiores o 26 número de seus cidadãos e a área que ela pode abranger. Dessa forma, a democracia e a representação política referem-se a sistemas políticos distintos, o que demonstra a diferença na essência desses institutos, ou seja, a representação não surgiu com o intuito de ser democrática, possuindo princípios que podem ser contrários a democracia, como veremos adiante. Contudo, os autores aceitam a democracia representativa, na medida em que defendem a existência de um sistema de eleições que definirão os representantes. A mesma lógica assiste ao liberalismo, que adota a forma democrática representativa, na medida em que esta possibilita a manutenção dos seus ideais. Nesse sentido, o modelo de Estado liberal sustenta uma democracia representativa que convive com um Estado mínimo econômica e politicamente, o que passa a ser analisado. 2.1.2 O Pensamento Liberal no Campo da Democracia Santos e Avritzer27 explicam que a concepção hegemônica de democracia se relaciona à resposta dada a três questões essenciais: a relação entre procedimento 25 HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. O federalista. São Paulo: Russel Editores, 2003, p. 78-81. 26 HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. O federalista. São Paulo: Russel Editores, 2003, p. 81. 27 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 44. 31 e forma; a relação entre burocracia e democracia e; a inevitabilidade da representação nas sociedades modernas. A primeira questão refere-se à democracia como forma e não como substância. Essa foi a resposta hegemônica, que culminou no “elitismo democrático”, ou seja, em uma teoria democrática restrita. Conforme explicam Santos e Avritzer28, na metade do século XX, Hans Kelsen formulou a ideia de democracia como procedimento, reduzindo o problema de legitimidade democrática ao problema de legalidade. Foram Schumpeter e Bobbio que transformaram o procedimentalismo de Kelsen no elitismo democrático. Acreditando na incapacidade da media do eleitorado, Schumpeter29 transformou a democracia em um método político, ou seja, em uma forma de selecionar elites para governar. O autor questiona “de que maneira será tecnicamente possível ao povo governar?” e afirma que a solução é simples: “abandonar o governo do povo e substituí-lo por um governo aprovado pelo povo”. Dessa forma, Schumpeter adota uma posição puramente procedimental, limitando a ideia de soberania popular, ou seja, a democracia não significa o autogoverno do povo, mas apenas uma forma de selecionar aqueles que representarão este povo. As eleições são, portanto, o único momento onde a soberania popular será exercida. A função dos cidadãos neste modelo é apenas de escolher os seus governantes. Nesse sentido: “método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisão políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor”30. Percebe-se que o autor retira a participação cidadã da teoria democrática. Bobbio31, por sua vez, transforma “o procedimentalismo em regras para a formação do governo representativo”. Para o autor só existe uma forma de definir a democracia: 28 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 44. 29 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 299-300. 30 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 328. 31 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 45. 32 [...] o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões 32 coletivas e com quais procedimentos. Ao tratar o método de seleção de governos como o único caminho possível para a definição da democracia, Bobbio reforça a hegemonia da democracia burguesa. Se a democracia é um conjunto de regras procedimentais, as eleições, a regra da maioria, o sufrágio universal, etc., são normas que compõe o jogo democrático e determinam como ele irá se desenvolver. Contudo, além dessas regras, Bobbio33 aponta a necessidade de normas preliminares que permitam o desenrolar do jogo democrático. Tais regras se relacionam com as liberdades individuais, ou seja, para que as eleições tenham validade é necessário que existam alternativas para os cidadãos escolherem e que essa escolha possa ser realizada sem repressões. Assim, existiria uma interconexão entre democracia e liberalismo: […] o estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do estado democrático. Estado liberal e estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica dessa interdependência está no fato de que o estado liberal e estado democrático, quando caem, caem juntos. O autor traduz um elemento importante da teoria hegemônica, já anunciado anteriormente: a compatibilidade e, mais que isso, a inter-relação entre a democracia formal e o Estado liberal. É o liberalismo que possibilita a convivência entre democracia e capitalismo, na medida em que, o primeiro pode ser caracterizado como um tipo particular do 32 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 18. 33 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 20-21. 33 segundo. Ellen Wood34 define o capitalismo como sendo: “um sistema no qual praticamente todos os bens e serviços são produzidos e obtidos através do mercado”. Como o liberalismo defende a liberdade econômica, essa ideologia serviu para tornar o capitalismo global. Para Robert Dahl35 o capitalismo traz vantagens e desvantagens para a democracia. Assim, embora a democracia representativa até hoje só tenha existido em um contexto capitalista, e seja o capitalismo que permita um maior desenvolvimento econômico, o que favorece a democracia, esse mesmo capitalismo cria desigualdades sociais e políticas limitando o potencial democrático: O capitalismo de mercado favorece grandemente o desenvolvimento da democracia até o nível da democracia poliárquica. No entanto, devido às consequências adversas para a igualdade política, ela é desfavorável ao 36 desenvolvimento da democracia além do nível da poliarquia. O termo democracia poliárquica ou poliarquia é utilizado pelo autor para se referir à democracia representativa moderna.37 Dahl demonstra outra característica essencial da democracia burguesa: ela se desenvolve dentro de uma lógica capitalista e liberal, onde existam fortes desigualdades sociais. Para Giovanni Sartori a democracia não pode ser pensada em detrimento do liberalismo. Pelo contrário, no sentido político, o Estado democrático seria o próprio Estado liberal: [...] além da democracia liberal, o que realmente se vislumbra é apenas a sobrevivência da palavra, isto é, de uma democracia para consumo retórico e que, graças à fictio de um susposto apoio popular, pode sancionar a mais despótica escravidão. Isso significa, falando sem rodeios, que, com o desaparecimento da democracia liberal, a democracia também morre – independente de estarmos nos referindo à sua forma moderna ou antiga, de ser uma democracia baseada na liberdade do indivíduo ou aquela que 38 requer apenas que o poder seja exercido pelo plenum coletivo. É possível perceber que, para o autor, sem o liberalismo a democracia deixa de existir. 34 WOOD, Ellen Meiksins. O que é (anti) capitalismo? Crítica Marxista, São Paulo, n. 17, p. 37-50, 2003, p. 38. 35 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 183-196. 36 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 196. 37 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 99-104. 38 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994. 2 v. As questões clássicas, p. 178. 34 A segunda questão relacionada à democracia hegemônica se refere a relação entre burocracia e democracia. Isso porque, com o desenvolvimento das sociedades modernas, a sua burocratização se tornou inevitável. Ocorre que, segundo Weber39, a complexidade da burocracia moderna é incompatível com o ideal democrático de autogoverno. Assim, a burocratização das sociedades modernas criou problemas à democracia entendida como o exercício ilimitado da soberania popular. Contudo, considerando a burocracia e a democracia como inevitáveis às sociedades modernas, o autor acreditava que elas deviam ser relacionadas, ainda que isso exigisse alguns cuidados. Para resolver os problemas entre esses dois conceitos, ele adota uma democracia que estabeleça os critérios de seleção de líderes, mas que não incite a participação política: A própria demos, no sentido de uma massa inarticulada, jamais “governa” associações maiores; ao invés disso é governada, e sua existência apenas modifica a forma pela qual os líderes executivos são selecionados e a medida de influência que a demos, ou melhor, que os círculos sociais em seu meio podem exercer sobre o conteúdo e direção das atividades administrativas, suplementando o que é chamado de “opinião pública”. “Democratização”, no sentido aqui pretendido, não significa necessariamente uma participação cada vez mais ativa dos governados na autoridade da estrutura social. Isso pode ser um resultado da 40 democratização, mas não é necessariamente o caso. Nesse sentido, Weber concorda que a burocracia e a democracia são fenômenos que se relacionam e, aceita a democracia como sinônimo de representação. A burocracia, portanto, utiliza a democracia para apontar o critério de seleção de governantes e depois da eleição, se preocupa com o “nivelamento dos governados”, o que representa uma “democratização passiva”.41 A democratização passiva está expressa no argumento de Sartori42 de que, após as eleições, o poder do povo fica inativo. Nesse sentido, o autor compreende que o único momento em que o povo exerce seu poder soberano é nas eleições. 39 GERTH, H.H.; WRIGHT, C. Mills (Org.). Max Weber: Ensaios de sociologia. Rio de 2002, p. 155-158. 40 GERTH, H.H.; WRIGHT, C. Mills (Org.). Max Weber: Ensaios de sociologia. Rio de 2002, p. 158. 41 GERTH, H.H.; WRIGHT, C. Mills (Org.). Max Weber: Ensaios de sociologia. Rio de 2002, p. 158-159. 42 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994. contemporâneo, p. 123-124. Janeiro: LTC, Janeiro: LTC, Janeiro: LTC, 1v. O debate 35 Essa passividade dos cidadãos pode se expressar também através da apatia política, na medida em que o desinteresse conduz à passividade. Bobbio43 considera essa apatia benéfica à democracia: […] a apatia política não é de forma alguma um sintoma de crise de um sistema democrático mas, como habitualmente se observa, um sinal da sua perfeita saúde: basta interpretar a apatia política não como recusa ao sistema mas como benévola indiferença. A democracia hegemônica como foi concebida remete, portanto, às sociedades modernas, ou seja, ela é a forma democrática atual. Isso porque, com a burocratização inevitável das sociedades, o autogoverno do povo se tornou inoperável. A solução foi, então, fazer da democracia um método para a seleção de líderes. Por fim, a terceira questão que compõe a teoria hegemônica é o entendimento de que a representação política é o único instrumento capaz de garantir a democracia em sociedades de grande escala. Para Dahl44: “quanto mais cidadãos uma unidade democrática contém, menos esses cidadãos podem participar diretamente das decisões do governo e mais eles tem que delegar a outros essa autoridade”. O autor demonstra que o número de pessoas existentes em uma sociedade e o tamanho do território são questões que afetam diretamente a democracia. Dessa forma, Dahl45 afirma que na sociedade ateniense o número de pessoas que podiam participar politicamente era pequeno e ideal para o exercício do autogoverno. Contudo, nas sociedades modernas, a prática do autogoverno seria inexecutável, na medida em que, não é possível reunir todos os cidadãos de uma grande cidade em um mesmo local, na mesma hora, bem como não há possibilidade de que todos falem e discutam seus argumentos, pois isso levaria meses, ou até mesmo anos, ou seja, a democracia participativa nas sociedades modernas possui um alto preço. 43 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 70. 44 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 125. 45 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 120-123. 36 Por essa razão, o autor explica que existe um dilema ente a participação cidadã e a eficácia do sistema político, que se traduz em um dilema entre a representação e a participação políticas: Há um dilema fundamental da democracia espreitando nos bastidores deste cenário. Se nosso objetivo é estabelecer um sistema de governo democrático que proporcione o máximo de oportunidades para os cidadãos participarem das decisões políticas, evidentemente a democracia de assembleia num sistema político de pequena escala está com a vantagem. Contudo, se nossa meta é estabelecer um sistema democrático de governo que proporcione o maior terreno possível para tratar eficazmente dos problemas de maior importância para os cidadãos, então, em geral, a vantagem estará numa unidade de tal tamanho que será preciso um sistema 46 representativo. Segundo a democracia burguesa, a única forma de superar este dilema nas sociedades atuais, seria através do instituto da representação política, que será analisado a seguir. Considerando as três questões essenciais relacionadas à democracia formal, é possível perceber que a sua essência é a seleção de representantes, onde a soberania popular é exercida através das eleições e do sufrágio universal. Além disso, a forma representativa pura é a forma democrática aceita pelo liberalismo, na medida em que, com ela, é possível a adoção de um Estado mínimo. Esse entendimento restrito da democracia, como um critério para escolher os governantes, faz surgir a ideia de que existe uma elite no poder, que toma as decisões pelo povo. Nesse sentido, Charles Wright Mills47 define a elite do poder como “homens cuja posição lhes permite transcender o ambiente comum dos homens comuns, e tomar decisões de grandes consequências”. Embora o autor descreva o ambiente Americano, a sua definição de elite do poder é capaz de esclarecer como ocorre o funcionamento de uma democracia representativa pura, onde a decisão é tomada por poucos. Para Mills48, a elite americana não é composta apenas por governantes, mas por três esferas que tomam as decisões nacionais relevantes: a ordem econômica; a ordem política e; a ordem militar. Em cada um desses domínios existe um pequeno 46 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 125. MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 14. 48 MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 14-17. 47 37 grupo que detém o poder. Na ordem econômica, são grandes empresas, na ordem política, alguns governantes e na ordem militar, alguns soldados importantes. O autor afirma que, a decisão tomada por uma dessas áreas afeta as demais: As decisões de um punhado de empresas influem nos acontecimentos militares e políticos, além dos econômicos, em todo o mundo. As decisões da organização militar repousam sobre a vida política, e a afetam, bem como sobre o nível mesmo da atividade econômica. As decisões tomadas no domínio político determinam as atividades econômicas e os programas militares. Já não existem, de um lado, uma ordem econômica, e do outro, uma ordem política encerrando uma organização militar sem importância para a política e os lucros. Há, isso sim, uma economia política ligada, de mil modos, às instituições e decisões militares. De cada lado da divisão do mundo que passa pela Europa central e em volta das fronteiras asiáticas, há uma ligação cada vez maior entre as estruturas econômica, militar e política. Se há intervenção governamental na economia das grandes empresas, há 49 também interferência destas no processo de governo. Como as escolhas de uma das esferas afetam as outras, as questões mais importantes são coordenadas, a fim de evitar o caos. Essa é, portanto, a elite do poder. As decisões são tomadas por seus líderes e o acesso a essa elite é restrito apenas aos membros da camada superior da sociedade capitalista.50 Essa elite, como explica Mills51, detém o monopólio para decidir questões importantes que afetam a vida de milhares de pessoas, sem que elas exerçam algum controle sobre tais decisões, transformando a sociedade americana em uma sociedade de massas que somente toma conhecimento dos fatos depois de consumados. Existe, portanto, uma distância entre a elite que toma as decisões e o restante da sociedade que são afetados por elas. Isso é possível, principalmente, porque a elite moderna possui o monopólio dos meios de comunicação e os manipula, a fim de “controlar” os cidadãos e manter o seu poder. É possível perceber que, apenas a concepção hegemônica de democracia torna possível o surgimento e a manutenção da elite do poder, na medida em que, as decisões são tomadas sem levar em consideração as demandas e necessidades da sociedade. Nesse sentido, a autoridade para decidir questões importantes é do povo, mas o poder, na prática, está nas mãos de alguns, que manipulam os 49 MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 18. 50 MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 19-27. 51 MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 357-371. 38 indivíduos, de modo que pareça que foi a própria sociedade ou parte dela que decidiu, ainda que indiretamente.52 Assim, importa notar mais uma importante característica da democracia hegemônica: a possibilidade de poucas pessoas (a elite), tomarem as decisões que afetarão toda a sociedade. 2.1.3 Representação Política Atualmente, o termo democracia representativa é utilizado com muita naturalidade, como se os dois conceitos fossem interconectados. Contudo, a democracia e a representação nem sempre foram compatíveis, pelo contrário, o governo representativo em sua origem “era uma instituição não democrática, mais tarde enxertada na teoria e na prática democrática”53. Tentando verificar a natureza da representação e a sua relação com a democracia, Hanna Pitkin54 realizou um histórico etimológico do termo. Conforme explica a autora, a palavra se desenvolveu em períodos e intensidades diferentes, de acordo com as línguas em que era empregada. Mas, em geral, a representação em sua origem, não significava ocupar o lugar de outrem, sendo utilizada para se referir a objetos inanimados. Por muito tempo, a evolução do termo não teve relação com um conteúdo político. Nesse sentido, o primeiro exame da ideia de representação na teoria política foi realizado por Hobbes em “o Leviathan”, onde a palavra está associada à noção de autorização, ou seja, “um representante é alguém que recebe autoridade para agir por outro, quem fica então vinculado pela ação do representante como se tivesse sido a sua própria”55. Pitkin demonstra que o desenvolvimento da representação pouco se relaciona com a prática democrática. Apenas com a evolução política do termo (que ocorreu tardiamente) é que democracia e representação passaram a ser associadas. 52 MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 377. 53 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001,p. 118. 54 PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e ideias. Lua Nova, São Paulo, n. 67, p. 15-47, 2006, p. 16-21. 55 PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e ideias. Lua Nova, São Paulo, n. 67, p. 15-47, 2006, p. 28. 39 Nessa mesma ótica, Bernard Manin trata a democracia e a representação como conceitos distintos. Para ele “o governo representativo não foi concebido como um tipo particular de democracia, mas como um sistema político original baseado em princípios distintos daqueles que organizam a democracia”56. Para comprovar a autonomia da representação, Manin57 aponta quatro princípios básicos de um governo representativo que não são, necessariamente, princípios democráticos. O primeiro refere-se a governantes eleitos por governados, o que expressa a ideia de eleições periódicas, elemento central da representação. Considerando a noção ideal de democracia, é possível perceber neste ponto, uma grande diferença em relação à representação política, na medida em que a democracia grega expressa a ideia de autogoverno do povo. A independência parcial dos representantes em relação às preferências dos representados é o segundo princípio do governo representativo. Isso significa que, ao se eleger, os governantes não estão vinculados às vontades dos seus eleitores. Para Marcia Ribeiro Dias58, este princípio permite a relação entre governantes e governados e expressa a ideia de que a “tradução” das vontades dos representados pelos representantes não é literal. Segundo Manin59, este princípio está relacionado à rejeição de duas práticas: mandatos imperativos e revogabilidade permanente dos eleitos. Nesse aspecto, encontra-se uma grande diferença entre a representação e a democracia entendida como um sistema de autogoverno. Isso porque, os representantes não precisam observar estritamente a vontade dos eleitores. Assim, o mandato imperativo estaria mais diretamente relacionado com a democracia, na medida em que o mandato livre permite que os líderes políticos atuem com certo grau de autonomia. O terceiro princípio da representação é a opinião pública, onde os eleitores têm direito de formular e expressar livremente suas opiniões políticas. Para Dias60 56 MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 1995. 57 MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 1995. 58 DIAS, Marcia Ribeiro. Da capilaridade do sistema representativo: em busca da legitimidade nas democracias contemporâneas. Civitas, Porto Alegre, v. 4, n.2, p. 235-256, jul./dez. de 2004, p. 240. 59 MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 1995. 60 DIAS, Marcia Ribeiro. Da capilaridade do sistema representativo: em busca da legitimidade nas democracias contemporâneas. Civitas, Porto Alegre, v. 4, n.2, p. 235-256, jul./dez. de 2004, p. 242. 40 esse princípio permite que “a vontade popular se imponha perante a representação política”, já que as manifestações dos governados independem do controle do governo. A partir desse princípio, ainda que os representantes não estejam vinculados aos desejos dos eleitores, estes podem pronunciar pública e livremente a sua satisfação ou insatisfação, podendo influenciar no processo de decisão eleitoral. Este princípio é o que mais se relaciona com a ideia de autogoverno democrático, onde os cidadãos devem ter liberdade para expressar suas opiniões e discuti-las, antes de decidir. Por fim, o quarto princípio do governo representativo indica que as decisões políticas deverão ser tomadas após o debate. Isso significa que, o sistema representativo não supõe que o governante eleito decida sozinho, mas que exista um órgão coletivo que possibilite o debate antes da tomada de decisão. Este princípio também difere da democracia como autogoverno, na medida em que nesta, todos os cidadãos devem debater antes da tomada de decisões e não somente um órgão que os represente. Torna-se clara a diferença entre representação e o ideal democrático que se traduz na noção de autogoverno do povo.61 Ocorre que, atualmente a democracia e a representação são identificadas como sendo termos compatíveis, o que não significa que o governo representativo descrito por Manin tenha se transformado completamente. Houve, na verdade, uma manutenção dos princípios do governo representativo que apenas se adaptaram à atualidade. Da mesma maneira, o conceito democrático foi adaptado às sociedades modernas, tornando-se compatível com os preceitos da representação política. Assim, a democracia e a representação são, atualmente, não apenas compatíveis, mas consideradas por muitos autores, como a única forma democrática possível em uma sociedade complexa, o que compreende a visão democrática hegemônica, conforme já observado. 61 DIAS, Marcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o Orçamento Participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte:UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2002. Capítulo I, p. 37- 110. 41 2.2 DEMOCRACIA CONTRA-HEGEMÔNICA Embora a teoria hegemônica possua expressão global, ela apresenta alguns limites que não são solucionados pelo instituto da representação pura. Santos e Avritzer62 afirmam que, ao reduzir a democracia a um procedimento de seleção de líderes, a concepção hegemônica não consegue solucionar duas questões essenciais à prática democrática: “a questão de saber se as eleições esgotam os procedimentos de autorização por parte dos cidadãos e se os procedimentos de representação esgotam a questão da representação da diferença”. Além disso, os autores apontam outro limite da democracia liberal: “a dificuldade de representar agendas e identidades específicas”63. Quando trata da representação, a democracia formal, conforme já mencionado, refere-se à autorização, deixando de considerar que este instituto deve envolver ao menos, três dimensões: autorização, identidade e prestação de contas. Assim, a democracia burguesa soluciona a questão da complexidade das sociedades modernas e sua relação com a participação, mas através das eleições não garante que as minorias terão representação adequada, bem como dificulta o processo de prestação de contas aos cidadãos.64 Esses limites da representação estão intrinsecamente relacionados a outro problema: os representantes estão, cada vez mais, se distanciando das demandas dos seus representados. Nesse aspecto, Dias afirma que a democracia representativa não se refere ao governo que é exercido pelo povo e sim a um governo de elites políticas que devem traduzir, ainda que não de forma literal, a vontade dos cidadãos. Dessa forma: “o 62 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 46. 63 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 50. 64 SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 49-50. 42 questionamento da representação surge, portanto, quando o povo se sente insatisfeito com a tradução de sua vontade pelos representantes”65. No mesmo sentido, Maria Victoria Benevides66, ao analisar o caso brasileiro, afirma que a principal deficiência da representação política está na ausência de responsabilidade dos representantes em relação aos cidadãos, motivo pelo qual aqueles se afastam dos anseios destes. Essa possibilidade de se afastar das demandas do povo, gerando uma insatisfação geral com o modelo representativo ocorre, pois “o poder é do povo, mas o governo é dos representantes, em nome do povo: eis aí toda a verdade e essência da democracia representativa”67. Como o governo é dos representantes e eles possuem liberdade para tomar as decisões em nome do povo, atualmente, alguns autores defendem que os problemas daí advindos, principalmente o afastamento dos governantes em relação aos governados, são sintomas de uma crise da democracia representativa. Para Denise Auad68, a principal característica dessa crise é o desvio de finalidade da democracia, na medida em que ela vem servindo para manter interesses particulares e oligárquicos e não o interesse público. Por ser vista como um palco de interesses particulares, a democracia representativa pura se desgastou e não se mostra mais eficiente como um instrumento de legitimação do poder.69 Nesse sentido, Roberto Amaral70 entende que é impossível salvá-la, pois: [...] ela contém uma contradição em termos: a impossibilidade de uma representação legítima (seu pressuposto), isto é, não-eivada de manipulação – manipulação que apenas cresce e se agiganta e toma as formas de um moloch na sociedade de massas –, pela exigência de 65 DIAS, Marcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o Orçamento Participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2002. Capítulo I, p. 70. 66 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 25. 67 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 275. 68 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 69 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 135. 70 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 46. 43 instrumentos de mediação que se constituem, ao mesmo tempo, em incontornáveis instrumentos de defraudação da vontade-cidadã original. É possível identificar que a crise da democracia representativa é uma crise de legitimidade, na medida em que os governantes não correspondem aos anseios da maioria do povo. Para Mônica de Melo71 a crise da representação se agrava quando a estrutura partidária de um país é frágil. Isso por que, a democracia representativa é sustentada pelos partidos políticos. Assim, quando os partidos políticos não são facilmente identificáveis e acabam existindo conforme práticas clientelistas, como ocorre no Brasil em função do grande número de coligações, a crise se torna proporcionalmente maior. Dessa forma, é possível perceber que, embora a representação política seja indispensável às sociedades modernas, a democracia representativa pura, sem canais de participação com a sociedade, encontra-se fragilizada e gera insatisfação da população.72 Nesse sentido, as concepções contra-hegemônicas incluem, no conceito de democracia, um importante elemento que permite solucionar ou reduzir os problemas trazidos pela democracia representativa: a participação política. A contra-hegemonia está, portanto, relacionada à existência de concepções democráticas alternativas que adotam a participação cidadã como uma forma de solucionar os problemas da democracia burguesa. Essa teoria possui um conjunto de sinônimos que a representam: democracia grega, democracia direta, democracia com conteúdo, democracia social, democracia participativa, democracia de massas e democracia não hegemônica ou contra-hegemônica. O modelo de Estado que sustenta essas teorias alternativas é diferente do liberalismo e passa a ser analisado. 71 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001,p. 35. 72 É importante esclarecer, que este trabalho ao falar em crise da representação política, não pretende defender o fim do instituto da representação. O que se pretende, e ficará mais claro no capítulo seguinte, é mostrar que, com maior participação da população nas decisões políticas importantes, é possível reduzir os problemas da representação e a insatisfação popular referente à democracia representativa, na medida em que os governantes não terão plena liberdade na tomada de decisões. 44 2.2.1 Modelo de Estado Como será observado no próximo item, para muitos autores, a democracia direta está relacionada ao socialismo.73 Contudo, o objetivo deste capítulo não é identificar os diferentes tipos de socialismo (da mesma forma como não identificou os diversos liberalismos), mas apenas apresentar o modelo de Estado que sustenta cada teoria democrática. Por esta razão, a forma estatal que embasa a democracia não hegemônica será tratada como um modelo alternativo ao liberal, que possui como característica essencial, a ideia de que o Estado reflete uma divisão de classes e de que o capitalismo atua como uma forma de dominação do aparelho do Estado. Friedrich Engels74 define o Estado como sendo: […] um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. O Estado é, portanto, uma forma de poder que surge para controlar as diferenças de classes de uma sociedade. Essa instituição possui duas características principais: a organização dos súditos em um determinado território, o que é comum a todos os Estados e; a existência de uma força pública que deixa de ser o próprio povo armado. A necessidade dessa força está, exatamente, no fator que cria o próprio Estado: a divisão da sociedade em classes.75 Nesse sentido, o Estado criado pela lógica do capital, representa as diferenças de classes, ou seja, “sob o capitalismo temos um Estado no sentido 73 Ao relacionar a democracia ao socialismo, este trabalho pretende apenas, expressar a visão contra-hegemônica, no sentido de uma democracia direta pura. Isso por que, este capítulo tem como objetivo apresentar os dois modelos mais recorrentes de democracia em suas versões mais extremas para, depois, mostrar um modelo de democracia semidireta, onde existe um misto de representação e participação, o que será visto no próximo capítulo. 74 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 191. 75 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 192-193. 45 estrito da palavra, uma máquina especial para a repressão de uma classe por outra e, mais ainda, da maioria pela minoria”76. O Estado perpetua, portanto, “o direito de a classe possuidora explorar a nãopossuidora e o domínio da primeira sobre a segunda”77. Ele é, na verdade, o Estado da classe dominante, que detém os meios para reprimir e explorar os oprimidos. Marx e Engels78 entendendo que o poder público, derivado da figura do Estado, é o poder de uma classe para oprimir outra, explicam que “o poder político moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa”. Deste modo, a burguesia, após muitas revoluções, passou a ser a classe dominante e o proletariado a classe dominada. Assim, a classe burguesa utiliza-se do Estado para dominar e reprimir os trabalhadores. O capitalismo, que pressupõe o trabalho assalariado, é condição essencial para a manutenção do poder da burguesia.79 Para se manter no poder, o capitalismo burguês adota uma forma segura de atingir seus propósitos: a forma democrática. A onipotência da “riqueza” também é mais segura nas repúblicas democráticas porque não depende de uns ou outros defeitos do mecanismo político nem da má forma política do capitalismo. A república democrática é a melhor forma política de que pode revestir-se o capitalismo; e, portanto, o capital, ao dominar esta forma, que é a melhor de todas, alicerça seu poder de um modo tão seguro, tão firme, que não o perturba nenhum troca de pessoa, nem de instituições, nem de partidos dentro da república 80 democrática burguesa. Nesse sentido, o Estado representativo moderno é o instrumento do capitalismo para exploração da classe dominada, ou seja, a democracia burguesa é uma democracia para as minorias.81 76 LÊNIN, Vladimir Ilich. O Estado e a revolução: doutrina marxista do Estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 131. 77 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 120. 78 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 47. 79 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 45-57. 80 LÊNIN, Vladimir Ilich. O Estado e a revolução: doutrina marxista do Estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 61. 81 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 194. 46 Um modelo alternativo ao liberal requer, dessa forma, a superação do Estado como um mecanismo de divisão de classes. Nesse sentido, Engels82 afirma que o Estado não é uma instituição eterna e, considerando que o Estado é uma forma de dominação capitalista, em um modelo alternativo ao liberal ele deverá ser extinto. Marx e Engels83 afirmam que o declínio da burguesia e a vitória do proletariado são inevitáveis: Toda a sociedade até aqui existente repousou, como vimos, no antagonismo entre classes de opressores e classes de oprimidos. Mas para que uma classe possa ser oprimida, é preciso que lhe sejam asseguradas condições nas quais possa ao menos dar continuidade à sua existência servil. O servo, durante a servidão, conseguiu tornar-se membro da comuna, assim como o burguês embrionário, sob o do absolutismo feudal, conseguiu tornar-se burguês. O operário moderno, ao contrário, ao invés de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais, caindo inclusive abaixo das condições de existência de sua própria classe. O operário torna-se um pobre e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Fica assim evidente que a burguesia é incapaz de continuar por muito mais tempo sendo a classe dominante da sociedade e de impor à sociedade, como lei reguladora, as condições de existência de sua própria classe. É incapaz de dominar porque é incapaz de assegurar a existência de seu escravo em sua escravidão, porque é obrigada a deixá-lo cair numa situação em que deve alimentá-lo ao invés de ser por ele alimentada. A sociedade não pode mais existir sob sua dominação, quer dizer, a existência da burguesia não é mais compatível com a sociedade. Para Lênin84, a elevação dos proletários à classe dominante só seria possível através de uma revolução violenta do proletariado, em que a atual classe exploradora seria reprimida. Considerando que o Estado sempre vai representar uma superestrutura que possibilita a ditadura de uma determinada classe, o Estado onde o proletariado for a classe dominante, não deixará de ser uma ditadura, mas ele possui um elemento primordial: ele seria um Estado de transição para uma sociedade sem Estado.85 Um modelo de Estado alternativo ao liberal supõe, portanto, a superação do capitalismo, para que, posteriormente, o próprio Estado possa ser extinto, 82 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 195. 83 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 56-57. 84 LÊNIN, Vladimir Ilich. O Estado e a revolução: doutrina marxista do Estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 63-68/ 127-132. 85 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 133-141. 47 terminando com a divisão de classes de uma sociedade. Uma democracia social86 é o principal caminho para a construção desse novo modelo e para a própria exaltação da democracia verdadeiramente substantiva. 2.2.2 O Modelo Alternativo no Campo da Democracia Como a democracia participativa é o elemento central para a construção de uma ordem social diferente do liberalismo, se torna importante analisar suas características principais: a relação entre democracia e substância; a relação entre democracia, capitalismo e liberalismo e; a relação entre democracia e socialismo. A primeira característica indica que as teorias não hegemônicas de democracia tentam superar o procedimentalismo e criar condições para o desenvolvimento de uma democracia substantiva. A ênfase deixa de ser a relação entre democracia e forma, e passa a ser a relação entre democracia e substância, que significa uma ordem pautada por valores de justiça social e de bem-estar coletivo.87 Nesse sentido, sem justiça social não há condições suficientes para a existência da democracia: […] é muito improvável e mais que problemática sobrevivência da democracia em uma sociedade castigada pela injustiça, com seus desestabilizadores extremos de pobreza e riqueza e com sua extraordinária 88 vulnerabilidade à pregação dos demagogos. A exigência de valores de justiça social remete a segunda característica da concepção contra-hegemônica: a relação entre democracia, capitalismo e liberalismo. Isso por que, uma democracia direta com critérios de justiça social bem definidos é incompatível com o capitalismo e o liberalismo. Conforme citado no tópico anterior, as concepções democráticas contra-hegemônicas supõem um 86 A democracia social ou participativa em seu sentido mais puro está relacionada ao socialismo. Contudo, isso não significa que ela não possa existir em um modelo não socialista. Como veremos adiante, é possível que a democracia participativa exista e se desenvolva em uma lógica diferente do socialismo, contudo, o que se pretende aqui, é resgatar a essência da concepção contra-hegemônica que apresenta o socialismo como a única forma de concretização plena da democracia direta. 87 BORON, Atílio. A coruja de minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 277. 88 BORON, Atílio. A coruja de minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 265. 48 modelo de Estado diferente do liberalismo, importa agora, esclarecer por que democracia, capitalismo e liberalismo são incompatíveis. João Quartim de Moraes89 explica que há uma contradição insuperável entre a democracia, como expressão da soberania popular, e o liberalismo, pois enquanto o primeiro pressupõe a existência de direitos coletivos, o segundo exalta os direitos individuais. Para comprovar tal fato, o autor demonstra as semelhanças entre a ideologia liberal e o fascismo, argumentando que ambos defendem os mesmos interesses de classes.90 No mesmo sentido, Augusto Cesar Buonicore91 afirma que tanto o fascismo, quanto o liberalismo são expressões ideológicas da burguesia. Dessa forma, é possível perceber que a doutrina liberal possui maior semelhança com regimes autoritários e não democráticos. É importante ressaltar, portanto, que a ideologia da burguesia é o liberalismo e não a democracia. Durante os séculos XIX e XX, o liberalismo era contra o sufrágio universal e, portanto, contra a democracia, mesmo em sua versão representativa. Apenas quando percebeu que ela poderia ser funcional ao capitalismo, é que a burguesia passou a aceitá-la. Nesse sentido, a burguesia adotou a forma democrática, com o objetivo de neutralizar a possibilidade de revolução das massas trabalhadoras e submetê-las à ordem do capital.92 Além da incompatibilidade entre a democracia e o liberalismo, existe também uma grande diferença entre a representação e a democracia, como já foi visto acima. Assim, embora a representação e a democracia, atualmente, sejam apresentadas como compatíveis, é importante lembrar que a representação “não 89 MORAES, João Quartim de. Contra a canonização da democracia. Crítica Marxista, São Paulo, n. 12, p. 9-40, 2001, p. 20. 90 MORAES, João Quartim de. Liberalismo e fascismo, convergências. Crítica Marxista, São Paulo, n. 8, p. 11-42, 1999, p. 11-13. 91 BUONICORE, Augusto Cesar. Liberalismo, colonialismo e fascismo. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2013. 92 BUONICORE, Augusto Cesar. Qual o valor da democracia? Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2013; BUONICORE, Augusto Cesar. Liberalismo, colonialismo e fascismo. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2013; BUONICORE, Augusto Cesar. Liberalismo, democracia e mitos políticos. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2013. 49 constitui uma forma 'indireta' ou 'imperfeita' do autogoverno do povo, mas um regime fundado em bases diferentes”93. Nesse sentido, Gabriel Vitullo94 entende que a representação conseguiu se impor como um modelo em nome da democracia e não com a democracia. Isso significa que o modelo hegemônico tem muito pouco ou nada de democrático, ele apenas se utilizou da democracia e ainda o faz, para se consolidar e mantê-la controlada, na medida em que a representação: “opera como um meio de esquivar – e não de implantar – a democracia, de expropriar o poder político dos setores populares, de manter estes longe dos centros em que são tomadas as grandes decisões que haverão de afetar suas vidas”95. Assim, a representação torna a democracia compatível com o sistema capitalista. Como já referido, o capitalismo é um sistema baseado no mercado, voltado para a geração de riquezas. Por esta razão, Wood96 entende que o sistema capitalista não está preocupado em suprir as necessidades humanas, já que a produção será determinada pelo lucro. Essa característica do mercado indica que a produção de desigualdades sociais é um elemento natural do sistema capitalista.97 Considerando essa essência do capitalismo, a autora denomina-o como antidemocrático: […] o capitalismo é antidemocrático porque qualquer atividade ou serviço mercantilizado, qualquer aspecto da vida que deve obedecer aos ditames do mercado, os imperativos da competição, da maximização do lucro e da acumulação de capital, permanece fora do alcance da responsabilidade democrática. A mercantilização sujeita a vida social às abstratas exigências do mercado, determinando a alocação do trabalho, lazer, recursos, padrões de produção, consumo e utilização do tempo. Na forma corrente de capitalismo globalizado e desregulado, há, naturalmente, uma maior gama de atividades que são diretamente sujeitas ao mercado. Mas, embora seja possível estreitar a margem até certo ponto, o objetivo central do capitalismo é a mercantilização e isto faz com que qualquer forma de capitalismo seja fundamentalmente antidemocrática. A mercantilização capitalista significa 93 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 49. 94 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 49-53. 95 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 51. 96 WOOD, Ellen Meiksins. O que é (anti) capitalismo? Crítica Marxista, São Paulo, n. 17, p. 37-50, 2003, p. 40. 97 TONET, Ivo. Sobre o socialismo. Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2013. 50 exatamente aquilo a que os manifestantes anticapitalistas se opõem: colocar 98 o lucro adiante das pessoas. Para Wood99 qualquer tipo de capitalismo é antidemocrático e, ainda que ele permita a existência da democracia, ela é formal, vazia de conteúdo social e convive com as desigualdades geradas pelo mercado. Nesse ponto, Vitullo100, concordando com Wood, afirma que a democracia hegemônica, atualmente, convive com altos níveis de desigualdades: […] nos últimos dois séculos tem se dado a construção de um regime que, em nome da democracia, busca na verdade garantir a coexistência de certos níveis muito reduzidos de igualdade política junto a crescentes desigualdades no plano econômico e social e se afasta assim, completamente, da noção clássica de democracia, da democracia entendida como sinônimo de auto-organização e autogoverno popular. Essa convivência normal entre a democracia e desigualdades sociais ocorre, portanto, em função do capitalismo, que permitiu que a democracia fosse reduzida ao liberalismo. Dessa forma, para Wood101, houve a “domesticação liberal da democracia”. Atílio Boron102 também entende que a democracia, em um contexto capitalista e neoliberal, só existe formalmente e é vazia de conteúdo, já que uma ordem democrática efetiva, não pode conviver com situações de extrema desigualdade. Wood e Boron tornam evidente uma característica importante do capitalismo e do neoliberalismo, que agrava ainda mais a situação democrática: a existência de grandes empresas transnacionais que tomam as principais decisões econômicas, sem responder ao eleitorado e sem interferência estatal. É nesse sentido, que o neoliberalismo defende um Estado mínimo, onde não deve haver interferência estatal nas questões econômicas. As decisões passam a ser tomadas, portanto, por 98 WOOD, Ellen Meiksins. O que é (anti) capitalismo? Crítica Marxista, São Paulo, n. 17, p. 37-50, 2003, p. 45-46. 99 WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 180-193. 100 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 51. 101 WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 200-201. 102 BORON, Atílio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, Emir; GENTILE, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 71. 51 empresas transnacionais que não estão preocupadas com as condições sociais de uma população e sim com a geração de riquezas.103 Nesse ponto, vislumbra-se a elite do poder, ou seja, uma minoria, que não se resume aos representantes eleitos, que decidem as questões mais relevantes. Amaral104 afirma que, a democracia representativa possibilitou o surgimento de novos atores que são, no plano internacional, as empresas multinacionais e instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial e, no plano nacional, são os meios de comunicação de massa, grandes corporações, a alta burocracia e o sistema financeiro. Para o autor, os meios de comunicação se transformaram em novos atores na política nacional, pois eles abandonaram a função de intermediadores e passaram a ser atuantes, na medida em que não reportam e sim interferem nos fatos: É esse o novo papel dos meios de comunicação de massa, politizados e partidarizados, construtores do discurso único, do discurso unilateral, do discurso monocórdio do sistema. Esses meios de há muito abandonaram o clássico papel de intermediação social. São hoje atores. Não reportam: interferem no fato e passam a ser o fato; não narram, invadem o andamento do evento em narração; não informam, constroem a opinião, não noticiam, valoram. O fato, a realidade, o acontecimento, o evento, não é o fato acontecido, a ocorrência em si, mas o fato que logrou ser narrado e, principalmente, como foi narrado. Mais do que nunca, a realidade não é o fato objetivo, mas a versão que lhe emprestam os meios de comunicação de massa. Ou seja, e finalmente: real não é o fato, mas a notícia do fato; 105 real não é o que ocorre, mas o que é noticiado. Ao que parece, o autor trata os meios de comunicação como integrante da elite no poder, mas em sua fala fica claro que a mídia atual é controlada pelos partidos políticos e agem em seu nome. Nesse sentido, nada mais é do que um instrumento a favor das elites, que efetivamente atuam na nossa sociedade, influenciando na formação de opiniões, conforme o que Mills afirmou ao realizar sua análise sobre a elite do poder, abordada anteriormente. 103 WOOD, Ellen Meiksins. O que é (anti) capitalismo? Crítica Marxista, São Paulo, n. 17, p. 37-50, 2003, p. 45; BORON, Atilio. A coruja de minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Vozes, 173-174. 104 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 20-21. 105 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21. 52 No que se refere ao preceito do Estado mínimo, é importante notar que: o neoliberalismo pretendeu fundar uma ordem econômica, baseada em um Estado fraco do ponto de vista social, mas forte e eficaz para atender o capitalismo. Nesse sentido, quando há referência ao Estado mínimo, está se expressando a oposição do neoliberalismo em relação à democracia e ao fato de que o Estado não deve interferir nas decisões tomadas pelo mercado, mas, em contrapartida, a ideologia neoliberal requer um Estado burocraticamente eficaz para servir ao capital. A ideologia liberal é, portanto, contra a democracia e não contra o Estado.106 Assim, a democracia social é inconcebível em um contexto capitalista e liberal, pois a democracia, para não ser vazia, deve buscar valores de justiça social, e a concretização plena desses valores, requer a superação da ordem capitalista e a efetiva participação cidadã. Nesse aspecto, torna-se evidente outra característica da democracia participativa: a relação entre socialismo e democracia. Ivo Tonet107, embora acredite que a democracia deve deixar de existir quando o socialismo se concretizar, entende que ela é o caminho para o socialismo, ou seja, apenas em um ambiente democrático, no sentido de uma democracia direta, é que o socialismo pode se desenvolver. Boron108, por sua vez, afirma que uma democracia participativa não deve abandonar o projeto socialista. Para o autor, as democracias existentes são capitalismos democráticos que esvaziam a democracia de qualquer sentido. Por esta razão, uma verdadeira democracia é inconcebível à luz do capitalismo, ou seja, “não há democracia sem socialismo”109. 106 BORON, Atílio. Estado, capitalismo y democracia em America Latina. Coleccion Secretaria Ejecutiva. Clacso. Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Argentina, ago. 2003. Disponible en: . Acesso en: 12 jan. 2013, p. 149150. 107 TONET, Ivo. Democracia ou liberdade. Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2013, p. 42-78. 108 BORON, Atílio. A coruja de minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 277. 109 BORON, Atílio. A coruja de minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 280. 53 Da mesma forma, para Carlos Nelson Coutinho110, somente a partir da democracia será possível se fundar uma ordem socialista: [...] para os que lutam pelo socialismo em nome dos interesses histórico universais dos trabalhadores, na convicção de que somente o socialismo é capaz de promover a libertação de toda a humanidade, a democracia política não é um simples princípio tático; é um valor estratégico permanente, na medida em que é condição tanto para a conquista quanto para a consolidação e aprofundamento dessa nova sociedade. Assim, do mesmo modo que a democracia é o único meio para se alcançar o socialismo, este é, por sua vez, o instrumento para atingir uma democracia plena.111 Coutinho entende ainda, que a democracia possui um valor universal, ou seja, os valores da democracia liberal não serão completamente abandonados na ordem socialista. Isso significa que, “a relação da democracia socialista com a democracia liberal é uma relação de superação (Aufhebung): a primeira elimina, conserva e eleva a nível superior as conquistas da segunda”112. A “socialização objetiva da participação política” seria a marca da passagem da democracia liberal para a democracia de massas ou social. Essa socialização indica o surgimento de sujeitos políticos coletivos, ou seja, requer a participação ativa dos indivíduos nas decisões políticas. Surgiria, assim, uma vontade coletiva hegemônica (classe dos trabalhadores) que, diferente da classe burguesa, governaria de baixo para cima. Para Coutinho113, essa socialização da participação política será possível através da articulação entre democracia participativa e representativa. Moraes114, embora entenda que a democracia e o socialismo são indissociáveis, crítica Coutinho, afirmando que a democracia não é um valor universal. 110 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal: notas sobre a questão democrática no Brasil. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1980, p. 24-25. 111 COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2000, p. 129. 112 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal: notas sobre a questão democrática no Brasil. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1980, p. 31. 113 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal: notas sobre a questão democrática no Brasil. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1980, p. 27-31; COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2000, p. 2533. 114 MORAES, João Quartim de. Contra a canonização da democracia. Crítica Marxista, São Paulo, n. 12, p. 9-40, 2001, p. 10-12. 54 Para o autor, a expansão de uma crença é diferente de um valor universal, ou seja, o predomínio da concepção democrática liberal indica que os países estão caminhando rumo à democracia. Isso significa que a democracia burguesa tornou-se um consenso majoritário, mas ainda assim, não pode ser tratada como um valor universal, na medida em que a democracia formal e a democracia direta não possuem o mesmo sentido.115 Segundo o autor, em uma ordem burguesa, onde não existe liberdade, igualdade e fraternidade entre os povos, a democracia não pode ser vista como universal.116 Embora alguns autores possam divergir quanto ao seu valor universal, a doutrina contra-hegemônica demonstra que a democracia é inconcebível em um ambiente capitalista e liberal e requer, portanto, uma ordem socialista. Isso ocorre, pois o liberalismo e o capitalismo, como já observado, não permitem o desenvolvimento democrático pleno, na medida em que limitam a participação cidadã à seleção de representantes. Importa referir ainda, que a análise das concepções hegemônica e contrahegemônica de democracia, aponta uma característica essencial, que justifica a utilização desses termos: o primeiro modelo é utilizado por muitos autores, principalmente clássicos, que influenciam as demais obras e dão a sensação de que este é o conceito democrático por excelência, já o segundo, é secularizado, esquecido e pouco debatido. Para Carole Pateman117, foi Schumpeter quem disseminou a ideia de impossibilidade da participação, ao ressaltar que a teoria clássica de democracia precisava ser revisada. O próprio autor ofereceu tal revisão, retirando do conceito democrático, o elemento participativo e, tornando a competição pela liderança a característica fundamental da democracia, ou seja, o elemento democrático está na competição por votos e não na participação direta, conforme já citado. 115 MORAES, João Quartim de. Contra a canonização da democracia. Crítica Marxista, São Paulo, n. 12, p. 9-40, 2001, p. 15-16. 116 MORAES, João Quartim de. Contra a canonização da democracia. Crítica Marxista, São Paulo, n. 12, p. 9-40, 2001, p. 39. 117 PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 12-14. 55 Pateman, a partir da análise de quatro autores (Berlson, Dahl, Sartori e Eckstein), demonstra que, embora possam haver alguns pontos de divergência nessas teorias, todas possuem um fator comum, ou seja, todas tratam a democracia como um método para seleção de representantes e entendem que a participação política é um risco para a própria democracia. Para a autora, essas concepções são refletidas pela noção democrática de Schumpeter: É indubitável a importância da teoria de Schumpeter para as teorias democráticas posteriores. Sua noção de “teoria clássica”, a caracterização que ele faz do “método democrático” e o papel da participação nesse método tornaram-se quase universalmente aceitos em textos recentes 118 sobre a teoria democrática. Além da forte influência de Schumpeter, Vitullo119 estabelece outros critérios que mantém as teorias contra-hegemônicas esquecidas e secularizadas e a representação como o modelo hegemônico. O autor realiza uma crítica às obras que se encarregam de abordar a questão da transição e consolidação da democracia, na medida em que essas análises normalmente enfatizam o viés elitista da democracia e afastam casos onde a participação política ocorre e é bem sucedida, bem como deixam de verificar outros fatores, além do critério da seleção de votos. Para o autor, o foco exclusivamente elitista dessas análises, não permite avançar no conceito democrático, especialmente na América Latina, motivo pelo qual, as investigações sobre democracias deveriam considerar outras dimensões, como as questões sociais e econômicas do país objeto de análise, bem como deveriam incluir a questão do papel do povo: A teoria democrática aqui esboçada deve, portanto, dar espaço a outros discursos sobre a política, a outros sentidos e significados, a outras formas de entende-la e de vive-la, a outras práticas e experiências sociais que vão além das instituições partidárias e eleitorais. Isso abrirá novos horizontes para melhor compreender os problemas que afligem as democracias do continente e para observar a dinâmica de geração de novas áreas e modalidades contestatárias de intervenção e participação política. Um paradigma mais sensível a tais questões nos permitirá, por exemplo, tentar descobrir quem são os que ocupam os espaços deixados vagos pelas organizações políticas tradicionais, pelos partidos, pelos sindicatos, pelos órgãos legislativos, pelos mecanismos “normais” de concorrência eleitoral, 118 PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 14. 119 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 21-59. 56 de modo que consigamos romper com a unidimensionalidade reinante no 120 âmbito acadêmico e nas leituras convencionais dos fazeres políticos. Assim, o autor aponta uma nova forma de interpretar a questão democrática e também demonstra que essa nova forma não é utilizada, na medida em que os autores e a própria Ciência Política como disciplina, enfatizam apenas o caráter elitista da democracia. O autor argumenta, portanto, que essa versão democrática elitista está impregnada nos meios acadêmicos, principalmente na Ciência Política norte-americana, modelo que influência os demais países. Ele explica que, os norteamericanos isolam a teoria política de outras subáreas da Ciência Política, a fim de manter a legitimidade da ordem democrática representativa salva de questionamentos.121 Além disso, ele aponta outro fator que justifica a pouca força das correntes críticas, que está relacionado à fonte de financiamento das investigações: Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, quando a ciência política deu um verdadeiro salto qualitativo, os politólogos tornaram-se fortemente dependentes das fontes de recursos aportadas pelas grandes empresas privadas e pelos órgãos do governo norte-americano. Entre as primeiras destacou-se a Fundação Ford, que teve uma relação direta na promoção dos behavioristas e sua consolidação como escola dominante dentro da ciência política norte-americana e mundial. Isso ajuda também a explicar a 122 pouca força que têm as correntes críticas. É possível perceber que existem razões concretas para que a democracia representativa seja considerada hegemônica, ao passo em que a democracia direta é tida por contra-hegemônica. As principais destas razões são: a influência da obra de Schumpeter para autores que o sucederam; a organização acadêmica da Ciência Política, que isola a teoria política das demais áreas, a fim de mantê-la a salvo de questionamentos e; a fonte privada dos financiamentos das investigações que disseminam a representação como método democrático por excelência. 120 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 60. 121 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 60-62. 122 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 62. 57 Vitullo123 aponta mais uma característica muito presente nas obras de análise sobre transição e consolidação democráticas, que remetem ao elitismo democrático: trata-se da grande ênfase na questão da estabilidade do sistema democrático. Isso significa que, muitos autores hegemônicos, se utilizam do argumento de que é melhor uma democracia pobre e com problemas, do que um excesso de participação, que pode levar ao retorno de regimes autoritários. Esse argumento pode ser considerado, principalmente no caso da América Latina (onde a maior parte dos países sofreu períodos de longas ditaduras), como uma chantagem para manter a democracia representativa. E o ambiente acadêmico tem desempenhado o papel de legitimar e disseminar essa visão, no sentido de que o “excesso” de participação política representa um risco ao próprio sistema democrático. Contudo, embora essa seja a visão corrente, uma análise democrática completa, deve ir além da democracia como sinônimo de seleção de governantes, para contemplar outros elementos, como a participação popular nas decisões políticas, que será definida a seguir. 2.2.3 Participação Política A participação é definida por Lúcia Avelar como “a ação de indivíduos e grupos com o objetivo de influenciar o processo político”124. Já Hebert Kitschelt e Philipp Rhem entendem que a participação política é “uma atividade que ocorre apesar de todos os tipos de obstáculos e preferências voltada para uma ação espontânea e autossuficiente”125. Para esses autores, quando o modelo hegemônico de democracia é a representação política, a participação permite que se estabeleçam relações entre os 123 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 44-46. 124 AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp, 2004, p. 225. 125 KITSCHELT, Herbert; RHEM, Philipp. Political Participation. In: CARAMANI, D. (ed.). Comprative politics. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 332 (tradução nossa). 58 cidadãos e as elites políticas, pois através desta, o povo pode pressionar as elites, para que suas principais demandas sejam atendidas.126 Este trabalho utiliza uma questão fundamental apontada por Kitschelt e Rhem127, para discutir o tema da participação política: como ela ocorre.128 Para os autores, existem três dimensões principais que permitem identificar como a participação acontece.129 A primeira refere-se ao local onde ela se desenvolve. Pode se iniciar em espaços públicos (na comunidade, na rua, na mídia, etc.), a partir da comunicação com agentes públicos ou através do envolvimento no processo eleitoral. A segunda dimensão se relaciona com a intensidade com que essa participação acontece. Cada local onde ela ocorre envolve diferentes níveis de esforço pessoal. Para Kitschelt e Rhem o alto envolvimento dos cidadãos pressupõe compensação monetária, já que os custos da participação, em relação a tempo e dinheiro, são muito altos.130 Contudo, a participação não é motivada apenas por obtenção de benefícios pessoais, podendo envolver uma série de outros fatores. Lúcia Avelar propõe quatro modelos que podem contribuir para explicar essa questão do envolvimento dos cidadãos com a política.131 O modelo da centralidade pressupõe que a participação social varia de acordo com a posição central do individuo, ou seja, quanto mais recursos materiais e simbólicos (como prestígio e educação), mais estímulos o indivíduo tem para participar. Nesse sentido, os indivíduos com baixa posição social e poucos recursos seriam inibidos a participar. Contudo, na prática, muitos cidadãos com posição social baixa participam ativamente da política. 126 KITSCHELT, Herbert; RHEM, Philipp. Political Participation. In: CARAMANI, D. (ed.). Comprative politics. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 332. 127 Os autores citam outras questões acerca da democracia que se referem à: por que, quem, quando e onde a participação ocorre. Contudo, este trabalho aborda apenas o tema de como a participação política ocorre, para não torná-lo exaustivo e porque este é relevante para o assunto aqui tratado, na medida em que apresenta os mecanismos de participação cidadã que permitem que a participação ocorra pela via institucional. 128 KITSCHELT, Herbert; RHEM, Philipp. Political Participation. In: CARAMANI, D. (ed.). Comprative politics. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 331. 129 KITSCHELT, Herbert; RHEM, Philipp. Political Participation. In: CARAMANI, D. (ed.). Comprative politics. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 334. 130 KITSCHELT, Herbert; RHEM, Philipp. Political Participation. In: CARAMANI, D. (ed.). Comprative politics. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 332. 131 AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp, 2004, p. 229-232. 59 O modelo da consciência de classe, por sua vez, determina que quanto maior a consciência do cidadão em relação a sua situação, maior será sua participação. Para este modelo, a educação política seria uma possível alternativa para superar condições sociais mais baixas. Nesse sentido, quanto maior a participação, mais os cidadãos adquirem informações e se tornam, gradativamente, mais capazes de participar. Conforme o modelo da escolha racional, os indivíduos agem racionalmente participando, desde que os benefícios da participação sejam superiores aos benefícios da não participação. Para este modelo, a questão do custo-benefício determina a existência ou não de participação. Assim, os indivíduos agem motivados pelos benefícios que podem ser adquiridos com o seu envolvimento. Contudo, os benefícios não são obrigatoriamente financeiros. Por fim, o modelo da identidade pressupõe que os indivíduos participam buscando o reconhecimento da identidade pessoal ou coletiva. Para este modelo “a participação em ações coletivas é, em suma, uma procura por reconhecimento, própria dos indivíduos com déficit de reconhecimento”132. É possível perceber que as razões pela qual um indivíduo participa da política são muito variadas, não se resumindo à condição econômica. A terceira dimensão que determina como a participação ocorre, está relacionada ao grau de risco para a vida e liberdade dos participantes. O grau de risco da participação é medido, principalmente, pelo tipo de regime político adotado, ou seja, o risco de participação é menor em democracias do que em regimes autoritários, repressivos e despóticos. Kitschelt e Rhem consideram que quem se envolve em atividades de participação normalmente o fazem a partir de uma ação coletiva e com caráter mais ou menos permanente. Nesse sentido, essa ação pode se desenvolver em grupos como movimentos sociais, grupos de interesse e partidos políticos.133 132 AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp, 2004, p. 230. 133 KITSCHELT, Herbert; RHEM, Philipp. Political Participation. In: CARAMANI, D. (ed.). Comprative politics. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 333-334. 60 Lúcia Alvear distingue três grandes canais ou vias de participação onde esses grupos podem se desenvolver: eleitoral, corporativo e organizacional.134 O primeiro envolve qualquer participação com o processo eleitoral, conforme as regras constitucionais do país em que ocorre a eleição. Todas as atividades relacionadas ao processo eleitoral são incluídas neste aspecto, desde o voto até contribuições financeiras para os partidos. Contudo, a análise restrita a esse canal, não permite abordar outras formas de participação, que não envolvem a elite política.135 A via corporativa de participação corresponde à representação dos interesses privados no sistema político estatal. Normalmente, são ações de grupos e associações que não possuem interesse em modificar o sistema político. Assim, esse canal de participação é visto como positivo pela elite. Como nessa via, a participação ocorre por grupos que possuem comunicação com o governo, a participação é seletiva podendo contribuir para o aumento das desigualdades sociais. O canal organizacional, por sua vez, se refere à participação popular em vias não institucionais da política, como, por exemplo, a participação de movimentos sociais. Há ainda, outra maneira que permite que a participação ocorra: as vias institucionais da política. Neste sentido, a participação acontece a partir de mecanismos de participação que possuem previsão legal na Constituição de um país. Tais mecanismos se apresentam como uma possível resposta a representação pura e seus limites, o que será analisado no próximo capítulo. É possível perceber, pelo que foi exposto até aqui, que o conceito de participação política é muito amplo, pois muitas ações podem ser consideradas como participativas. Tal amplitude pode acabar causando confusões conceituais e aproximando governos e políticas totalmente diferentes. Isso quer dizer que, um governo com medidas de esquerda pode ser confundido com um governo com medidas conservadoras, caso o termo seja utilizado em sentido amplo. Tal confusão 134 AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp, 2004, p. 228. 135 AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp, 2004, p. 226. 61 ocorre, pois qualquer tipo de envolvimento dos cidadãos em atividades políticas, ainda que não sejam capazes de exercer efetivo impacto nas decisões tomadas pelos governantes, podem ser consideradas como uma forma de incluir a população nas questões políticas. Nesse sentido, o povo é utilizado como um ícone, ou seja, adota-se o argumento de que as decisões são tomadas em nome do povo e com o auxilio deste, mas tal afirmação não passa de retórica.136 Assim, mesmo que o povo exerça algum grau de participação, ele será considerado como um ícone, a não ser que tal participação represente verdadeiro poder dos cidadãos de influenciar nas decisões tomadas. Sobre isso, Décio Saes apresenta exemplos de participação que não são dotados de efetivo poder: É possível, numa sociedade capitalista, que os trabalhadores de uma empresa sejam consultados sobre a conveniência da substituição de um contra-mestre brutal; no entanto, tais trabalhadores pouco poderão dizer sobre os objetivos atuais da produção, sobre o destino final do produto (mercado interno ou externo) ou sobre decisões estratégicas (como a decisão de terceirizar não apenas os serviços mas também a produção). Analogicamente, é possível que, numa municipalidade de um Estado capitalista, a comunidade seja chamada a opinar sobre dimensões relativas dos diferentes gastos em políticas sociais; todavia, a sua intervenção ocorrerá dentro dos limites fixados pela linha geral de ação administrativa 137 do governo local. É possível perceber que existem muitas formas através das quais os cidadãos podem participar na política de seu Estado, contudo, a maior parte delas é meramente simbólica, pois a participação não produz efeitos na decisão final. Dessa forma, Carlos Ayres Britto138 explica que a participação política só ocorre efetivamente, quando os cidadãos exercerem o poder político, ou seja, quando eles, de fato, influenciarem na formação da vontade do Estado. 136 MULLER, Friedrich. Quem é o povo: a questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 65-73. 137 SAES, Décio Azevedo Marques de. Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção liberal de cidadania. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 42. 138 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular”. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 5-6. 62 Sherry Arnstein139 também entende que a efetiva participação só ocorre quando existe poder real para influenciar nos resultados, do contrário, ela não passará de um rito vazio, uma ilusão, que somente confere a sensação de inclusão daqueles que estão participando, mas que, na prática, não muda nada. Para a autora, portanto, “participação é a redistribuição de poder que permite aos cidadãos sem-nada, atualmente excluídos dos processos políticos e econômicos, a serem ativamente incluídos no futuro”140. Embora a autora se refira à participação de pessoas excluídas, como pobres e negros, por exemplo, tal definição pode ser utilizada para a participação de todos os cidadãos nas questões políticas. Assim, só será considerada participação, o que efetivamente vincular os representantes do povo, ou seja, quando estes considerarem o que foi expresso pelos cidadãos para tomar suas decisões. Nesse sentido, a participação pode acabar impedindo que os políticos adotem medidas contrárias aos seus representados. No próximo capítulo, serão analisados alguns casos em que a participação da população interferiu verdadeiramente nas decisões adotadas pelos representantes. Para demonstrar a diferença entre verdadeira participação e a participação vazia, Arnstein apresenta uma tipologia, que embora possa não incluir todas as formas participativas, permite demonstrar quando a participação é real ou ilusória. A tipologia é apresentada como uma escada, “onde cada degrau corresponde ao nível de poder do cidadão em decidir sobre os resultados”141. Os dois primeiros degraus correspondem a formas de não-participação: a manipulação, onde as pessoas participam de determinadas reuniões, mas não possuem poder real para decidir, já que a finalidade é apenas obter seu apoio para a decisão que será tomada e; a terapia, onde, sob o pretexto de permitir o 139 ARNSTEIN, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 1-3. 140 ARNSTEIN, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 1. 141 ARNSTEIN, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 2. 63 envolvimento dos cidadãos, especialistas os submetem à terapia grupal, sem poder algum de interferir nos resultados.142 O terceiro, quarto e quinto degraus representam níveis de concessão mínima do poder: a informação, que embora seja imprescindível para a efetiva participação popular, quando representa uma comunicação de mão única, sem possibilidade de troca de informações, limita a influência dos cidadãos sobre os resultados; a consulta à população que, se for utilizada sem outros mecanismos e sem a garantia de que a opinião do povo será ouvida, também ocorre em grau mínimo e produz pouco efeito e; a pacificação, que consiste em colocar alguns cidadãos em conselhos ou na direção de algum órgão importante, para garantir que a população esteja representada. Contudo, se tais cidadãos não forem legitimamente escolhidos pelos demais e não possuírem verdadeiro poder para interferir nas decisões, a participação permanece limitada.143 Por fim, o sexto, sétimo e oitavo degraus de participação, se relacionam a níveis mais efetivos de poder: a parceria, onde ocorre verdadeira redistribuição de poder, através do diálogo entre os cidadãos e os que tomam as decisões; a delegação de poder, quando os cidadãos assumem o controle de algum plano ou programa determinado e; o controle cidadão, que permite aos indivíduos, definir algumas ações e interferir de fato, nos resultados do processo.144 O importante da tipologia apresentada é observar que, só se considera participação, aqueles atos capazes de interferir nas decisões tomadas pelos representantes, ou seja, quando os cidadãos exerçam efetivo poder de decisão. Assim, a participação, para não ser vazia, requer um povo ativo, ou seja, um sujeito político real e, para isso, são necessárias instituições e mecanismos, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.145 Contudo, como veremos nos 142 ARNSTEIN, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 1-5. 143 ARNSTEIN, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 6-10. 144 ARNSTEIN, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2013, p. 10-15. 145 MULLER, Friedrich. Quem é o povo: a questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 72-73. 64 próximos capítulos, não basta a simples garantia desses mecanismos, devem existir condições reais para a sua utilização e o resultado do seu exercício deve vincular os representantes. Dessa forma, podemos classificar o plebiscito para privatização de empresas estatais, caso ele venha a ocorrer algum dia, como uma forma de verdadeira participação, pois a decisão do povo irá vincular os políticos, que não poderão desrespeitá-la, além de exigir um amplo debate entre representantes e a sociedade, o que poderia reconfigurar a lógica representativa e incentivar a maior inclusão da sociedade na tomada das decisões políticas. É nesse sentido que, este estudo entende a participação política, ou seja, somente aquilo que envolve o poder dos cidadãos para vincular os representantes na tomada de decisão. 2.3 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 2 Como pôde ser observado neste capítulo, o debate democrático aponta duas teorias distintas: a concepção hegemônica e a contra-hegemônica. A primeira adota a democracia como uma forma de eleger elites para governar. Dessa maneira, o povo se reduz a um selecionador de representantes, que não deve interferir nas escolhas deste último, tendo a sua atuação restringida aos períodos eleitorais. Tal concepção está amparada em um modelo de Estado liberal que defende o ideal do “Estado mínimo”, seja na esfera política, seja na esfera econômica. Isso significa que, para o liberalismo, o Estado deve se restringir ao papel de legislar e fiscalizar para que as liberdades (econômicas e individuais/políticas) estejam asseguradas. Além disso, para o liberalismo, a democracia representativa pode se desenvolver em um contexto capitalista de crescentes desigualdades, onde a lógica de mercado impera. Já a segunda concepção, trata da democracia como substância, ou seja, a democracia não é um simples procedimento que se resume às eleições e ao voto, ela prevê valores de justiça social e participação de todos os cidadãos nas decisões do governo. A principal característica deste tipo democrático é a incompatibilidade entre a democracia, o liberalismo e o capitalismo, ou seja, uma democracia social plena pressupõe um modelo de Estado diferente do liberalismo: o socialismo, que 65 não é compatível com desigualdades e injustiças sociais. Ao contrário do liberalismo, o socialismo prevê uma maior atuação estatal e um amplo controle do mercado. É possível perceber a existência de um dilema democrático: de um lado, a democracia liberal prevê o instituto da representação pura, restringindo a participação cidadã e, de outro lado, a democracia direta defende uma ampla participação limitando a representação política. Conforme foi visto ao longo deste capítulo, a democracia representativa é a visão democrática hegemônica e se apresenta como a única forma de democracia possível em uma sociedade complexa. A democracia participativa, por sua vez, indica uma contra-hegemonia, ou seja, uma alternativa que é pouco discutida e debatida. Nesse sentido, o critério utilizado para definir se o modelo democrático é hegemônico ou contra-hegemônico é a forma de Estado defendida. Assim, aqueles autores que defendem o liberalismo político são considerados hegemônicos, ao passo em que, os autores que sustentam o socialismo são tidos como contrahegemônicos. Isso por que, o liberalismo é a forma de Estado que sustenta a democracia representativa em seu sentido mais puro, enquanto o socialismo é o modelo estatal que permitiria o desenvolvimento pleno da democracia direta. Essa divisão entre hegemonia e contra-hegemonia se torna clara pela bibliografia utilizada ao longo deste capítulo. A bibliografia hegemônica é, em sua maioria, clássica, ou seja, compreende autores conhecidos e disseminados pelo mundo acadêmico (Locke, Friedman, Schumpeter, Bobbio...). A bibliografia contrahegemônica, em contrapartida, abrange autores secularizados e regionalizados (Moraes, Coutinho, Buonicore, Tonet...). Tal fato confere a sensação de que o conceito de democracia é dado pelos autores clássicos, o que reforça a hegemonia da representação. Além da influência dos autores clássicos para a democracia representativa, em especial Schumpeter, que inaugurou a ideia de eleições como um método democrático, a Ciência Política como disciplina, acaba por disseminar essa visão hegemônica e afastar os casos onde a participação política ocorre de forma bem sucedida e estruturada. 66 Assim, não há espaço nos meios acadêmicos, para um verdadeiro debate acerca da democracia. O que ocorre é a reprodução do modelo representativo. O fato das pesquisas sobre a democracia, geralmente serem financiadas por entidades privadas, também pode justificar a tentativa de secularizar os debates democráticos que acrescentem elementos como a condição social e econômica do país analisado, ou o peso da participação popular para o processo democrático. Geralmente, os autores elitistas argumentam que a democracia representativa deve ser mantida, ainda que apresente problemas, especialmente no caso da América Latina, pois do contrário, haveria sérios riscos do retorno a regimes autoritários. Nesse sentido, a democracia participativa não é apenas secularizada, a participação ativa dos cidadãos nas questões políticas é, na verdade, vista com um risco a estabilidade do próprio sistema democrático. Essa ideia é defendida e disseminada nos meios acadêmicos, motivo pelo qual, não há incentivo para discussão de maior participação política. Dessa forma, justifica-se a força e manutenção da democracia representativa, mesmo em um contexto de crescente insatisfação e inviabilidade da representação política pura. Contudo, ainda que seja a visão hegemônica, atualmente existe uma crise na representação política, baseada, principalmente, nesta insatisfação geral com a democracia e no sentimento generalizado de que os representantes não estão agindo conforme os anseios dos cidadãos. A crise da representação é, portanto, uma crise de legitimidade, na medida em que a democracia representativa vem servindo mais a interesses privados, do que ao interesse comum dos cidadãos. Neste contexto de crise da democracia representativa, surgem os mecanismos de democracia semidireta, que foram inseridos no texto Constitucional para permitir que os cidadãos possam participar diretamente na decisão de determinados assuntos. A análise desse modelo democrático e, consequentemente, dos mecanismos de participação, será realizada no próximo capítulo. Contudo, antes de proceder tal análise, é necessário mencionar que, para este trabalho, o que define participação política é o seu caráter vinculante na tomada de decisão, ou seja, só existirá participação quando a decisão da população for dotada de poder para influenciar os representantes. Tal critério é adotado, em 67 função da amplitude do termo “participação política”, que acaba aproximando governos com programas e modelos completamente diferentes. Por fim, importa ressaltar que, ao apresentar a visão hegemônica e contrahegemônica de democracia em suas formas mais extremas, este estudo pretende apenas, criar as condições para, posteriormente, explicar a utilização ou não dos mecanismos de participação cidadã e, em especial, do plebiscito criado pelas ECs aqui analisadas. 68 3 MECANISMOS DE DEMOCRACIA SEMIDIRETA NO BRASIL: INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ? Nesta parte do estudo, é realizada uma análise sobre a democracia semidireta e os seus meios de atuação: os mecanismos de participação cidadã, mais especificamente, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, que são adotados constitucionalmente no Brasil. Para tanto, este capítulo está dividido em três partes. De início, são abordados os mecanismos de democracia expressos na CRFB/88 e seus conceitos. Após a revisão conceitual dos mecanismos, será observado como eles estão regulamentados no Brasil, tanto de forma constitucional, como infraconstitucional146. Por fim, realiza-se um estudo sobre a utilização do plebiscito e do referendo em diferentes contextos, a fim de demonstrar como estes mecanismos podem funcionar na prática. Antes de iniciar esta análise, importa referir que, uma descrição correta dos mecanismos de democracia semidireta, deve considerar dois elementos importantes: identificar como essas figuras estão inseridas na Ciência Política e verificar como o direito define tais instrumentos. Uma discussão jurídica é necessária, na medida em que plebiscito, referendo e iniciativa popular, são garantias constitucionais, não havendo como debatê-los sem considerar seu aspecto jurídico e sua regulamentação legal. Por esta razão, neste momento, faz-se necessária a utilização de uma bibliografia híbrida. 3.1 INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA SEMIDIRETA No capítulo anterior, foram apresentadas as teorias hegemônica e contrahegemônica de democracia. Conforme já observado, a democracia participativa se 146 Infraconstitucional é um termo jurídico utilizado para fazer referência a uma lei, norma ou regra que não possua caráter constitucional, ou seja, que esteja abaixo da Constituição Federal e a ela subordinado. (SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 457.). 69 mostra inexequível em um modelo de sociedade complexa. Da mesma forma, a democracia representativa pura, apresenta limites de difícil solução. Assim, tanto a democracia participativa quanto a representativa, se consideradas separadamente, encontram problemas de aplicação. Contudo, se utilizadas em conjunto, podem criar uma forma democrática (semidireta), que poderia eliminar ou reduzir tais problemas e permitir a prática do princípio que move qualquer noção democrática: o princípio da soberania popular. A democracia semidireta é, portanto, uma forma que combina os institutos de participação e representação.147 Para Paulo Bonavides148 este modelo permite que a alienação política da vontade popular ocorra apenas parcialmente, na medida em que: “a soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual essa soberania se comunica ou exerce, pertence por igual ao elemento popular nas matérias mais importantes da vida pública”. Neste sentido, este tipo democrático permite ao povo intervir de forma efetiva nas decisões mais importantes a serem tomadas, sem, contudo, abandonar as instituições representativas. Luís Roberto Barroso149 explica que, a democracia semidireta é um sistema híbrido, ou seja, é um misto de representação e participação, onde se permite que “as primeiras manifestações da democracia participativa”150 sejam combinadas com o modelo de representação política moderno. Este modelo democrático pretende, portanto, complementar e aperfeiçoar o sistema representativo e não implica em abolir por completo, as formas de representação política.151 Aos sinais de desgaste da democracia indireta pura, surge como uma alternativa a implementação de mecanismos de participação popular de forma complementar à representação. Não se propõe uma substituição 147 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. rev. e atual. até a EC n. 62/09. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 141; SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 78; LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2007, p. 45; GARCIA, Alexandre Navarro. Democracia semidireta: referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação participativa. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 166, p. 9-22, abr./jul. 2005, p. 10. 148 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 275. 149 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 135. 150 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. atual. Até a EC n. 57/08. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 222. 151 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 51. 70 radical do sistema representativo tradicional pela democracia direta, mas sim uma complementação desse sistema, haja vista que ainda é um modelo 152 político indispensável para a sustentação da governabilidade. Neste sentido, Benevides153 também afirma que este tipo democrático é utilizado devido à necessidade de aperfeiçoamento da representação, ou seja, a democracia semidireta pretende complementar o sistema representativo e não extingui-lo. Ela pode ser considerada, portanto, como uma solução para o dilema entre a participação e a representação, visto no capítulo anterior154, na medida em que permite a incorporação do espírito da democracia direta, ou de parte dele, dentro de um regime representativo.155 Para tanto, essa forma democrática se expressa através de mecanismos de democracia semidireta ou mecanismos de participação cidadã, que permitem maior atuação da sociedade nos assuntos políticos de seu Estado e pode ser utilizada para corrigir os problemas da representação tradicional.156 Os mecanismos mais conhecidos e utilizados são: plebiscito, referendo, iniciativa popular, veto popular e a revogatória de mandato ou recall. Os três primeiros serão conceituados e analisados a seguir, pois foram adotados na CRFB/88. Por isso, importa definir, rapidamente, o veto popular e o recall. O recall é um mecanismo muito utilizado pelos norte-americanos, havendo poucos exemplos nos países da América Latina, onde a Venezuela é uma das exceções. A sua forma mais comum é aquela que permite aos eleitores revogar o mandato de um determinado representante. Isso ocorre quando os cidadãos, insatisfeitos com a atuação de seus representantes, propõe uma consulta popular requerida “por um certo número de eleitores, para que seja decidido se o candidato eleito deve permanecer ou ser destituído de seu cargo, com o direito de o 152 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 153 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 32. 154 Vide capítulo 2, p. 36, sobre o dilema entre participação e representação políticas. 155 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 37. 156 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 45 e 56. 71 impugnado apresentar ampla defesa em favor da manutenção de seu mandato político”157. O veto popular, por sua vez, confere aos indivíduos o direito de decidir sobre a vigência de uma lei já aprovada, mas que ainda não entrou em vigor. As principais etapas deste mecanismo são: (a) o órgão legislativo vota uma lei que não entra imediatamente em vigor; (b) o povo, durante um certo período de tempo, pode solicitar que a lei seja a ele submetida; (c) se a votação for majoritária, e a favor do veto, a lei, 158 posta em dúvida, não subsiste. Esses dois instrumentos não foram previstos pela CRFB/88, motivo pelo qual, não serão mais detalhados. 3.1.1 Plebiscito Geralmente, o plebiscito é identificado como uma forma de exercício da soberania popular, onde os cidadãos são consultados, antes da elaboração legislativa, sobre um determinado assunto que afete o interesse coletivo. Ele pode ser utilizado para consultar a população acerca de qualquer questão política ou institucional, tenha ou não, caráter normativo.159 O plebiscitum, em latim, significa o decreto da plebe (plebis = plebe e scitum = decreto). Sua origem é da Roma antiga, onde havia muitas diferenças sociais entre os plebeus e os patrícios, na medida em que os primeiros eram a grande maioria da população, mas eram subjugados e excluídos, não possuindo direitos políticos e civis, diferente dos patrícios que detinham tais privilégios por representar a aristocracia romana.160 157 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 158 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 117. 159 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 160 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013; BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 34. 161 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 162 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 104. 163 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 164 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 105-106. 165 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 107-108. 166 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 105. 73 votam sobre determinada matéria a fim de aprová-la ou denegá-la e, caso aprovada, cabe aos representantes, o exercício da função legislativa. O plebiscito possui duas formas de atuação: a ampla e a orgânica ou geopolítica. A primeira é utilizada para consultar a população sobre um determinado assunto, enquanto a segunda, é um tipo específico, apenas para casos de fusão, criação, incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados ou Municípios.167 3.1.2 Referendo O referendo é, normalmente, considerado como um mecanismo de consulta popular que permite que os cidadãos ratifiquem ou rejeitem um projeto já existente, ou seja, os cidadãos adquirem “o poder de sancionar leis”168, na medida em que o parlamento elabora a norma, mas ela só se torna eficaz se o povo aprová-la. Esse instituto tem origem na expressão “ad referendum” que indica a ideia de ratificação e sugere a existência de “uma norma que instituição representativa propõe, e um povo soberano, que dispõe”169. O termo remete às antigas Dietas das Confederações Helvéticas, que permitiam aos cantões suíços, a aprovação por todos os cidadãos das decisões tomadas em Assembleia.170 A teorização deste mecanismo ocorreu na França, como um modo de defesa da democracia direta. Contudo, por ser confundido com o plebiscito, os franceses repudiaram sua utilização. Denise Auad, explica que o referendo passou a ser muito empregado no século XX, na América do Norte e Europa e que países ocidentais garantiam este mecanismo em suas Constituições, embora sem muita utilização 167 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. rev. e atual. até a EC n. 62/09. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 142; BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 40. 168 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 282. 169 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 108. 170 GARCIA, Alexandre Navarro. Democracia semidireta: referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação participativa. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 166, p. 9-22, abr./jul. 2005, p. 11. 74 prática. A autora cita exemplos, em que o referendo foi utilizado para decidir questões importantes: Podemos citar a França, que em 1962 recorreu ao referendo para reformar a Constituição da Quinta República e implementar o regime semipresidencialista, bem como eleições diretas para a escolha do presidente da República. Na década de 1990, os cidadãos franceses foram novamente consultados, dessa vez por François Miterrand, para se pronunciarem sobre a ratificação do tratado de Maastricht, sustentáculo para o sucesso da União Europeia. Por pouco o Tratado não foi ratificado pelos franceses, pois apenas 51% dos votos foram favoráveis. Em 1991, Gorbatchov propôs um referendo na ex-União Soviética para a criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI). Com a posterior acensão de Yelstin ao poder e o consequente abandono da CEI por dezessete Repúblicas, transformando-a na atual Rússia, foram propostas, em 1993, outras duas consultas populares: a primeira para a legitimação de Yelstin e de sua política econômica de cunho mais liberal; e a segunda para a 171 aprovação de um novo texto constitucional. Considerando que o referendo pode apresentar diferentes definições, dependendo do sistema em que está vinculado172, Bonavides173 apresenta quatro modalidades mais frequentes do instituto. A primeira se refere à matéria ou objeto do referendo, podendo ser constituinte, se tratar de lei constitucional ou legislativo, se referir a leis ordinárias. A segunda modalidade abrange os efeitos do referendo, que será constitutivo, quando a norma jurídica passar a existir (no caso de ratificação dos cidadãos) ou ab-rogativo, se a lei deixar de existir (em caso de rejeição pela população). Nesse sentido, Alexandre de Moraes174 explica que o referendo possui condição suspensiva, quando a norma é ratificada pelos indivíduos, ou condição resolutiva, quando o povo retira sua eficácia, rejeitando-a. A terceira modalidade do referendo relaciona-se com a sua natureza jurídica, sendo obrigatório, quando a Constituição exige que a lei elaborada pelo parlamento seja aprovada pela população ou facultativo, quando determinados membros do poder ou os eleitores podem requer a consulta popular. Para Alexandre Navarro 171 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 172 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 113. 173 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 282-283. 174 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 238. 75 Garcia175 o referendo facultativo é muito parecido com o mecanismo do veto popular, onde os cidadãos, dentro de um período de tempo, podem opor-se a uma lei. Por fim, a última modalidade do referendo, diz respeito ao tempo, sendo anterior ou posterior a lei. No primeiro, a população é consultada antes da sua realização e, no segundo, a norma já existe quando ocorre a consulta popular. O referendo anterior a lei, não existe no Brasil, mas é parecido com o mecanismo do plebiscito. Para Bonavides a utilização do referendo é importante por uma série de fatores, mas, principalmente, para permitir que o povo deixe de ser passivo em relação às questões políticas e possa controlar os atos dos seus representantes. Por outro lado, o autor aponta algumas desvantagens que, geralmente, são atribuídas à utilização do referendo: O desprestígio das câmaras legislativas, consequente à diminuição de seus poderes; os índices espantosos de abstenção; a invocação do argumento de Montesquieu acerca da incompetência fundamental do povo e seu despreparo para governar; a cena muda em que se transforma o referendum pela ausência de debates; os abusos de uma repetição frequente ao redor de questões mínimas, sem nenhuma importância, que acabariam provocando o enfado popular; o afrouxamento da responsabilidade dos governantes (ao menor embaraço comodamente transfeririam para o povo o peso das decisões); o escancarar de portas à mais desenfreada demagogia; em suma, o dissídio essencial da instituição 176 com o sistema representativo. O âmago dessas críticas geralmente se relaciona a ideia de que a utilização do referendo, ou de outros instrumentos de participação, representa um enfraquecimento ou tentativa de abandono da representação política. Esse é o principal temor dos opositores da democracia semidireta. Contudo, conforme já observado, a utilização dos mecanismos de participação cidadã pode ser uma forma de diminuir o desgaste do sistema representativo, sem a pretensão de extingui-lo, mas sim, de complementá-lo. 175 GARCIA, Alexandre Navarro. Democracia semidireta: referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação participativa. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 166, p. 9-22, abr./jul. 2005, p. 11. 176 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 286. 76 3.1.3 Diferenças entre Plebiscito e Referendo Conforme explica Bonavides177 “o plebiscito e o referendum são termos do vocabulário político que, não raro, se empregam indiferentemente para significar toda modalidade de decisão popular ou de consulta direta ao povo”. Embora os termos sejam utilizados de forma indiscriminada por muitas vezes, a CRFB/88 optou por distinguir esses mecanismos, motivo pelo qual, importa realizar algumas considerações. Moraes178 apresenta as principais diferenças: Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificálo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva). É possível perceber que, dois aspectos diferenciam esses institutos: primeiro, o critério temporal, na medida em que o plebiscito é uma consulta prévia a elaboração da norma e o referendo, uma consulta posterior a tal elaboração e, segundo que, o plebiscito pode ser utilizado para qualquer matéria, tendo ou não caráter normativo, enquanto o referendo só pode ser utilizado para matérias normativas. Esse é o entendimento da maior parte da doutrina em relação à diferença entre plebiscito e referendo. Contudo, Sgarbi179 entende que esses não são os melhores critérios para a diferenciação. Para o autor o critério temporal é insuficiente para fazer a diferenciação, pois existem situações em que o referendo pode ser proposto antes da criação da norma. Da mesma forma, o critério relacionado aos efeitos dos mecanismos (vinculação) também é insuficiente, pois tanto o plebiscito, quanto o referendo possuem efeito vinculante.180 Para o autor, a distinção deve considerar a aplicação dos mecanismos. O referendo incide apenas sobre normas, assim, esse mecanismo tem como principal objetivo a “determinação da sorte da norma, lato sensu, concretamente disposta, 177 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 288. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 238. 179 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 142. 180 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 145-161. 178 77 seja por proposição, seja no seu plano de vigência”181. Já o plebiscito, se relaciona a uma matéria em tese que pode ser definida como: “aquela cujo núcleo versa sobre um fato, um mero acontecimento concernente à estrutura do Estado, ou de seu governo”182. Dessa forma, o referendo trata de “normas ou proposições concretamente dispostas por incidência direta e como decisão de fundo” e o plebiscito de “matérias em tese e alterações geopolíticas com possíveis repercussões indiretas na normatividade não configurando esta repercussão sua decisão de fundo”183. Assim, é o caráter normativo da questão principal a ser consultada, que seria o critério ideal de distinção dos mecanismos, na visão do autor. Contudo, a CRFB/88, como será observado, adotou o critério temporal para realizar essa diferenciação. 3.1.4 Iniciativa Popular A iniciativa popular, é conhecida pelo “exercício da soberania popular, ao permitir o acesso de um grupo de cidadãos, na elaboração de um projeto de lei, submetendo-o à apreciação do Poder Legislativo, desde que cumprido os pressupostos legais”184. Isso significa que, os próprios eleitores podem formular um projeto. A origem desse instituto se relaciona com o surgimento da democracia direta na Grécia antiga, onde os cidadãos decidiam as questões políticas. Para Leonardo Barros Souza185 a iniciativa popular era também adotada nos Cantões da Suíça, embora a utilização grega e suíça desse mecanismo não fossem idênticas ao postulado atual. Auad186 explica que a iniciativa popular surgiu no século XIX, nos Estados Unidos. Em 1898 houve a primeira previsão legal do instituto em Dakota do Sul, mas 181 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 148. SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 150. 183 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 161. 184 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 185 SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 47-48. 186 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: 182 78 apenas em 1904 a iniciativa popular foi utilizada na prática, o que ocorreu no Estado de Oregon. A autora cita, ainda, a evolução da iniciativa em outros países: A Constituição de Weimar passou a admiti-la a partir de 1919, e exigia, para sua efetivação, participação mínima de um décimo do eleitorado. Posteriormente, a Alemanha também adotou sua prática por meio da Lei Fundamental de Bonn, com o propósito de modificação do território de seus Estados integrantes. A Suíça o prevê para promover mais projetos de emenda constitucional do que projetos de lei ordinária. Na Itália, exige-se a assinatura de, no mínimo, cinquenta mil eleitores para a propositura da iniciativa popular, ao passo que, na Espanha, são exigidas quinhentas mil assinaturas com firma reconhecida. Na América Latina, países como Argentina, Colômbia, Venezuela, Equador e Paraguai acolheram a iniciativa popular em suas respectivas 187 Constituições. Bonavides188 entende que, dos mecanismos de democracia semidireta, a iniciativa é a que mais “atende às exigências populares de participação positiva nos atos legislativos”. Para Eneida Desiree Salgado189, o exercício da iniciativa popular permite ao povo exercer sua soberania e controlar seus representantes. Souza190 e Benevides191 definem o instituto de forma mais abrangente considerando que, além de permitir que os cidadãos iniciem o processo legislativo, ele permite também, que o povo vote, aprove, modifique, desaprove ou revogue o projeto, ou seja, a iniciativa popular requer que os cidadãos participem pessoalmente, de todo o seu processo legislativo e da aprovação ou rejeição do seu texto final. Como a doutrina majoritária entende que a iniciativa popular envolve apenas a proposição da lei, para Souza192, tal instituto não é autêntico. Ainda assim, esse é o modelo adotado no Brasil onde, após propor o projeto, a população não faz mais parte do processo legislativo para a aprovação ou rejeição da lei. Dessa forma, a . Acesso em: 5 jun. 2013. 187 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 188 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 289. 189 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 96. 190 SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 46. 191 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 33. 192 SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 58. 79 iniciativa popular é um “ato de propulsão do processo legiferante”, ou seja, ela possui a função de “pôr em andamento a seqüência procedimental que poderá findar com a formação de direito novo”193. Por fim, importa referir que a iniciativa popular pode ser simples ou formulada. Na primeira, os eleitores apresentam apenas os tópicos que desejam que conste na lei, cabendo ao Congresso a formulação do projeto. Já na iniciativa formulada ou articulada, os cidadãos apresentam um projeto ao Congresso.194 3.2 REGULAMENTAÇÃO DOS MECANISMOS NO BRASIL Antes de analisar como o plebiscito, referendo e iniciativa popular estão previstos no ordenamento jurídico, importa verificar se eles estavam previstos nas Constituições anteriores a 1988 e, como se deu o debate na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) sobre a sua regulamentação. Tanto o referendo, quanto a iniciativa popular, são novidades na CRFB/88, pois não haviam sido garantidos anteriormente. A Constituição do Brasil de 1934 foi a primeira a adotar o princípio da soberania popular em seu art. 2º: “Todos os poderes emanam do povo, e em nome dele são exercidos”195. Contudo, ela não contemplou nenhum dos mecanismos que possibilitam a participação cidadã.196 Foi em 1937, que surgiu a primeira previsão constitucional do plebiscito. No artigo 187, a Constituição previa a sua aprovação por meio de plebiscito.197 Contudo, 193 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 113. GARCIA, Alexandre Navarro. Democracia semidireta: referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação participativa. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 166, p. 9-22, abr./jul. 2005, p. 12; SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 114; AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 195 BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2013. 196 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 72. 197 BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: 194 80 tal previsão nunca se concretizou, tratando, na verdade, de “um plebiscito de aparências, à guisa de atribuir adesão popular à Carta”198. Nesse texto foi previsto ainda, o plebiscito para incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados, havendo a necessidade de autorização das Assembleias Legislativas e aprovação do Parlamento Nacional.199 O plebiscito também foi contemplado para casos de rejeição de uma PEC proposta pelo Presidente ou pela Câmara de Deputados.200 Para Mônica de Melo201, esse plebiscito tinha por objetivo fazer da “população árbitro de conflito entre os Poderes Legislativo e Executivo, que seria convocada, dependendo de livre apreciação das circunstâncias, por parte do Presidente da República”. Tal consulta nunca foi utilizada. O texto constitucional de 1946, por sua vez, contemplou o plebiscito em caso de incorporação, subdivisão ou desmembramento de Estados, mantendo a exigência de autorização das Assembleias e aprovação do Congresso Nacional.202 Foi na vigência desta Constituição que, em 06 de janeiro de 1963, se realizou o primeiro plebiscito nacional no Brasil, para escolha do sistema presidencialista ou parlamentarista, onde a população optou pelo primeiro.203 A Constituição de 1967 e a EC nº 1 de 1969, que a modificou, previram apenas a possibilidade de consulta prévia à população para criação de municípios, . Acesso em: 13 set. 2013. 198 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 16-17. 199 BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2013. 200 BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2013. 201 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 74. 202 Brasil. Constituição (1946). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2013. 203 Esse plebiscito foi realizado por necessidade política e não por anseio do povo ou para permitir verdadeira participação popular. A questão de fundo do plebiscito, não era tanto a escolha entre o presidencialismo ou o parlamentarismo, mas sim em relação a concessão ou não, de poderes a João Goulart. Tratou-se, portanto, de um plebiscito para legitimação de um governante. (MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 79-85). 81 sem mencionar qual mecanismo deveria ser utilizado, o que dependia de Lei Complementar (LC).204 É possível observar que, antes da CRFB/88, apenas o plebiscito já havia sido regulamentado, mas ainda assim, não sustentava uma verdadeira participação cidadã. A CRFB/88 representou, portanto, um grande avanço democrático, na medida em que garantiu formas autênticas de participação popular em questões políticas. Contudo, importa uma breve análise de como essa questão foi tratada pela ANC, para demonstrar o medo dos parlamentares em garantir a efetiva participação da população e a forma como a lógica liberal se manifesta nestes discursos. A ANC surgiu em 1º de fevereiro de 1987, com o objetivo de criar a nova Constituição Brasileira. Foram formadas 24 subcomissões, com oito comissões temáticas, ficando a discussão sobre os mecanismos de participação a cargo da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, através da sua subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias.205 A constituinte possibilitou a apresentação de emendas populares, desde que encaminhadas por, no mínimo, três entidades associativas com assinatura de, ao menos, trinta mil eleitores. Foram apresentadas 122 emendas populares, sobre os mais diversos temas.206 Contudo, essa possibilidade enfrentou “a má vontade da maioria dos constituintes”207, que tiveram uma reação contrária a possibilidade de apresentação de emendas populares208. No que se refere à garantia dos mecanismos de participação, houve intensa discussão entre os constituintes. Aqueles a favor dos mecanismos, como Lysâneas Maciel, afirmavam a necessidade de permitir que o povo atuasse mais ativamente 204 BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2013; BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2013. 205 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 23; SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 96. 206 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 87-88. 207 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 96. 208 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 73. 82 nos assuntos políticos, enquanto os contrários, como Afonso Arinos, alegavam que esta possibilidade desrespeitava os representantes populares.209 É possível notar a dificuldade de superação do instituto da representação política pura, na medida em que, qualquer nível de participação popular, é visto como uma afronta à representação política. O senador Lavosier Maia apresentou uma Emenda Substitutiva, para a inclusão de quatro institutos de democracia semidireta: plebiscito, iniciativa popular, veto popular e referendo.210 Apesar de aprovada em primeiro turno, já havia acordo entre lideranças para retirar o veto popular, o que foi confirmado em segundo turno. Além disso, foram votadas na ANC, emendas referindo-se a um capítulo inteiro na Constituição, sobre soberania popular e iniciativa popular com exigência de quórum inferior ao adotado, contudo, nenhuma das emendas manteve seu teor. Embora o processo da ANC tenha sido muito mais complexo do que aqui relatado, pretendeu-se apenas, demonstrar a dificuldade de garantir os mecanismos de participação popular na CRFB/88. Embora tenham sido contemplados o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, importantes garantias foram abandonadas, em função da pressão de constituintes. Nesse sentido, Garcia211 apresenta a argumentação da maioria dos opositores dos mecanismos de participação: As pessoas comuns no Brasil ainda não estão preparadas para participar do processo de tomada de decisões, buscando lembrar que a tradição política brasileira leva a crer que tais iniciativas não terão o apoio popular necessário para mudar o sistema político, além de os mecanismos enfraquecerem os princípios representativos. Tais argumentos remetem a duas questões importantes. Primeiramente, entende-se que os cidadãos não possuem preparação para participar das decisões políticas. Para Benevides212 essa afirmação de incapacidade do povo, embora seja 209 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 96; SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25. 210 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25-26. 211 GARCIA, Alexandre Navarro. Democracia semidireta: referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação participativa. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 166, p. 9-22, abr./jul. 2005, p. 19. 212 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 81. 83 exagerada, é comum para combater as tentativas de concretização de mecanismos de participação e baseia-se em carências que, em tese, os cidadãos apresentam: ● o povo é incompetente para votar em questões que “não pode entender”; é incoerente em suas opiniões (quando as tem) e é, ainda, politicamente irresponsável, nada lhe sendo cobrado; ● o povo tende a votar de forma mais “conservadora” e, quando muito solicitado, torna-se “apático” para a participação política; ● o povo é mais vulnerável, do que seus representantes, às pressões do poder econômico e dos grupos “superorganizados”; ● o povo é dirigido pela “tirania da maioria” e dominado pelas “paixões”. A segunda questão importante é que, normalmente, afirma-se que os mecanismos de participação contribuem para enfraquecer os partidos políticos e esvaziar o Poder Legislativo. Geralmente, a participação pela população é entendida como uma tentativa de tomar o lugar dos parlamentares. Além disso, a oposição se expressa ainda, na ideia de que os parlamentares temem uma suposta infidelidade do seu eleitorado e de que alguns resultados podem ser entendidos como um desprestígio aos parlamentares.213 Esses argumentos demonstram a presença muito forte da lógica liberal no Brasil, onde a representação deve ser o único mecanismo democrático. Demonstram ainda, o medo dos representantes em permitir efetiva participação cidadã. Nesse sentido, conforme já mencionado, Vitullo214 refere-se à chantagem que os países latino-americanos sofrem por parte dos “grupos dirigentes e da classe dominante”, no sentido de que a mobilização e participação dos setores populares na esfera política, pode configurar um risco ao próprio sistema democrático, ou seja, é melhor uma democracia puramente representativa a regimes autoritários. É possível notar que existe uma forte pressão para a manutenção do sistema representativo, onde qualquer “excesso” de participação é visto como um risco. Essa postura é reforçada no meio acadêmico, onde há uma forte disseminação da democracia puramente hegemônica, como observado no capítulo anterior.215 213 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 69-71. 214 VITULLO, Gabriel Eduardo. Teorias da democratização e democracia na Argentina contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 44-45. 215 Neste particular, é importante recordar que, como visto no capítulo anterior, Schumpeter é considerado um dos autores mais importantes da Ciência Política e ele foi um dos autores que 84 Apesar de toda a resistência, a CRFB/88 adotou o princípio da soberania popular ao afirmar que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”216 e contemplou o plebiscito, referendo e a iniciativa popular. 3.2.1 Regulamentação Constitucional Além de priorizar a participação em inúmeros artigos, a CRFB/88 previu os mecanismos de democracia semidireta: Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; 217 III - iniciativa popular. A CRFB/88 tornou esses mecanismos garantias constitucionais, mas vinculou a sua regulamentação à LC, apenas prevendo a competência para a autorização e convocação de referendo e plebiscito, os requisitos para o exercício da iniciativa popular e o plebiscito geopolítico. Segundo o artigo 49, inciso XV a competência para autorizar referendo e convocar o plebiscito é exclusiva do Congresso Nacional.218 Conforme Auad, há três interpretações possíveis: Poderíamos interpretar que a autorização seria um sinônimo de “permissão” e, dessa forma, caberia exclusivamente ao Congresso Nacional o disseminou e inspirou a teoria democrática hegemônica. Importa ressaltar que, um dos argumentos de Schumpeter ao defender a democracia representativa é a falta de capacidade da média do eleitorado para participar de decisões políticas. Para o autor, o cidadão comum não tem conhecimento suficiente para se envolver efetivamente nas decisões políticas. É esse, um dos principais argumentos contrários a democracia participativa, que está impregnado nos meios acadêmicos e remete diretamente a Schumpeter: a incapacidade dos cidadãos. Vide Cap. 2, p. 5455, sobre a importância de Schumpeter para a teoria hegemônica de democracia. 216 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 217 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 218 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 85 chamamento inicial para a realização de referendo. Partindo dessa diferenciação, o termo “convocar” facultaria o povo a possibilidade de solicitar a realização de plebiscito para a discussão de um assunto de interesse relevante, com um certo número de assinaturas a ser delimitado pelo legislador infraconstitucional. Poderíamos, ainda, interpretar o contrário, ou seja, considerar a “convocação” como ato prévio para conclamar a realização da consulta. Nesse caso, caberia ao Congresso Nacional a prerrogativa exclusiva de permitir a realização de plebiscito, mas estaria aberta ao povo a possibilidade de dar início a um pedido para a realização de referendo. Se o termo “autorizar” não for diferenciado do termo “convocar”, conforme a linha seguida pelo legislador infraconstitucional, então o povo ficará totalmente alijado da possibilidade de solicitar a realização seja do plebiscito, seja do referendo, pois esse direito restará exclusivamente nas 219 mãos do Congresso Nacional. Para Sgarbi220, convocar significa iniciar o processo da consulta popular, ao passo em que, autorizar indica aprovar algo proposto por outrem. Nesse sentido, seria possível aos eleitores propor o referendo, mas não o plebiscito. Contudo, ainda assim, o Congresso Nacional poderia não autorizar o referendo solicitado. O artigo 18, por sua vez, contempla o plebiscito geopolítico, para criação, incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados ou Municípios e estabelece os requisitos a serem observados. 221 Para os Estados, as exigências são: a consulta às populações diretamente interessadas, por meio de plebiscito; LC federal específica que aprove a medida e; conforme o artigo 48, inciso IV, da CRFB/88, deverão ser ouvidas as Assembleias Legislativas dos Estados envolvidos. Contudo, tal consulta não possui efeito vinculante. 222 No que se refere aos Municípios, exige-se: lei complementar federal, que deverá estabelecer o período para a realização da ação; Lei Ordinária (LO) Federal, que aponte os requisitos genéricos a serem exigidos e apresente Estudos de Viabilidade Municipal; consulta, por plebiscito, das populações dos Municípios 219 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 220 SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25-26. 221 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 222 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. atual. até a EC n. 55/07. São Paulo: Atlas, 2007, p. 604. 86 diretamente interessados e; LO estadual, que deverá criar o Município em questão.223 Em relação à iniciativa popular, o artigo 61, parágrafo 2º da CRFB/88, estabeleceu o seu exercício, mediante apresentação de um projeto ao Congresso com adesão de, no mínimo, um por cento dos eleitores nacionais, distribuídos em cinco Estados com, ao menos, três décimos por cento dos eleitores em cada Estado.224 A iniciativa popular de âmbito estadual depende de lei, conforme o parágrafo 4º, do artigo 27, da CRFB/88, não havendo previsão de um número mínimo de assinaturas, ou seja, há a possibilidade de que a legislação estadual regule a iniciativa popular de forma menos rígida. Quanto ao Município, a CRFB/88, no artigo 29, inciso XIII, exige assinatura de, no mínimo, cinco por cento do eleitorado e que as matérias sejam de interesse específico do Município, da cidade ou do bairro.225 É possível perceber que a CRFB/88 apenas apontou os mecanismos de participação e algumas diretrizes gerais. A regulamentação desses mecanismos dependia de legislação complementar. Tal lei foi promulgada apenas em 1998, ou seja, por dez anos, estes instrumentos, que deveriam ser uma forma de corrigir os problemas da representação política, ficaram sem regulamentação específica, o que dificultou a sua utilização. O plebiscito de 1993 (realizado para escolher a forma e o sistema de governo a ser adotado no Brasil) como único exemplo de consulta popular de 1988 até 1998 comprova isso.226 223 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. atual. até a EC n. 55/07. São Paulo: Atlas, 2007, p. 605-606. 224 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 225 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 226 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 87 Para Benevides227 existem várias formas de dificultar a participação popular: A exclusividade da convocação de consultas nas mãos dos poderes constituídos; o rígido controle de constitucionalidade; a supremacia do Legislativo, através do poder incontrastável de maioria parlamentar; a inflexibilidade na definição de prazos e de elevado números de assinaturas para o encaminhamento de propostas de referendo ou de iniciativa popular. É possível perceber que na CRFB/88 existem algumas dessas medidas, que impedem a concretização dos mecanismos, embora eles estejam garantidos formalmente. A convocação das consultas exclusivamente a encargo do Congresso Nacional e o elevado número de assinaturas para o exercício da iniciativa popular confirmam tal fato. Tais medidas demonstram “o temor das autoridades frente às ‘paixões populares’ (ou a ‘tirania da maioria’) assim como a latente hostilidade dos partidos e dos parlamentares em relação à democracia semidireta”228. 3.2.2 Regulamentação Infraconstitucional Importa analisar a Lei nº 9.709/98, que regulamentou os mecanismos, a fim de identificar quais os procedimentos a serem adotados para a sua utilização. Contudo, é necessário observar que só pode exercer a soberania popular, através dos mecanismos, os cidadãos que possuem capacidade eleitoral ativa (aqueles que são considerados eleitores).229 a) Plebiscito e Referendo No seu primeiro artigo, a lei apenas reescreve o artigo 14 da CRFB/88, passando a regulamentação dos mecanismos nos tópicos seguintes. O artigo 2º estabelece que o plebiscito e o referendo devem ser utilizados para matérias de acentuada relevância e diferencia estes mecanismos em função do 227 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 157. 228 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 156. 229 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 235-238. 88 critério temporal, ou seja, o plebiscito deve ser realizado antes da criação da norma e o referendo depois.230 Conforme já observado, o critério temporal e a normatividade da matéria em questão são as formas mais utilizadas para fazer a diferenciação. Contudo, a lei adotou apenas o critério temporal, contrariando o entendimento majoritário, ao não tratar sobre a normatividade da matéria a ser regulada. Para Melo231 esta distinção não é de extrema importância, pois, independente da nomenclatura, o importante é que a população seja consultada. O artigo trata ainda, da matéria a ser objeto de consulta, ou seja, ela será realizada para temas de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa, o que significa que o plebiscito e o referendo não devem ser utilizados para assuntos corriqueiros. Melo232 entende que esta proibição deve ser interpretada como uma vedação apenas em âmbito nacional, ou seja, em âmbito estadual e municipal, as consultas devem ser utilizadas em situações triviais e cotidianas, devido à maior facilidade de realizá-las em localidades menores. Para a autora, o artigo 6º da lei, torna possível tal interpretação, ao regular que: “Nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados de conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica”233. Como a lei não define o que pode ser considerado assunto de acentuada relevância, tal delimitação caberá ao solicitante que, conforme a redação do artigo 3º, só pode ser o Congresso Nacional. Contudo, mesmo que a lei não regulamente os limites sobre as matérias passíveis de consulta popular, eles devem existir. Assim, questões envolvendo a democracia e os direitos fundamentais não podem ser passíveis de modificação por consulta popular.234 230 BRASIL. Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. . Acesso em: 25 jul. 2013. 231 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 121. 232 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 132-133. 233 BRASIL. Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. . Acesso em: 25 jul. 2013. 234 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 133. Disponível em: constitucionais de constitucionais de Disponível em: constitucionais de 89 Ainda, em relação à matéria a ser objeto de consulta, Auad235 afirma que a CRFB/88 silenciou no que se refere à possibilidade de realizar referendo para tratar de assuntos que envolvem EC. Contudo, para a autora, existe tal possibilidade, na medida em que, combinado com o princípio da soberania popular, o artigo 2º da lei afirma que podem ser objeto de consulta, questões de alta relevância constitucional. No que se refere à convocação do plebiscito e do referendo, o artigo 3º da lei indica que ele deverá ser convocado “mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional”236. Esse artigo afirma a competência exclusiva do Congresso Nacional em relação à convocação e autorização de plebiscito e referendo, tratando os termos como sinônimos ao se referir apenas à convocação. Além disso, exige-se a elaboração de um Decreto Legislativo (DL), proposto por um terço dos membros do Congresso. Tal previsão é muito criticada pela doutrina, pois dificulta que os cidadãos proponham uma consulta, o que reduz a capacidade de participação popular, na medida em que, a mesma dependerá de juízo prévio do Congresso Nacional.237 Segundo Jorge de Oliveira238 o povo é o soberano e os seus representantes são delegados da vontade popular e não possuem o poder originário. Nesse sentido, em questões de extrema relevância, é o povo quem deveria decidir. Esse é o objetivo dos mecanismos adotados no Brasil. Contudo, o artigo em questão, limita a soberania popular, sendo contrário ao artigo 1º, da CRFB/88, motivo pelo qual, o autor o considera inconstitucional. 235 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 236 BRASIL. Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2013. 237 A Constituição Estadual de São Paulo, por exemplo, permite aos cidadãos solicitarem a realização de plebiscito e referendo, mediante proposta subscrita por, ao menos, 1% do eleitorado, distribuídos entre cinco Municípios do Estado. Contudo, a convocação do plebiscito ou referendo são de competência da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o que permanece como uma limitação do exercício da democracia semidireta. (AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013.) 238 OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. O plebiscito, o referendo e a sua usurpação pelo parlamento. Revista de IOB de Direito Administrativo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 77-80, jan. 2006, p. 78-80. 90 Nesse sentido, a interpretação mais corrente da doutrina é utilizar a analogia, para permitir que os cidadãos requeiram a realização do plebiscito ou do referendo, desde que observados os requisitos do artigo 13 da lei. Tal interpretação se baseia no argumento de que a CRFB/88 adotou a democracia semidireta em conjunto com a representativa, dando ênfase a primeira, sendo contrária a esta, limitar o direito da população de pleitear a realização de referendo e plebiscito.239 Mas, ainda assim, a forma como o assunto foi tratado pela legislação apresenta-se como um obstáculo à solicitação de plebiscito e referendo por via popular. Quanto aos procedimentos para a realização das consultas, a lei estabelece que: Art. 8º. Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição: I – fixar a data da consulta popular; II – tornar pública a cédula respectiva; III – expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo; IV – assegurar a gratuidade nos meio de comunicação de massa concessionários de serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema sob consulta. Art. 9º. Convocado o plebiscito, o projeto legislativo ou medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam objeto da consulta popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado. Art. 10. O plebiscito ou referendo, convocado nos termos da presente Lei, será considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Art. 11. O referendo pode ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei ou adoção de medida administrativa, que se relacione de 240 maneira direta com a consulta popular. Os artigos em questão tratam das diretrizes básicas a serem adotadas no caso de realização de consulta popular. Conforme o artigo 8º da lei cabe à Justiça Eleitoral, os trâmites legais para a realização de tal consulta. O artigo 9º, por sua vez, estabelece que qualquer projeto ou medida em processo, que se refira à matéria que será objeto do plebiscito deverá ser sustada 239 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 140-141; OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. O plebiscito, o referendo e a sua usurpação pelo parlamento. Revista de IOB de Direito Administrativo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 77-80, jan. 2006, p. 80; SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 168-169. 240 BRASIL. Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2013. 91 até o resultado da consulta. Trata-se, portanto, de uma norma com natureza cautelar, a fim de “evitar que a consulta a ser realizada torne-se inútil em face da medida tomada, que muitas vezes pode ser irreversível, ou de difícil reversibilidade”241. Tal regra se aplica somente ao plebiscito, na medida em que ela perde o sentido no caso do referendo, quando a lei já foi criada. Quanto ao quórum de aprovação da consulta popular, tanto para plebiscito, quanto para referendo, exige-se maioria simples, conforme o artigo 10 da lei. Para Melo242 o estabelecimento de quórum expressa que o resultado da consulta popular será vinculante, uma vez que “realizada a consulta, o Poder Público não poderá se furtar de cumprir o resultado apurado pelas urnas, o que só vem a fortalecer a democracia participativa”. Nesse sentido, Auad243 entende que o resultado da consulta deve ser vinculante, sob pena de desvirtuar os institutos e esvaziar de sentido o princípio da soberania popular. Contudo, ainda que o resultado não fosse considerado vinculante, a autora entende que geraria um compromisso moral para o Congresso e para o Executivo. O artigo 11, por sua vez, estabelece que o referendo pode ser realizado até 30 dias, após o surgimento da norma. Para Auad244 há dois problemas nesse artigo. Primeiro, ele não diz se, durante os trinta dias, a lei entra ou não em vigência. Tal questão é importante, na medida em que se a lei entrar em vigor e o referendo afastá-la posteriormente haverá a necessidade de regular os efeitos jurídicos que surgirão com a sua anulação. 241 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 184. 242 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 145. 243 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 244 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 92 O segundo problema é o prazo preclusivo245 para a realização da consulta, ou seja, se o referendo não for realizado em 30 dias após o surgimento da lei, não poderá mais ser realizado. Embora a autora entenda que a fixação de um prazo preclusivo seja importante para evitar a insegurança do ordenamento jurídico, ela acredita que 30 dias é pouco para saber se a lei deve ser submetida à consulta popular.246 Tal entendimento é compartilhado por Melo247, que acredita ser o prazo estabelecido, muito exíguo. b) Plebiscito Orgânico ou Geopolítico O artigo 18 da CRFB/88 estabeleceu que, no caso de incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados ou Municípios, a população interessada, deverá ser consultada, por meio de plebiscito. Ao regulamentar o plebiscito geopolítico, a Lei nº 9.790/98, além de repetir o que a CRFB/88 já previu, apresenta uma inovação importante: definiu quem são as populações diretamente interessadas. No caso de desmembramento deverá ser consultada a população do território que se pretende desmembrar e daquele que sofrerá o desmembramento. Para fusão ou incorporação deverá ser consultada a população da área a ser anexada e a da que receberá o acréscimo. O resultado do plebiscito deverá considerar o percentual das populações que se manifestaram, em relação ao total da população consultada. 248 Outro ponto importante do plebiscito geopolítico é a questão da vinculação da consulta popular, o que dependerá do resultado do plebiscito, havendo duas possibilidades: caso o plebiscito seja favorável, não há vinculação, ficando a critério 245 Prazo preclusivo é um termo jurídico que estabelece um prazo para o exercício do direito e se tal prazo não for respeitado, ocorrerá a perda do direito de praticar o ato. Nesse caso concreto, o termo significa que, se não houver a realização da consulta popular até 30 dias após o surgimento da lei, não será mais possível realizá-la (SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 675). 246 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 247 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 185. 248 BRASIL. Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2013. 93 do legislativo a decisão. Contudo, se negativo, a decisão da população será vinculante, pois impedirá a continuidade da medida.249 Como a legislação deveria ter regulamentado tal matéria além do previsto na CRFB/88, mas não o fez, essa interpretação, por parte da doutrina, quanto ao efeito vinculante do plebiscito é baseada na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI): Município: criação: plebiscito: competência da justiça eleitoral. sob a constituição de 1988 - não obstante o retorno a orbita da ordem estadual da fixação de requisitos substanciais a criação de municípios e do processo da decisão política de cria-los, confiada a assembleia legislativa -, e corrente o entendimento de que foi recebido o direito anterior, no ponto em que outorgou a justiça eleitoral competência para administrar a consulta plebiscitaria, apurar e proclamar, o seu resultado positivo ou negativo (v.g., adin 542, 27.6.91): proclamado pelo TRE o resultado negativo da consulta, a decisão - preclusa no âmbito da justiça eleitoral -, tem eficácia definitiva e vinculante da assembleia legislativa, impedindo a criação do município projetado, sob pena de inconstitucionalidade por usurpação da competência 250 judiciária (grifo da autora). Nesse sentido, a decisão do plebiscito para criação, incorporação, subdivisão ou desmembramento de Estados ou Municípios, será vinculante quando negativa e não vinculante se positiva, fincando nesse caso, a cargo do legislativo. c) Iniciativa Popular No que se refere à iniciativa popular, a Lei nº 9.709/98 em seu artigo 13, se restringe basicamente ao previsto na CRFB/88. Para Souza251 muitas questões que deveriam ter sido regulamentadas: [...] o procedimento legislativo da iniciativa popular, no qual se inserem os temas da forma de propositura, admissibilidade de procurador, prioridade na votação, possibilidade de retirada de pauta em caso de desvirtuamento, referendo final; e a campanha de colheita de assinatura e sua forma, debates entre as diversas correntes, ampla informação, divulgação e controle, o que merecia atenta regulamentação, ante o problema da manipulação das opiniões; além de muitas outras questões de extrema relevância extraídas do aprendizado com as experiências de outros países. 249 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. atual. até a EC n. 55/07. São Paulo: Atlas, 2007, p. 604; SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 155-161. 250 BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 733-5 Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 15 set. 2013. 251 SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 66. 94 Embora existissem muitos pontos a se regular, a lei somente estabeleceu que a iniciativa popular pode tratar apenas de uma matéria e que não pode ser rejeitada por vício de iniciativa. A primeira questão, para Souza252, afronta o princípio da soberania popular, enquanto a segunda está em conformidade com tal princípio, desde que a correção dos erros não mude o sentido da lei pretendida. Um tópico que gera diferentes interpretações é quanto a possibilidade de propor iniciativa popular sob a forma de EC. A CRFB/88, em seu artigo 60, ao tratar das situações onde ela poderá ser emendada silenciou sobre essa questão.253 Da mesma forma, a legislação não regulou nada a este respeito. Assim, uma interpretação restritiva remete a ideia de que não pode haver iniciativa popular de ECs.254 Contudo, alguns autores, como Souza, Auad e Sgarbi255 entendem que, a partir do princípio da soberania popular, há a possibilidade de proposição da iniciativa popular na forma de EC. É possível notar que, a ausência de maiores esclarecimentos sobre este instituto e a exigência de muitas assinaturas para a sua proposição, dificultam o exercício dessa iniciativa.256 Nesse sentido, Salgado257 entende que os requisitos exigidos, especialmente, no que se refere ao número de assinaturas, são muito rígidos e impedem a efetividade da medida. Para a autora, a Câmara dos Deputados está ciente dessa dificuldade, na medida em que criou uma Comissão Permanente de Legislação 252 SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 66-67. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2013. 254 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 97. 255 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013; SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 116; SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 57. 256 Embora a prática da iniciativa popular encontre muitos problemas em nível nacional, importa mencionar que algumas Constituições Estaduais procuram facilitar a sua utilização. É o caso, por exemplo, dos Estados do Espírito Santo, Bahia, Pará, São Paulo e RS, que permitem que seja proposta iniciativa popular para emendar a sua respectiva Constituição (SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 70-72). 257 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 98. 253 95 Participativa, que fica incumbida de receber sugestões de iniciativa legislativa de entidades da sociedade civil, como os sindicatos e as associações. Tais sugestões tramitam como PLs da Comissão. Contudo, ainda que tal alternativa seja importante, ela não substitui a necessidade da iniciativa legislativa popular, pois não é uma forma direta de exercício da soberania popular. Assim, para a autora, deveria ser reduzido o número de assinaturas exigidas e deveriam ser utilizadas urnas para a coleta das manifestações da população, o que agilizaria o processo e tornaria mais viável a utilização desse mecanismo pelos cidadãos. 3.2.3 Fragilidades da Legislação Com a Lei nº 9.709/98, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular foram regulamentados, de acordo com o que disciplinava a CRFB/88. Contudo, a lei é vaga e imprecisa e é, praticamente, uma cópia das disposições constitucionais, não resolvendo as principais questões sobre esses mecanismos, o que dificulta, mesmo após regulamentação, a sua utilização: Era grande a expectativa dos doutrinadores, estudiosos do assunto e defensores da democracia no sentido de que tal lei abarcasse as principais questões relacionadas aos mecanismos de participação e pudesse realmente ser um canal para o exercício da soberania popular de forma mais frequente em nosso país. Diversos estudos haviam sido desenvolvidos para dar consistência à regulamentação infraconstitucional, como o estudo da Professora Maria Victoria Benevides, publicado, posteriormente, em seu livro A cidadania ativa – referendo, plebiscito e iniciativa popular. Todavia, a Lei 9.709/98 frustrou essa expectativa, mostrando-se lacunosa. Além disso, foi deveras tímida em relação à ampliação do exercício da soberania popular e não regulou importantes assuntos relacionados à viabilidade da aplicação da democracia semidireta no país. Praticamente é uma cópia das disposições constitucionais sobre o assunto sem maiores 258 esclarecimentos. Nesse sentido, Souza259 afirma que a legislação foi tímida ao regular os mecanismos de participação, ou ainda, que houve vontade do legislador em impedir a efetivação de tais mecanismos. 258 AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2013. 259 SOUZA, Leonardo Barros. Iniciativa Popular. São Paulo: IBCCRIM, 2003, p. 65. 96 Da mesma forma, Roberto Amaral260 entende que os mecanismos de participação, da forma como estão regulamentados, não passam de “expectativas de direito”, que encontram muitas dificuldades de concretização. A falta de utilização dos mecanismos no Brasil confirma as críticas realizadas, pois, embora a democracia semidireta esteja garantida constitucionalmente e infraconstitucionalmente, ela não é efetiva. Por esta razão, desde a garantia constitucional dos mecanismos, houve a realização de duas consultas populares. A primeira ocorreu em 21 de abril de 1993, através do plebiscito para escolher entre a forma republicana ou monarquista e o sistema de governo presidencialista ou parlamentarista. Na ocasião, o povo optou pelo presidencialismo e pela República, confirmando o regime já vigente.261 A segunda consulta popular realizada, foi o referendo para a manifestação da população sobre a manutenção ou rejeição da proibição da comercialização de armas de fogo e munição.262 O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) estabeleceu em seu artigo 35, a proibição da comercialização da arma de fogo e munição em todo o território 260 AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, 51. 261 MELO, Mônica de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: mecanismos constitucionais de participação popular. Rio Grande do Sul: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 85-86; LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2007, p. 47. 262 A realização do referendo de 2005 permite demonstrar que ainda existe uma forte oposição a participação da população nas questões políticas. Exemplo disso foi a resistência de alguns parlamentares, no que se refere à consulta. Nesse sentido, João Batista Motta, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro do Espírito Santo (PMDB-ES), afirmou que o referendo sobre o porte de armas “não vale nada”, na medida em que o Estatuto já proíbe “homens de bem” de portar armas (BRASIL. João Batista Motta crítica políticas federais e referendo do desarmamento. Agência Senado, 2005. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2013.). Magno Malta, do Partido Liberal (PL-ES), também anunciou ser contra a realização do referendo. Para ele, os parlamentares possuem procuração para agir em nome do povo, motivo pelo qual o caso do desarmamento deveria ter sido resolvido no Congresso Nacional e não ser “jogado nas mãos do povo” (BRASIL. Magno Malta aponta “confusão” no debate sobre desarmamento. Agência Senado, 2005. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2013.). Por fim, com um discurso muito parecido com Magno Malta, Marco Maciel, do Partido da Frente Liberal de Pernambuco (PFL-PE), afirmou ser contra o referendo, na medida em que os cidadãos elegeram os seus representantes para decidir esse tipo de questão, motivo pelo qual este debate deveria ser realizado pelos parlamentares e não pelo povo. Além disso, ele aponta o alto custo para a realização do referendo (BRASIL. Marco Maciel questiona o uso de referendo para armas. Agência Senado, 2003. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2013.). 97 nacional. Contudo, para entrar em vigor, esta proibição deveria ser submetida a um referendo popular.263 Em 23 de agosto de 2005, a maior parte da população optou por não proibir a comercialização de armas de fogo e munição, não tornando vigente o dispositivo em questão.264 No que se refere à iniciativa popular, não houve até hoje, a concretização desse mecanismo no Brasil. Como bem explica Salgado265, embora tenham sido propostos alguns PLs que recolheram as assinaturas necessárias, os mesmos somente se concretizaram em função de coautorias: O projeto de Lei 4.146/1993, que teve o Poder Executivo como co-autor, tornou-se a Lei8.930/94 e alterou a Lei 8.072/90, adicionando o homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio no rol dos crimes hediondos. O Projeto de Lei 1.517/99, com a co-autoria do Deputado Albérico Cordeiro (e a assinatura de todos os líderes partidários), transforma-se na Lei 9.840/99 e incluiu na Lei 9.504/97 o artigo 41A, permitindo a cassação do registro do candidato que incidir em captação ilícita de sufrágio. Finalmente o Projeto de Lei 2.710/92 torna-se, com muitas modificações, a Lei 11.124/05 e cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Teve o Deputado Nilmário Miranda como co266 autor. É possível perceber que os PLs contaram com coautorias importantes, motivo pelo qual, foi facilmente colhido o alto índice de assinaturas exigido para iniciativa popular. Dessa forma, embora os mecanismos de participação cidadã sejam importantes para a democracia brasileira, em função da sua frágil regulamentação, ainda existem muitas dificuldades na sua efetivação. Considerando esta fragilidade, foi feito neste trabalho, um levantamento em relação à produção de leis sobre os mecanismos de democracia semidireta, a fim de verificar se existem iniciativas legislativas que avançam na regulamentação desses 263 BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Disponível em: . Acesso em 15 set. 2013. 264 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2007, p. 48-50. 265 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 98. 266 SALGADO, Eneida Desiree. Iniciativa popular de leis: as proposições, o positivado e o possível. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 43, n. 169, p. 95-100, jan./mar. 2006, p. 99-100. 98 mecanismos, para flexibilizar a lógica hegemônica e, principalmente, se essas iniciativas enfrentam algum tipo de oposição.267 Nesse sentido, o “Quadro 1 – Proposições Legislativas sobre os Mecanismos de Participação Cidadã”, demonstra as iniciativas legislativas de 1988 até 2013, com origem na Câmara de Deputados, sobre os mecanismos de democracia semidireta e sua situação atual. Quadro 1 - Proposições Legislativas sobre os Mecanismos de Participação Cidadã Ação Arquivados Transformados em leis/Normas Em tramitação Nº. de Projetos de Lei 269 13 100 Fonte: Sistematizado pela autora com base em dados primários fornecidos pela Câmara de Deputados de Porto Alegre. É possível notar a existência de 382 proposições legislativas sobre os mecanismos de participação cidadã, onde a grande maioria encontra-se arquivada, uma pequena minoria foi transformada em lei, enquanto o restante está ainda, em processo de tramitação.268 No que se refere às propostas transformadas em leis, o “Quadro 2 – Proposições Transformadas em Leis” permite observar quais matérias foram regulamentadas. Quadro 2 – Proposições Transformadas em Leis Lei/Norma Lei Ordinária 10521/2002; Decreto Legislativo 136/2011; Decreto Legislativo 137/2011. Plebiscito sobre forma e sistema de governo Emenda Constitucional 2/1992; Lei Ordinária 8624/1993; Lei Ordinária 8744/1993; 1 Projetos tramitados como iniciativa popular de lei Lei Ordinária 8930/1994; Lei Ordinária 11124/2005. Regulamentação do artigo 14 da Constituição Lei Ordinária 9709/1998 Federal Assunto Plebiscito Geopolítico 267 A forma como os dados foram obtidos já foi explicada na parte metodológica da introdução. Vide Capítulo 1, p. 21. 268 Como o objetivo é ressaltar a oposição a algumas das iniciativas, não serão analisadas aqui, as proposições arquivadas, na medida em que não apresentam nenhuma possibilidade de inovação, ao menos, no momento. Em relação às iniciativas transformadas em leis, elas serão rapidamente citadas, na medida em que também não representam uma grande inovação. Já em relação aos projetos em tramitação, serão analisados alguns casos específicos que geram maiores controvérsias para sua aprovação. 99 Criação da Comissão Permanente de Legislação Participativa Referendo sobre o desarmamento Resolução da Câmara dos Deputados 21/2001 Lei Ordinária 10826/2003; Decreto Legislativo 780/2005 Decreto Legislativo 900/2009 Referendo sobre a alteração da hora no Estado do Acre 1 Embora tenham tramitado como iniciativa popular, o recolhimento do número de assinaturas necessárias para a proposição, só foi possível devido a coautorias importantes. Fonte: Sistematizado pela autora com base em dados primários fornecidos pela Câmara de Deputados de Porto Alegre. Como os assuntos inseridos no quadro já foram tratados ao longo deste capítulo, o que importa observar é a não existência de uma lei que preencha as lacunas deixadas pela Lei nº 9.790/98 e que permita flexibilizar a lógica liberal representativa. Desta forma, somente através da análise do “Quadro 3 – Proposições em Processo de Tramitação”, torna-se possível apontar algumas iniciativas que geraram uma grande discussão ao tentar realizar essa flexibilização. Quadro 3 – Proposições em Processo de Tramitação Assunto Plebiscito geopolítico Quantidade de Leis 29 Plebiscito para privatizações de empresas Estatais 6 Consulta popular sobre redução da maioridade penal 7 Plebiscito sobre eleições (cargos majoritários; financiamento de campanhas; voto facultativo e; simultaneidade de eleições municipais, distritais, estaduais e federais) Plebiscito para alteração da hora nos Estados do Pará e do Amazonas 11 Plebiscito sobre utilização do percentual de 10% do PIB Nacional para educação 1 Plebiscito sobre uso das fontes de energia nuclear 1 Plebiscito sobre união homossexual 2 Plebiscito sobre adoção do horário de verão no Brasil 1 Plebiscito para decidir temas da reforma política 1 Regulamentação da Iniciativa Popular (principalmente no que se refere a redução do número de assinaturas para proposição) Estabelecimento de regime de urgência para leis de iniciativa popular 8 Regulamentação do referendo 1 Criação de um Estatuto para o exercício da democracia 1 1 3 100 Regulamentação do artigo 14, da Constituição Federal 2 Concessão de anistia para quem não justificou ausência no referendo de 2005 1 Proibição da realização de consultas populares no sábado 1 Proposição para realização de plebiscitos e referendos em conjunto com eleições Regulamentação sobre o exercício da iniciativa popular por via da internet 3 Proposição para coleta de subscrição da iniciativa popular por meio de urnas eletrônicas Referendo obrigatório para a fixação de subsídios para Presidente da República e membros do Congresso Nacional Obrigatoriedade de referendo no caso de construção de usina nucleoelétrica 1 Fornecimento gratuito de transporte coletivo, em dias de realização de eleições e consultas populares, para as zonas urbanas Alteração de artigos da Lei nº 9.709/98 1 Obrigatoriedade do plebiscito no caso de, construção de depósito intermediário ou final de rejeitos radioativos 1 Projetos Tramitando como Iniciativa Popular 1 Regulamentação da Comissão de Legislação Participativa 3 7 1 1 3 2 1 Embora os projetos tenham sido propostos pelo deputado Antônio Carlos Biscaia, foram colhidas assinaturas pelo Movimento Gabriela sou da Paz e pela sociedade civil, com o objetivo de tramitar como PL. Fonte: Sistematizado pela autora com base em dados primários fornecidos pela Câmara de Deputados de Porto Alegre. A análise deste quadro permite observar algumas leis importantes, como as que têm objetivo de submeter a privatização de empresas estatais a um plebiscito. Tais leis referem-se ao setor hidrelétrico, principalmente em relação à Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) e da Companhia Furnas Centrais Elétricas (Furnas). Embora não trate de uma mudança na Constituição, o simples fato de exigir o plebiscito no caso de privatização dessas empresas é uma importante tentativa de possibilitar que os cidadãos decidam questões de alta relevância, que os afetam diretamente. Contudo, esses PLs surgiram no período de 1999 a 2001 e não foram transformados em lei até a presente data, o que pode ser indicio de que não há interesse na aprovação de leis que incentivem a participação popular e restrinjam a atuação dos representantes.269 269 No que se refere à dificuldade de aprovação de leis que contrariem a lógica hegemônica, é possível fazer analogia com a Lei da Ficha limpa, que impede que políticos condenados por órgãos colegiados, ou seja, por decisões tomadas em grupo, disputem cargos eletivos. Embora tenha sido 101 Outro aspecto que merece menção são os PLs sobre iniciativa popular, a fim de reduzir o número de assinaturas para a sua proposição e facilitar o recolhimento dessas assinaturas, seja através da internet ou da adoção de urnas eletrônicas. A aprovação desses PLs seria um grande avanço e facilitaria a utilização desse mecanismo. Embora o quadro aponte muitas matérias importantes para o avanço na regulamentação dos mecanismos de participação cidadã, importa analisar, mais especificamente, o PL que pretendeu regulamentar o artigo 14, da CRFB/88, principalmente no que se refere ao plebiscito e ao referendo. Trata-se do PL nº 4.718/04, da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. Contudo, antes de analisar essa proposta, que gerou intensa discussão, importa mencionar as PECs, originadas no Senado Federal nº 80/03, do Senador Antonio Carlos Valadares, nº 82/03, do Senador Jefferson Peres e nº 73/05, do Senador transformado na LC nº 135, em 04 de junho de 2010, o projeto foi proposto em 22 de outubro de 1993. Contudo, em 29 de setembro de 2009 foi proposto um novo projeto (nº 518/09), com o mesmo objetivo, que foi assumido pelo deputado Antonio Carlos Biscaia, do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (PT/RJ), mas que foi, inicialmente, concebido como iniciativa popular e recebeu muitas assinaturas. Tal projeto foi apenso ao de 1993 e sua aprovação ocorreu em 2010, após muitas tentativas de impedi-la. (BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 168, de 22 de outubro de 1993. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2013; BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 518, de 29 de setembro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2013; BRASIL. Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2013.). Contudo, mesmo após a aprovação da lei, houve muita polêmica em relação a se a mesma deveria ser aplicada já nas eleições de 2010 e sobre a sua constitucionalidade. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou que a Lei deveria ser aplicada já em 2010, mas candidatos que seriam prejudicados recorreram ao STF alegando inconstitucionalidade da lei e que ela não deveria ser válida para as eleições de 2010. Após muitas discussões e posições desfavoráveis, o STF decidiu que ela seria válida para 2010, o que foi posteriormente derrubado. Por fim, a Lei da Ficha Limpa não foi aplicada nas eleições de 2010, mas em 17 de fevereiro de 2012 foi considerada Constitucional e válida já para as eleições daquele ano. (ROCHA, Fabrício. Advogado eleitoral comenta decisão do STF sobre Ficha Limpa. Câmara Hoje, 2011. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2013;AMARAL, Sandra. STF aprova constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Câmara Hoje, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2013.) Embora o processo aqui narrado não tenha considerado toda a complexidade que envolveu o assunto, o que se pretendeu demonstrar é que, os projetos que recebem total apoio da sociedade, geralmente, não encontram oposição explícita dos parlamentares, que procuram medidas alternativas para barrar a matéria ou prolongar a sua aprovação pelo tempo que for possível. Foi isso que aconteceu com essa lei, proposta em 1993 e aprovada em 2010, somente depois de manifestação, através de assinaturas por expressivo número de cidadãos. É também o que acontece com as leis citadas acima que, por tratarem de ampliação da participação popular, ainda encontram muita resistência na sua aprovação. 102 Eduardo Suplicy, que tramitam em conjunto e versam sobre a implementação de novos mecanismos de democracia semidireta: o direito de revogação e o veto popular.270 Embora representem um grande avanço para a democracia semidireta no Brasil, essas propostas não estão tramitando de forma pacífica. Nesse sentido, na Audiência Pública realizada em 24 de setembro de 2009, a fim de discutir esses projetos, houve um intenso debate. Enquanto Fabio Konder Comparato e João Batista Herkenhoff defenderam a ampliação dos mecanismos de democracia semidireta, Paulo Kramer se mostrou completamente contra os projetos. Para Kramer a utilização frequente de consultas populares, não indica avanço democrático, do contrário, a Venezuela não seria a semiditadura que é. O autor, deixa claro sua oposição à democracia semidireta ao afirmar que “em vez de perder tempo com utopias de democracia direta ou participativa, deveríamos reconstruir e aperfeiçoar nossa mais que imperfeita democracia representativa”271. A fala do autor permite demonstrar que o modelo hegemônico, ainda está muito arraigado em alguns membros do Congresso Nacional, o que não permite o avanço e a concretização dos mecanismos de participação cidadã. O PL nº 4.718/04 deixa isso ainda mais claro. Essa proposta foi apresentada em novembro de 2004, na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Defesa da República e da Democracia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), presidida por Fábio Comparato e foi acolhida, na íntegra, pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara de Deputados, que a transformou em PL.272 As principais inovações deste PL referem-se à possibilidade de convocação de referendos por iniciativa popular, mediante subscrição de 1% dos 270 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 80 de 20 de outubro de 2003. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2013; BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 82 de 05 de novembro de 2003. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2013; BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 75 de 09 de dezembro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2013. 271 BRASIL. Direito de eleitores revogarem mandatos gera controvérsia em audiência. Agência Senado, 2009. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2013. 272 BRASIL. Relator na Câmara acolhe projeto da OAB sobre plebiscitos. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2013. 103 eleitores; a obrigatoriedade de realização de referendo para leis que versem sobre matéria eleitoral e não tenham sido de iniciativa popular e; a possibilidade de revogação de mandatos de representantes.273 Embora muito importante para a consolidação da democracia participativa, este PL foi alvo de duras críticas, principalmente por Bolívar Lamounier274, que acredita na necessidade da permanência de certos formalismos, referindo-se a representação política, e encara a iniciativa como uma afronta ao instituto representativo.275 A divergência de opiniões sobre a importância dos mecanismos de participação e da aprovação do PL apresentado gerou uma série de debates entre Fábio Comparato, Cezar Britto e Bolívar Lamounier. No primeiro artigo intitulado “Delegados do povo ou donos do poder?”, Comparato faz uma defesa da proposta, afirmando que os opositores de tal proposição não a leram ou a interpretaram mal. Ele afirma que tal iniciativa pretende fazer com que os mecanismos deixem de ser retóricas constitucionais. Além disso, o autor ressalta uma questão importante, que comprova a persistência e força da lógica da democracia elitista no Brasil: “ninguém no meio político ousa dizer-se de direita ou antidemocrata, mas quase todos continuam plenamente convencidos de que o povo é, por natureza, incapaz de exercer a soberania”276. Em resposta, Lamonier afirma que a OAB pretende disponibilizar ao Poder Executivo a “mortífera arma do plebiscito”, que só por existir causa efeitos catastróficos. Afirma ainda, que o PL pretende abolir a representação. Além disso, 273 BRASIL. Projeto de Lei nº 4.718 de 2004. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2013, p. 3-5. 274 Bolívar Lamounier é doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia e consultor de empresas. Em 1996, participou do Conselho Consultivo sobre a Reforma do Estado, sendo designado por FHC, para contribuir para a implementação da Reforma Gerencial no Brasil (que deu início à política de privatizações). É conhecido por defender consistentemente a democracia representativa e a manutenção de suas instituições (LAMONIER, Bolívar. Procurando Rousseau, encontrando Chávez. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013.). 275 LAMONIER, Bolívar. Representação política: a importância de certos formalismos. In: LAMONIER, Bolívar; WEFFORT, Francisco C.; BENEVIDES, Maria Victoria (orgs). Direito, cidadania e participação. São Paulo: T. A. Queiroz, 1981. 276 COMPARATO, Fábio Konder. Delegados do povo ou donos do poder? Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 104 ele entende que a revogação de mandatos permitirá a imposição de uma ditadura nos moldes venezuelanos.277 Defendendo-se das acusações, Comparato afirma que o Brasil manteve por muito tempo, uma democracia sem povo e que o PL pretende incluir os cidadãos na tomada de decisão, a fim de fortalecer a democracia. O autor estranha ainda, que Lamounier e outros críticos do PL, manifestem preocupação com a implementação da participação cidadã, mas não pareçam preocupados com a situação econômica e social do país.278 Não convencido Lamounier continua a afirmar que a proposta da OAB é uma afronta à representação política e optou por “jogar fora o bebê com a água do banho”. Para o autor, a proposta confere muitos poderes ao Poder Executivo e torna o Legislativo um “pedinte andrajoso”. Afirma ainda, que a iniciativa pretende possibilitar a intervenção popular, em uma escala jamais vista anteriormente.279 Em uma tentativa de explicar o verdadeiro objetivo do PL da OAB, Cezar Britto afirma que, o objetivo não é conceder poderes ao Executivo, mas sim fortalecer o Congresso e tornar o povo ativo em relação às questões políticas. Além disso, o autor ressalta que a revogação de mandatos pretende resolver ou diminuir os problemas das instituições representativas.280 Por fim, Lamounier insiste em afirmar que a proposta pretende afastar as instituições representativas. O autor argumenta que pode entender e aceitar a utilização esporádica de mecanismos de participação para algumas decisões, que não sejam complexas, como o são as questões políticas, econômicas, privatizações e sistema de governo. Além disso, o autor afirma ser completamente contrário a 277 LAMOUNIER, Bolívar. Procurando Rousseau, encontrando Chávez. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 278 COMPARATO, Fábio Konder. Quem tem medo do povo? Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 279 LAMOUNIER, Bolívar. O bebê e a água do banho. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 280 BRITTO, Cezar. Democracia com povo e sem golpe. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 105 possibilidade de revogação de mandatos, o que comprometeria o sistema representativo.281 Tal debate permitiu demonstrar que, o Brasil ainda está muito envolvido pela lógica liberal representativa e, é justamente isso, que impede a concretização da democracia semidireta no país. Para reforçar essa ideia, importa referir a PEC nº 26/06, de autoria do Senador Sérgio Zambiasi, que pretende modificar CRFB/88, para permitir que plebiscitos sejam convocados pela população. Esta PEC também causou polêmica e discussão. Nesse sentido, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Demóstenes Torres, do Partido dos Democratas de Goiás (DEM/GO), afirmou ser totalmente contra a PEC. Para ele, a elaboração das leis é função dos parlamentares que são eleitos para isso, motivo pelo qual a consulta popular deve ser esporádica e não utilizada para questões legislativas complexas, pois isso geraria instabilidade jurídica e desmoralizaria o Congresso Nacional e a própria democracia representativa. No mesmo sentido, manifestaram-se os senadores Antonio Carlos Junior, do DEM da Bahia (BA) e Álvaro Dias, do Partido da Social Democracia Brasileira do Paraná (PSDB/PR). É possível verificar que, a não utilização (ou utilização esporádica) dos instrumentos de participação cidadã no Brasil, se deve a um discurso ainda muito arraigado, no sentido de que os representantes são eleitos para tomar as decisões e, dessa forma, a participação cidadã em questões complexas, prejudica os institutos representativos e a própria democracia. O Congresso Nacional conta com muitos representantes que se guiam pela lógica representativa liberal, o que acaba impedindo a concretização de leis que pretendam avançar na regulamentação dos mecanismos de democracia semidireta.282 281 LAMOUNIER, Bolíviar. Ao inferno à procura de luz. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 282 Para reforçar a ideia de que muitos parlamentares no Brasil têm medo da participação popular e a consideram uma afronta à representação, pode-se citar as reações a proposta da presidente Dilma Rousseff, do PT, no sentido de realizar um plebiscito para consultar o povo sobre uma Constituinte específica para a Reforma Política. Tal sugestão surgiu em resposta à onda de manifestações de junho de 2013, que reivindicavam diversos temas, como por exemplo, o combate a corrupção. Em seu pronunciamento, a presidente, propôs cinco pactos envolvendo: responsabilidade fiscal; o plebiscito para verificar a vontade da população na criação de uma Constituinte específica para a 106 Para tentar demonstrar que a utilização dos mecanismos de participação cidadã é possível, desde que haja ao menos, uma flexibilização do modelo hegemônico de democracia, o próximo tópico apresenta alguns exemplos em que os mecanismos são utilizados de forma efetiva. 3.3 A PARTICIPAÇÃO É POSSÍVEL: UTILIZAÇÃO DOS MECANISMOS Importa referir que, este trabalho não tem a pretensão de esgotar todos os casos de participação cidadã ou mesmo, os casos aqui analisados, bem como não pretende realizar uma discussão de todos os elementos que eles carregam. O objetivo é apenas, demonstrar que a participação popular pode ser concretizada Reforma Política e o combate a corrupção, que seria transformada em crime hediondo; saúde; educação e; transporte público (MONTEIRO, Tânia; MOURA, Rafael Moraes; ROSA, Vera; DOMINGOS João. Em reunião com governadores, Dilma defende plebiscito para reforma política. Estadão, Política, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013.). Após o discurso, houve muita polêmica sobre a Constituinte, que não está prevista na Constituição e iria contrariá-la e permitir a realização de Constituintes específicas para qualquer tema (BRISCIANI, Eduardo; RECONDO, Felipe. Proposta é mal recebida no STF e no Congresso. Estadão, Política, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013.). Diante da confusão, a presidente deixou de lado a ideia da Constituinte e passou a defender apenas o plebiscito para a definição dos temas da reforma política, o que também gerou controvérsias. A oposição afirmou que a proposta do plebiscito serve para desviar a atenção popular de questões realmente relevantes como saúde e educação (BRISCIANI, Eduardo; RECONDO, Felipe. Proposta é mal recebida no STF e no Congresso. Estadão, Política, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013.). A maior parte dos parlamentares entende que a reforma política poderia ser submetida a referendo, mas não a plebiscito, pois limitaria a atuação parlamentar. (BRASIL. Oposição critica propostas da presidente Dilma Rousseff. Agência Senado, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013.). Para Francisco Dornelles, do Partido Progressista (PP-RJ): “O Plebiscito pode se tornar um golpe, sim. Um golpe contra as instituições, dependendo da maneira que for feita a cédula, o assunto do plebiscito, a complexidade.” (BRASIL. Dornelles teme que plebiscito se transforme em golpe. Agência Senado, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013.). Para José Agripino, do DEM do Rio Grande do Norte (RN): “a reforma política poderia ser aprovada no Congresso por meio de projetos de lei, dispensando a necessidade de plebiscito ou de convocação de Constituinte.” (BRASIL. Oposição critica propostas da presidente Dilma Rousseff. Agência Senado, 2013. Disponível em? . Acesso em: 11 nov. 2013.). A oposição uniu-se e apresentou um conjunto de propostas em relação ao combate a corrupção, saúde, educação, etc. Embora tais propostas sejam válidas e mereçam atenção, o importante é perceber que elas não abordam nenhuma forma de permitir a interferência dos cidadãos na tomada de decisão.( BRASIL. Oposição critica propostas da presidente Dilma Rousseff. Agência Senado, 2013. Disponível em? . Acesso em: 11 nov. 2013.). 107 através dos mecanismos de democracia semidireta e pode servir como uma forma de controlar as medidas governamentais. Para isso, optou-se por abordar como exemplos os seguintes casos: Islândia, União Europeia (UE), Uruguai, Bolívia, Equador e Venezuela, a empresa de telefonia Sercomtel de Londrina, no Brasil e o caso de referendo para a privatização de estatais em Minas Gerais (MG) e Santa Catarina (SC), também no Brasil. Tais exemplos permitem demonstrar que os mecanismos de democracia semidireta não se restringem a um contexto específico, ou seja, eles podem ser aplicados em países com diferenças geográficas, culturais e econômicas, bem como podem ser utilizados em diferentes âmbitos: nacional, estadual, municipal e, até mesmo, por um bloco de países. 3.3.1 Islândia: Revolução Democrática No início do século XX, a Islândia era considerado o país mais pobre da Europa. Nos anos oitenta, sob liderança de um governo conservador, o país passou a adotar políticas neoliberais, como por exemplo, redução de impostos e privatização de empresas estatais. O auge do neoliberalismo ocorreu, contudo, no século XXI (a partir de 2003), quando a Islândia privatizou o seu sistema bancário283 e “com apenas 320 mil habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos”284. Embora o país tenha progredido com a adoção dessas medidas, com a crise bancária e financeira de 2007/2008 nos Estados Unidos, ele foi um dos primeiros a sofrer as consequências. Os bancos quebraram, deixando uma dívida superior a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e muitos desempregados.285 283 PÉREZ, Claudi. A Islândia põe os seus banqueiros na prisão. Carta Maior, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 284 SANTAYANA, Mauro. O plebiscito islandês e os silêncios da mídia. Opera Mundi, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 285 AGUIAR, Flávio. Islândia: uma lição de democracia. Jornal Sul 21, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 108 Os três principais bancos privados da Islândia eram o Landsbanki, o Glitnir e o Kaupthing, que ficavam concentrados em Reykjavik, a capital Islandesa. O primeiro banco inventou um sistema conhecido como Icesave, que consistia em um serviço on line, com o objetivo de atrair depósitos oferecendo, para tanto, taxas de juros muito atrativas. O sistema era adotado no Reino Unido e na Holanda, onde conquistou muitos investidores. 286 Com a falência do sistema bancário Islandês, o governo Britânico e o Holandês reembolsaram os depósitos estrangeiros realizados pelo sistema Icesave e passaram a cobrar a dívida da Islândia.287 O país pediu ajuda ao FMI, que ofereceu um empréstimo de US$ 2,1 bilhões, mas, por outro lado, apoiou a reivindicação britânica e holandesa e sustentou o pagamento das dívidas. Os cidadãos passaram a realizar grandes protestos contra o governo Islandês, motivo pelo qual, em janeiro de 2009, foi convocada uma eleição antecipada e, antes mesmo de sua ocorrência, o primeiro Ministro e seu governo conservador foram retirados do poder. Em abril, foram realizadas eleições, onde assumiu um governo de esquerda.288 O novo governo foi pressionado, no sentido do pagamento da dívida e, após muitas negociações, apresentou uma proposta ao Parlamento que foi transformada em lei e ficou conhecida como a Lei Icesave, que obrigava a população Islandesa a pagar a dívida realizada pelo banco privado (pagamento em 15 anos a 5,5% de juros). Tal medida teve total desaprovação dos Islandeses, motivo pelo qual, a onda de protestos cresceu intensamente. Nesse contexto de muita pressão popular, o presidente Olafur Grímsson, decidiu não aprovar a lei sem antes submetê-la a consulta popular, motivo pelo qual, em março de 2010, foi realizado um referendo, 286 SIGURGEIRSDÓTTIR, Silla. Islandeses votam contra banqueiros. Le Monde Diplomatique. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 287 PÉREZ, Claudi. A Islândia põe os seus banqueiros na prisão. Carta Maior, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 288 PÉREZ, José Antonio. Islândia, Winsconsin: Outra rebelião é possível. Esquerda.net, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 109 em que 93% da população islandesa rejeitou a medida, impedindo a concretização da lei.289 Contudo, como a pressão dos britânicos, holandeses e do FMI persistiu, o governo fez uma nova proposta mais vantajosa, onde os islandeses pagariam a dívida em 37 anos a juros de 3%. Então, em 2011 novamente, o presidente submeteu a proposta a referendo popular, que foi rejeitada por, aproximadamente, 60% da população.290 Questionado sobre a situação islandesa, o presidente, que sempre apoiou o sistema capitalista e as medidas neoliberais, afirmou que a crise do país não era uma crise somente econômica, mas também política e que as pessoas não poderiam ser obrigadas a pagar pelo erro dos bancos e, por isso, deveriam decidir sobre essa questão.291 Como bem afirmou o presidente, a crise de 2007/2008 era, não só econômica, mas política e serviu para evidenciar a necessidade de mudar a base política do país, motivo pelo qual, em novembro de 2009, a primeira ministra Johanna Sigurdardottir, respondendo as manifestações populares, encaminhou ao Parlamento um PL para a realização de uma Assembleia Constituinte consultiva, com o objetivo de elaborar uma nova Constituição.292 Importa ressaltar que a 289 PÉREZ, José Antonio. Islândia, Winsconsin: Outra rebelião é possível. Esquerda.net, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 290 ISLÂNDIA. “Propaganda sobre o referendo de 09 de abril de 2011”. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2013; PÉREZ, Claudi. A Islândia põe os seus banqueiros na prisão. Carta Maior, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013; LAMRANI, Salim. Islândia mostrou o caminho ao rechaçar a austeridade. Opera Mundi, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09. jul. 2013. 291 PÉREZ, Claudi. “As pessoas não devem ter de pagar pelas loucuras dos bancos”. Esquerda.net, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 292 ISLÂNDIA. “O Conselho Constitucional: informações gerais”. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2013. 110 Constituição da Islândia é de 1944 e representa uma cópia da Constituição da Dinamarca.293 A lei foi aprovada e, em novembro de 2010, houve uma eleição que selecionou 25 membros para a Assembleia (os candidatos não pertenciam a partidos políticos, podendo concorrer desde que fosse apoiado por, pelo menos, trinta pessoas). Nesse mesmo mês, foi realizado o Fórum Nacional, com o objetivo de recolher sugestões da população para a elaboração da Constituição.294 Em janeiro de 2011, as eleições para a Assembleia Constituinte foram invalidadas pelo Supremo Tribunal islandês e foi criado um Conselho Constitucional, encarregado de redigir o texto. Aqueles que foram eleitos para a Assembleia Constituinte (os 25 delegados), tiveram um assento garantido no Conselho, não invalidando a decisão dos cidadãos, bem como permitindo o aproveitamento de tudo o que já havia sido realizado. Para redigir o texto Constitucional, o Conselho considerou as opiniões dos cidadãos no Fórum Nacional de 2010. Além disso, houve ampla participação da população, principalmente através da rede social conhecida por Facebook295, onde os indivíduos ficavam em contato direto com os responsáveis pela elaboração da Constituição, acompanhavam a evolução do texto e mandavam sugestões.296 Após o Conselho ter apresentado as propostas da nova Constituição, o Parlamento islandês optou por submetê-las a referendo, que foi realizado em 20 de outubro de 2012 e consistia em seis perguntas297: 1) Se a proposta apresentada deveria ser a base da Nova Constituição. Sim, 66,3%, Não, 33,7%. (O Partido Independente, do antigo governo conservador, pediu o “Não”). 293 TOSTI, Jean. Quando a Islândia reinventa a democracia. Esquerda.net, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 294 ISLÂNDIA. “O Conselho Constitucional: informações gerais”. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2013; TOSTI, Jean. Quando a Islândia reinventa a democracia. Esquerda.net, 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2013. 295 Deve-se ressaltar a importância das redes sociais e da internet, que podem permitir a interação de um número acentuado de pessoas, não só em localidades pequenas como a Islândia, mas também em países maiores. 296 ISLÂNDIA. “O Conselho Constitucional: informações gerais”. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2013. 297 ISLÂNDIA. “O referendo de 20 de outubro de 2012”. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2013. 111 2) Se os recursos naturais deveriam ser estatizados. Sim, 82,5%, Não, 17,5%. 3) Se o Estado deveria ter uma religião oficial (no caso, a Luterana). Sim, 57,5%, Não, 42,5%. 4) Se deveria ser permitida a eleição de indivíduos sem partido para o Parlamento. Sim, 77,9%, Não, 22,1%. 5) Se o peso dos votos deveria ser igualmente distribuído pelo país. Sim, 63,2%, Não, 36,8%. 6) Se um grupo numericamente considerável de cidadãos deveria ter o 298 poder de pedir referendos. Sim, 72,2%, Não, 27,8%. Embora o referendo não tenha tido efeito vinculante e o texto Constitucional ainda aguarde aprovação do Parlamento para entrar em vigor, este exemplo permite evidenciar como a participação popular pode ser utilizada para controlar as decisões dos representantes. Assim, o caso da Islândia permite refletir sobre a importância da pressão da população para interferir nas medidas adotadas pelos seus governantes. Permite ainda, perceber que os mecanismos de participação cidadã podem ser utilizados, desde que a lógica hegemônica seja flexibilizada. Foi exatamente o que aconteceu neste caso, onde a aplicação do modelo neoliberal estava desgastada e os seus efeitos fizeram com que a população se organizasse e pressionasse os representantes, que foram obrigados a adotar certas medidas, como a realização de referendo e da nova Constituição. Os referendos realizados na Islândia demonstram ainda, que a participação cidadã, a partir de mecanismos de democracia semidireta podem impedir, efetivamente, algumas decisões políticas que não são favoráveis ao povo, como o pagamento de uma dívida contraída por bancos privados. No que se refere ao novo texto Constitucional, o mais importante é perceber a importância de redes sociais e da internet para a inclusão dos cidadãos na vida política do seu país. Embora a Islândia represente um país muito pequeno, a utilização de redes sociais para a participação popular pode ser adaptada e estendida a outras localidades maiores, como o Brasil, por exemplo. O fato de o texto não ter sido aprovado até o presente momento, reflete que o desgaste liberal está se enfraquecendo novamente, permitindo a utilização de manobras políticas para impedir que, um texto que adote a participação popular como ideal, não entre 298 AGUIAR, Flávio. Islândia: uma lição de democracia. Jornal Sul 21, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 112 em vigor. Ainda assim, o momento particular que a Islândia viveu serve de exemplo de que a participação cidadã pode se concretizar. 3.3.2 União Europeia: os Mecanismos de Participação como Obstáculo à Concretização de Decisões? A UE é uma “parceria econômica e política com características únicas, constituída por 28 países europeus, que, em conjunto, abarcam uma grande parte do continente europeu”299. Ela é regida através de tratados aprovados por todos os países integrantes desse bloco. O Tratado da UE, conhecido como Tratado de Maastricht, assinado em fevereiro de 1992, foi o responsável por tornar o bloco uma união política. Mas, para isso, todos os países integrantes deveriam ratificá-lo.300 O caso mais simbólico foi o da Dinamarca, já que foi realizado um referendo em 1992, para verificar a opinião da população sobre a aderência a UE, o que foi rejeitado.301 Para atingir seus objetivos, o bloco admitiu estabelecer algumas cláusulas de exceção, referente a quatro assuntos (cidadania; união econômica e monetária; política de defesa e justiça e; assuntos internos), atendendo as exigências da Dinamarca. Após a adoção dessas cláusulas, foi realizado um novo referendo, em maio de 1993, dessa vez com resultado positivo.302 Com a ratificação de todos os países membros, o Tratado de Maastricht entrou em vigor em 01 de novembro de 1993.303 Importa ressaltar ainda, que a Noruega não faz parte da UE, por rejeição da sua população, pois em 1972 foi realizado um referendo, a fim de consultar os 299 EUROPA. Informações de base sobre a União Europeia. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 300 EUROPA. Tratados da UE. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 301 EUROPA. A União Europeia: o processo de integração e a cidadania europeia. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 302 EUROPA. A Dinamarca e o Tratado da União Europeia. Jornal Oficial nº C 348 de 31/12/1992. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013; EUROPA. A União Europeia: o processo de integração e a cidadania europeia. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 303 EUROPA. Tratados da UE. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 113 cidadãos sobre a adesão ao bloco, tendo resultado negativo. Em 1994 houve um novo referendo e, novamente, os noruegueses se opuseram a adesão. Por esta razão, a Noruega até hoje está fora da UE e, embora mantenha com essa acordos comerciais, o país não usufrui da sua estrutura e de seus efeitos políticos e econômicos em geral.304 Outra questão importante referente à UE é a Constituição Europeia. Em outubro de 2005, os chefes de Estado assinaram um tratado que estabelecia uma Constituição para Europa, que pretendia substituir todos os tratados acumulados durante 50 anos pelo bloco. Tal Constituição deveria ser assinada por todos os membros da UE, que poderiam ratificá-la pela via parlamentar (aprovação do Parlamento) ou por meio de referendo (aprovação popular). 305 O “Quadro 4 – Processo de Ratificação da Constituição Europeia” demonstra como os países optaram por ratificar o texto Constitucional. A França e Países Baixos (Holanda) que optaram pela via referendaria, obtiveram resultados negativos. Após essa rejeição, os Chefes de Estado decidiram, em junho de 2005, lançar um período de reflexão sobre o futuro da Europa e, em outubro de 2005, foi criado o “Plano D – Democracia, Diálogo e Debate”, a fim de debater a situação da Europa com toda a sociedade. Enquanto isso, o processo de ratificação continuou em alguns Estados.306 Contudo, com os resultados negativos na França e na Holanda, a Dinamarca e Portugal, que já haviam se decidido sobre a ratificação pela via do referendo, adiaram a realização da consulta, enquanto o Reino Unido, Polônia, Irlanda e República Tcheca, que ainda não tinham decidido a forma de ratificação, ficaram em dúvida quanto a consulta popular. A Suécia e a Finlândia, já haviam se decidido pela via parlamentar, mas não chegaram a concluir o processo.307 304 EUROPA. União Europeia. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 305 EUROPA. Uma Constituição para a Europa. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 306 EUROPA. “Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa”. Eurofund, 2010. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013. 307 EUROPA. “Tabela Resumo: procedimentos previstos para a ratificação da Constituição Europeia”. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013; DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 141. 114 Em 2007 a Constituição foi abandonada, motivo pelo qual o processo de ratificação não foi concluído na Dinamarca, Irlanda, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Finlândia e Suécia.308 País Alemanha Áustria Bélgica Chipre Quadro 4 – Processo de Ratificação da Constituição Europeia Forma de ratificação Data da ratificação Aprovação parlamentar 12/05/2005 (pelo Bundestag) e 27/05/2005 (pelo Bundesrat) Aprovação parlamentar 11/05/2005 (pelo Nationalrat) e 25/05/2005 (Bundesrat) Aprovação parlamentar 28/04/2005 (pelo Senado) e 19/05/2005 (pela Câmara) Aprovação parlamentar 30/06/2005 (pelo Parlamento) Dinamarca ---- ---- Eslováquia Aprovação parlamentar 11/05/2005 (pelo Parlamento) Eslovênia Aprovação parlamentar 01/02/2005 (pelo Parlamento) Espanha Referendo consultivo Aprovação parlamentar Estônia Aprovação parlamentar Finlândia e ---- 20/02/2005 (por referendo), 28/04/2005 (pelo Congresso) e 18/05/2005 (pelo Senado) 09/05/2006 (pelo Parlamento) ---- França Referendo Constituição rejeitada em 29/05/2005 Grécia Aprovação parlamentar 19/04/2005 (pelo Parlamento) Hungria Aprovação parlamentar 20/12/2004 (pelo Parlamento) Irlanda ---- ---- Itália Aprovação parlamentar Letônia Aprovação parlamentar 25/01/2005 (pela Câmara) e 06/04/2005 (pelo Senado) 02/06/2005 (pelo Parlamento) Lituânia Aprovação parlamentar 11/11/2004 (pelo Parlamento) Luxemburgo Malta Referendo consultivo Aprovação parlamentar Aprovação parlamentar Países Baixos Referendo e 28/06/2005 (pela Câmara) e 10/07/2005 (por referendo) 06/06/2005 (pelo Parlamento) Constituição rejeitada em 01/06/2005 Polônia ---- ---- Portugal ---- ---- 308 EUROPA. Uma Constituição para a Europa. Disponível . Acesso em: 18 set. 2013. em: 115 Reino Unido ---- ---- República Checa ---- ---- Suécia ---- ---- Fonte: sistematizado pela autora com base nos dados disponíveis em: EUROPA, “Tabela Resumo: procedimentos previstos para a ratificação da Constituição Europeia”; DASSO JÚNIOR, Aragon, 2006, p. 141. Após o período de reflexões, em dezembro de 2007 foi assinado o Tratado de Lisboa que se caracterizou como um caminho alternativo utilizado para atingir os objetivos da UE, após a rejeição da população da França e da Holanda em relação à Constituição. Nesse sentido, Diego Paes309 afirma que não existem diferenças substanciais entre o texto da Constituição e do Tratado, onde a maior distinção é que, este último, não é uma Constituição propriamente dita. Novamente, havia a necessidade de ratificação do Tratado por todos os países, onde somente a Irlanda optou pela ratificação pela via do referendo. Para Paes310 a não utilização do referendo demonstra o medo, por parte dos países, de desaprovação do Tratado de Lisboa. Contudo, a justificativa geral utilizada para não chamar o referendo foi que, não existia necessidade de consulta popular, na medida em que o Tratado é apenas uma emenda aos Tratados já adotados pela UE. A Dinamarca se justificou, afirmando que não haveria perda da soberania do país. Contudo, Paes acredita que o Tratado implicou sim, em redução da soberania dos seus países membros.311 309 PAES, Diego Cristóvão Alves de Souza. Irlanda vota contra o Tratado de Lisboa. 2008. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013, p. 1-2. 310 PAES, Diego Cristóvão Alves de Souza. Irlanda vota contra o Tratado de Lisboa. 2008. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013, p. 2-3. 311 Após a entrada em vigor do Tratado, houve ações judiciais, em alguns países, sobre a não realização de referendo, o que ocorreu na Dinamarca, por exemplo, onde um grupo de dinamarqueses processou o primeiro-ministro Lars Lokke Rasmussen. Não há ainda decisão da Suprema Corte dinamarquesa a esse respeito. Na Alemanha, também houve reclamação e o Tribunal Constitucional Federal Alemão decidiu sobre a constitucionalidade do Tratado de Lisboa. Tais fatos demonstram que a população de alguns países desejava a realização de referendo e a sua não utilização no processo de ratificação do Tratado de Lisboa deve-se ao medo generalizado da participação popular que pode impedir que certas medidas sejam adotadas pelos representantes (DINAMARCA. “Supremo Tribunal Federal e a Constituição”. Berlingske, 2011. Disponível em: 116 Em junho de 2008, o referendo foi realizado na Irlanda312 e teve resultado negativo. Contudo, como a UE não pretendia começar tudo novamente, a estratégia do presidente da Comissão Europeia foi emitir uma declaração ao povo irlandês, explicando os objetivos do tratado e garantindo que questões internas ficariam sob o controle do Estado, o que surtiu resultado positivo no referendo de outubro de 2009 e permitiu a concretização do Tratado de Lisboa.313 Os casos analisados de utilização do referendo na UE, tanto para a adesão ao bloco, como para aprovação da Constituição ou do Tratado de Lisboa, demonstram a força dos mecanismos de participação popular, na medida em que a sua aplicação pode impedir um bloco dotado de muito poder, de concretizar seus objetivos, obrigando-o a tomar medidas alternativas. O caso da Noruega é o mais representativo, pois mesmo que o país tenha desejo de se vincular a UE, é impedido de fazê-lo por sua população, o que comprova que o referendo, bem como os demais mecanismos, pode ser utilizado para impedir que os representantes tomem decisões em desacordo com o povo que o legitima. Tal exemplo permite demonstrar ainda, que a utilização dos instrumentos de participação não se restringe a determinado âmbito, podendo ser aplicado inclusive para blocos econômicos e políticos, ou seja, não existem limitações territoriais quanto à adoção de tais mecanismos. 3.3.3 Uruguai: Referência na Utilização de Consultas Populares Importa observar o caso uruguaio, na medida em que o Uruguai é um dos países da América Latina com maior tradição na utilização de mecanismos de . Acesso em: 09 out. 2013; CEIA, Eleonora Mesquita. A decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão sobre a constitucionalidade do Tratado de Lisboa. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n. 49, p. 89-107, 2009, p. 98107.). 312 Importa referir que, em 2001 a Irlanda realizou um referendo sobre o Tratado de Nice, que objetivava a expansão dos membros da UE em direção ao leste europeu e o referendo foi negativo. Em 2002, outro referendo foi realizado e teve resultado positivo (PAES, Diego Cristóvão Alves de Souza. Irlanda vota contra o Tratado de Lisboa. 2008. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013, p. 4). 313 PAES, Diego Cristóvão Alves de Souza. Irlanda vota contra o Tratado de Lisboa. 2008. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2013, p. 3-4. 117 participação cidadã. Por essa razão, este trabalho analisa alguns exemplos de consultas populares no país. A Constituição Uruguaia é de 1963 e foi emendada em 1989, 1994, 1996 e 2004. Importa observar que, todas essas emendas foram aprovadas via plebiscito, pela população uruguaia, o que é exigência Constitucional. O texto Constitucional prevê a participação popular através de referendo, iniciativa popular e plebiscito. Ao povo é garantida ainda, a possibilidade de interpor referendo contra leis, desde que dentro de um ano da aprovação da lei e da subscrição da proposta por 25% do total de eleitores.314 Pode-se perceber que as disposições constitucionais do país, não só garantem a utilização de mecanismos de participação, como também possibilitam a sua efetiva utilização, pela forma como são regulamentados. Uma consulta importante foi o plebiscito de 1980, realizado sob a ordem militar (1973-1985) que concebeu as bases para a restauração do regime democrático no Uruguai. O plebiscito de 1980 foi uma manobra utilizada pelos militares, na tentativa de institucionalizar o projeto político autoritário, através da aprovação em plebiscito, da Constituição militar. A consulta gerou efeitos contrários aos esperados, permitindo o fortalecimento e organização da oposição ao regime autoritário. Os militares passaram a negociar com os opositores, contudo, a forma como o regime militar regulamentou os partidos políticos e os movimentos sociais acabaram por servir de base para o restabelecimento democrático.315 Em 1992 ocorreu um referendo, requerido pela população uruguaia em relação às privatizações. Assim, em dezembro de 2003, aproximadamente, 72% dos cidadãos se opuseram a parte da lei de privatizações, inviabilizando a privatização de empresas estatais.316 Para Eduardo Galeano317 uma postura realmente 314 URUGUAI. Constitución (1967). Constitución de la Republica de 1967, com las modificaciones plebiscitadas el 26 de noviembre de 1994, el 08 de diciembre de 1996 y el 31 de octubre de 2004. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013. 315 ROMERO, María José. Plebiscitos y reglas de juego em la transición a la democracia: Chile y Uruguay. Revista Uruguaya Ciencia Política, v.18 n.1, Uruguai, 2009. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013. 316 CAPELÁN, Andrés. Primer round para los privatizadores. América Latina em Movimiento. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013; NYMARK, Johannes. ¿Adónde va la nueva izquierda en América Latina?. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013. 118 democrática seria a realização em todos os países, de plebiscito para privatização de empresas estatais, já que tal medida compromete o destino de muitas gerações. Outra consulta popular relevante no país, foi o referendo de dezembro de 2003, também solicitado pela população, como oposição a lei que “autorizava a Administración Nacional de Combustibles, Alcohol y Pórtland (Ancap) a associar-se com empresas privadas e eliminava o monopólio para a importação de combustíveis”318. Aproximadamente 72% dos cidadãos se manifestaram contra a lei, que foi revogada. Por fim, um exemplo extremamente importante da utilização dos mecanismos no Uruguai, é o caso do plebiscito de outubro de 2004, referente a uma PEC. O assunto objeto de consulta era da mais alta relevância: a privatização dos serviços de abastecimento de água potável e de saneamento. Menezes319 explica que a emenda “surgiu em resposta à assinatura de uma carta de intenções entre o governo uruguaio e o FMI, na qual o país se comprometia a estender a privatização a estes setores”. A população votou contra a EC “confirmando que a água, recurso natural escasso e finito, deve ser um direito de todos e não um privilégio daqueles que podem pagá-lo”320. Ainda em 2004, o Uruguai presenciou um importante momento para o avanço democrático: a ascensão do partido de esquerda Frente Ampla, que representou o fim de um sistema onde dois partidos revezavam no poder.321 317 GALEANO, Eduardo. Eleição e plebiscito no sul da América: águas de outubro. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013. 318 MENEZES, Daiane Boelhouwer. Consultas populares e instituições políticas na América do Sul: os referendos e os plebiscitos da Venezuela. Colômbia, Uruguai, Bolívia e Brasil. In: III Seminário Internacional Organizações e Sociedade: Inovações e Transformações Contemporâneas, 2008, Porto Alegre, Anais do evento. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 8. 319 MENEZES, Daiane Boelhouwer. Consultas populares e instituições políticas na América do Sul: os referendos e os plebiscitos da Venezuela. Colômbia, Uruguai, Bolívia e Brasil. In: III Seminário Internacional Organizações e Sociedade: Inovações e Transformações Contemporâneas, 2008, Porto Alegre, Anais do evento. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 8. 320 GALEANO, Eduardo. Eleição e plebiscito no sul da América: águas de outubro. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013. 321 SADER, Emir. O novo Uruguai. Carta Maior, 2004. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013; GALEANO, Eduardo. Eleição e plebiscito no sul da América: águas de outubro. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2013. 119 O Uruguai foi utilizado como exemplo, na medida em que tal país possui uma forte tradição de consultas populares e flexibilização da lógica liberal representativa. Dos casos analisados, o Uruguai é o que apresenta taxas mais altas de participação nas consultas populares. Isso ocorre, pois tal participação é incentivada há muito tempo, criando o hábito nos cidadãos. Esse exemplo aponta que os argumentos em relação à falta de costume do povo em participar e a sua “aversão” a tal participação, são simples desculpas para não permitir o fortalecimento da democracia semidireta, na medida em que a utilização constante de consultas incentiva e desperta nos cidadãos o desejo de se envolver nas questões políticas do seu país. 3.3.4 Bolívia, Equador e Venezuela: Reformas Constitucionais Os três países serão analisados em conjunto, na medida em que possuem trajetórias semelhantes de reformulação democrática, no sentido de ascensão ao poder de um líder de esquerda, convocação de uma Assembleia Constituinte, eleição para essa Assembleia e a submissão do novo texto a referendo. Isso ocorreu, respectivamente, na Venezuela a partir de 1998, na Bolívia desde 2005 e, por fim, no Equador de 2006 em diante. Vergueiro322 explica que os objetivos dos três países ao modificarem a sua base política (a Constituição) eram: reformular a sua política, eliminar as diferenças de classes e aumentar a inclusão social. A Venezuela foi a primeira a tentar redemocratizar o seu país, com a eleição de Hugo Chávez em 1998. A vitória de Chávez representou o fim do Pacto de Punto Fijo, que estabeleceu as regras para a criação da democracia no país, em 1958. Desde então, o sistema político estava concentrado em dois partidos, que alternavam no poder, desgastando as instituições representativas.323 Chávez surgiu, portanto, como uma esperança de mudar essa situação.324 322 VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 34. 323 VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em 120 A Bolívia foi a segunda a realizar uma mudança na sua base política, que começou com a eleição de Evo Morales, o primeiro presidente indígena do país. Após passar por, aproximadamente, duas décadas de ditadura militar, o país reconquistou seus preceitos democráticos em 1981, mas a partir de 1993 passou a ser palco da aplicação do modelo neoliberal, o que o transformou em uma democracia de mercado.325 Tal cenário desgastou o país e provocou grande insatisfação popular. Após a renúncia de dois presidentes, Evo Morales assumiu o poder, nas eleições de 2005326, representando uma nova esperança para a população indígena e para a redemocratização boliviana.327 Em 2006, quando Rafael Correa chega à presidência, o Equador se torna o terceiro a realizar a sua reforma política. Após um longo tempo de ditadura militar, se restaurou a democracia representativa no país. Contudo, o período de 1997 a 2005, foi marcado por discriminação dos povos indígenas e governos altamente corruptos, motivo pelo qual houve um desgaste das instituições representativas. A prova disso foi que, entre o período citado, houve a destituição ou renúncia de três presidentes.328 Foi nesse contexto de crise representativa, insatisfação popular e Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 36. 324 Hugo Chávez foi eleito em um momento de insatisfação popular com as instituições representativas. Chávez era militar, participou de diversos movimentos e se uniu com grupos civis, para mudar a situação do país. Em fevereiro de 1992, tentou assumir o poder, através de um golpe de Estado, para reconstruir o país, não de forma autoritária, mas de maneira a retirar o poder das mãos da elite dominante e reformular a ordem política, em busca de maior igualdade para a população. A intervenção militar foi derrotada doze horas após iniciada. Contudo, o líder político não foi derrotado completamente, pois assumiu, em rede nacional, a sua culpa e explicou aos cidadãos suas razões para a intervenção militar, o que deu a população esperança em relação à transformação da realidade do país e, contribuiu para sua eleição. (ARAUJO, Rafael Pinheiro de. A história do tempo presente venezuelano: de 1950 ao século XXI. Pernambuco: Livro Rápido, 2009, p. 47-63). 325 CHAVES, Daniel; SÁ, Miguel de; ARAÚJO, Rafael. Bolívia: passos das revoluções. Rio de Janeiro: Muiraquitã, 2009, p. 13-46. 326 VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 44. 327 A Bolívia é um país, onde cerca de 70% da população possui origem indígena e era excluída das decisões políticas. Contrários às políticas neoliberais, os cidadãos bolivianos, criaram o movimento indígena. Entre aqueles que lutavam contra as desigualdades e injustiças, encontrava-se Evo Morales, indígena de origem muito humilde, que defendia a criação de um grande movimento de oposição ao neoliberalismo e as políticas aplicadas na época. Assim, Morales passou a se destacar e ganhar, cada vez mais, a confiança de parte dos bolivianos, o que contribuiu para a sua ascensão ao poder (CHAVES, Daniel; SÁ, Miguel de; ARAÚJO, Rafael. Bolívia: passos das revoluções. Rio de Janeiro: Muiraquitã, 2009, p. 45-46). 328 VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em 121 corrupção, que Correa assumiu o poder, aumentando a expectativa de redemocratização do país.329 As estratégias dos três presidentes (Chávez, Morales e Correa) foram muito semelhantes. Uma das primeiras medidas adotadas, foi a convocação de uma Assembleia Constituinte, para elaborar as suas Constituições. A Venezuela e o Equador realizaram, respectivamente, um referendo e uma consulta popular nacional sobre a Constituinte, obtendo o apoio popular. Já Morales, convocou a Assembleia conforme determinava a Constituição boliviana da época, sem consulta popular.330 Após as eleições para a Assembleia Constituinte331, discussões e apresentação de seu texto final, eles foram submetidos a referendo. Em dezembro de 1999, a Constituição Venezuelana foi referendada por 71,8% da população.332 Na Bolívia, 61,4% dos cidadãos aprovaram, no referendo de janeiro de 2009, a nova Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 50. 329 Rafael Correa, não tinha muita visibilidade política, embora tenha sido ministro da Economia e Finanças no governo de Alfredo Palacio. Cerca de 45 dias antes das eleições de 2006, Correa estava em terceiro lugar nas pesquisas. Como na Bolívia, a população indígena é muito expressiva no Equador e era excluída. Assim, para aumentar sua popularidade, ele aproximou-se de movimentos sociais e dos indígenas, o que contribuiu para o resultado das eleições, em segundo turno. (VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 50.). 330 VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 36-61; EQUADOR. Resultados oficiales: consulta popular, 15 de abril del 2007. Consejo Nacional Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013; VENEZUELA. Referendos Nacionales efectuados em Venezuela (1999-2000). Consejo Nacional Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 331 Como resultado das eleições para a Constituinte, o presidente Boliviano, detinha maioria simples (mas não a quantidade necessária de dois terços, para a aprovação das suas propostas), o presidente equatoriano detinha maioria e o venezuelano detinha maioria plena. O apoio que cada presidente tinha na Assembleia Constituinte se expressa na complexidade e no tempo de duração de cada Constituinte. Na Bolívia, a Constituinte durou 18 meses e houve muita tensão e discussão, no Equador 9 meses e apenas 3 meses na Venezuela. (VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 5961.). 332 VENEZUELA. Referendos Nacionales efectuados em Venezuela (1999-2000). Consejo Nacional Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 122 Carta Magna do país.333 No equador, por sua vez, no referendo de 2008, a nova Constituição foi aprovada por, aproximadamente, 63,93% dos indivíduos.334 Após a aprovação da Magna Carta, foram realizadas nos três países, novas eleições que reelegeram os presidentes Morales, Correa e Chavez, comprovando o apoio popular em relação às reformas. As novas Constituições da Bolívia335, do Equador336 e da Venezuela337, representaram um grande avanço democrático, uma importante tentativa de romper ou, ao menos, flexibilizar as políticas neoliberais e ampliação da participação popular nesses países. Para demonstrar isso, este trabalho cita algumas consultas importantes. Na Venezuela, foi feito um referendo revogatório, em agosto de 2004, solicitado por eleitores venezuelanos apoiados pela oposição, onde quase 60% dos cidadãos confirmaram o mandato de Chávez.338 333 BOLÍVIA. Referéndum. Tribunal Supremo Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 334 EQUADOR. Resultados oficiales: referendum 2008. Consejo Nacional Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 335 A Constituição boliviana prevê uma terceira forma de democracia: a comunitária, enfatizando o poder local e garantindo a inclusão do povo indígena. No que se refere à participação, a Constituição garante os seguintes mecanismos: referendo, iniciativa legislativa, revogatória de mandato, assembleia, cabildo e a consulta prévia (BOLÍVIA. Constitución (2009). Constitución Política del Estado Plurinacional de Bolivia, de 7 de febrero de 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 13-14). 336 A Constituição prevê como mecanismos de participação cidadã: iniciativa popular normativa, consulta popular, referendo, revogatória de mandato, audiências públicas, assembleias, conselhos consultivos e observatórios. Como na Bolívia, no Equador também foi criada a democracia comunitária, visando à inclusão dos povos indígenas. Além disso, o texto Constitucional permite que os cidadãos convoquem consultas populares, mediante subscrição de, no mínimo, 5% dos eleitores, para assuntos nacionais e, ao menos, 10% de eleitores, para assuntos locais (EQUADOR. Constitución (2008). Constitución del Ecuador, de 28 de septiembre de 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 47-71.). 337 A Constituição garantiu os seguintes institutos: referendo, consulta popular, revogatória de mandato, iniciativa legislativa, constitucional e constituinte, cabildo aberto, assembleia de cidadãos de caráter vinculante, bem como formas de participação social e econômica, através de instâncias de atenção cidadã, autogestão, cogestão, cooperativas e empresas comunitárias. Além disso, a Constituição possibilita a solicitação de referendo por 10% dos eleitores inscritos no registro civil e eleitoral. Os eleitores também podem solicitar referendo obrigatório, em caso de decretos com força de lei realizados pelo Presidente, desde que a solicitação seja realizada por 25% dos eleitores. A grande inovação é a possibilidade de revogação dos mandatos dos representantes eleitos, desde que transcorrido metade do período para qual o representante foi eleito e que a solicitação de referendo revogatório conte com 20% dos eleitores (VENEZUELA. Connstitución (1999). Constituición de la República Bolivariana de Venezuela, de 15 de diciembre de 1999. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013). 338 VENEZUELA. Resultados referendos. Consejo Nacional Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013; MENEZES, Daiane Boelhouwer. Consultas populares e instituições políticas na América do Sul: 123 Em dezembro de 2007, ocorreu um referendo proposto pelo Congresso e pelo Presidente, sobre ECs. A consulta “foi realizada em dois blocos: o primeiro com alterações em 46 artigos dos 350 artigos da Constituição, e o segundo com 23 artigos. Do total de 69 propostas de modificações, 33 foram do presidente e 36 do Congresso”339. Os dois blocos foram rejeitados por 50,7% e 51,05% dos cidadãos, respectivamente. Embora tal consulta tenha se caracterizado como uma derrota de Chávez, em 2009 o presidente conseguiu uma conquista, na aprovação pela maioria dos cidadãos, em referendo realizado em fevereiro, sobre a possibilidade de reeleição contínua para cargos eletivos.340 Na Bolívia, por sua vez, um referendo foi realizado em julho de 2006 sobre as autonomias departamentais. As autonomias foram aprovadas em quatro departamentos (Tarija, Santa Cruz, Pando e Beni, que formam a região conhecida como “meia lua”)341, obrigando a Assembleia Constituinte a incorporar esse resultado, o que dificultou as negociações sobre a nova Constituição que foram conturbadas.342 Em agosto de 2008, Evo Morales submeteu seu mandato e dos governadores departamentais a referendo revogatório, todos confirmados pela população os referendos e os plebiscitos da Venezuela. Colômbia, Uruguai, Bolívia e Brasil. In: III Seminário Internacional Organizações e Sociedade: Inovações e Transformações Contemporâneas, 2008, Porto Alegre, Anais do evento. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 4; ARAUJO, Rafael Pinheiro de. A história do tempo presente venezuelano: de 1950 ao século XXI. Pernambuco: Livro Rápido, 2009, p. 117/118. 339 MENEZES, Daiane Boelhouwer. Consultas populares e instituições políticas na América do Sul: os referendos e os plebiscitos da Venezuela. Colômbia, Uruguai, Bolívia e Brasil. In: III Seminário Internacional Organizações e Sociedade: Inovações e Transformações Contemporâneas, 2008, Porto Alegre, Anais do evento. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 5. 340 ARAUJO, Rafael Pinheiro de. A história do tempo presente venezuelano: de 1950 ao século XXI. Pernambuco: Livro Rápido, 2009, p. 139-142; VENEZUELA. Resultados referendos. Consejo Nacional Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 341 Existe na Bolívia, uma clara divisão, pois de um lado, está a região da “meia lua”, na qual existe forte oposição ao presidente e, de outro, estão os departamentos de La Paz, Potosi e Oruro, nos quais o presidente é amplamente apoiado. Esta divisão é, inclusive, uma divisão econômica e social, na medida em que as riquezas ficam concentradas nas regiões da “meia lua”. (CHAVES, Daniel; SÁ, Miguel de; ARAÚJO, Rafael. Bolívia: passos das revoluções. Rio de Janeiro: Muiraquitã, 2009, p. 137-146). 342 BOLÍVIA. Asamblea Constituyente y Referéndum Nacional Vinculante 2006. Tribunal Supremo Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013 124 (inclusive os governadores da oposição), o que manteve a tensão entre as regiões bolivianas.343 Em janeiro de 2009, o referendo para a aprovação da Constituição também questionava a população sobre a proibição do latifúndio, qualificado pela improdutividade de terras. A maioria da população votou a favor da proibição do latifúndio e da nova Constituição.344 Por fim, no Equador, importa abordar o referendo e consulta popular de maio de 2011, onde a população respondeu a dez perguntas (seis em referendo e quatro em consulta popular) sobre a aplicação da prisão preventiva; reforma na aplicação de medidas alternativas; a proibição para proprietários e gerentes de bancos e dos meios de comunicação nacionais investir fora de seus domínios; a substituição do Conselho Judicial por um Judiciário de transição; a modificação da composição deste Conselho; a criminalização do enriquecimento sem causa; a proibição de jogos de azar com fins lucrativos; a proibição de sacrifício de animais em espetáculos públicos; a criação de um Conselho de Regulação, a fim de fiscalizar o conteúdo transmitido por meios de comunicação e; a tipificação como crime da não adesão, por parte dos empregadores, de seus trabalhadores no Seguro Social. A maior parte dos cidadãos aprovou, a nível nacional, as medidas sugeridas por Correa.345 343 CHAVES, Daniel; SÁ, Miguel de; ARAÚJO, Rafael. Bolívia: passos das revoluções. Rio de Janeiro: Muiraquitã, 2009, p. 146-154; MENEZES, Daiane Boelhouwer. Consultas populares e instituições políticas na América do Sul: os referendos e os plebiscitos da Venezuela. Colômbia, Uruguai, Bolívia e Brasil. In: III Seminário Internacional Organizações e Sociedade: Inovações e Transformações Contemporâneas, 2008, Porto Alegre, Anais do evento. Porto Alegre: PUCRS, 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013, p. 10; BOLÍVIA. Referéndum. Tribunal Supremo Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 344 BOLÍVIA. Referéndum. Tribunal Supremo Electoral. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013; VERGUEIRO, João Paulo de Andrade. Constituição, poder constituinte e bolivarianismo: Bolívia, Equador e Venezuela e as estratégias presidenciais. 2013. 82p. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo (da Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, 2013, p. 48. 345 EQUADOR. Consulta Popular 2011. Consejo Nacional Electoral, 2011. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013; EQUADOR. Registro Oficial nº 490, miércoles, 13 de julio de 2011. Revista Judicial derechoecuador.com, 2011. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2013. 125 A análise dos casos venezuelano, boliviano e equatoriano é importante, pois representa a tentativa de romper ou, ao menos, flexibilizar ao máximo, com o modelo hegemônico de democracia. Para tanto, foram eleitos representantes comprometidos com essa ideia e dispostos a ampliar as formas de participação popular na política. O caminho para concretização dessas medidas foi reformar a base política desses países, ou seja, a Constituição. Os novos textos Constitucionais demonstram que há efetiva vontade de incluir os cidadãos na tomada de decisão e de diminuir as desigualdades econômicas e sociais. O mais importante é que os cidadãos da Venezuela, Bolívia e Equador, puderam se manifestar sobre a nova Constituição. Este exemplo confirma a ideia de que a participação popular pode ser implementada, desde que exista uma mudança e uma flexibilização na lógica representativa liberal. 3.3.5 Consulta Popular para a Privatização de Estatais Durante o desenvolvimento desta pesquisa, três casos semelhantes ao do Estado do RS (exigência de consulta popular para privatização de estatais) foram identificados no Brasil: o plebiscito Municipal sobre a privatização de uma empresa de telefonia celular em Londrina, no Estado do PR e o referendo para privatização de empresas de energia elétrica ou saneamento nos Estados de MG e SC. No primeiro caso, havia referência bibliográfica346 que o citava, o que permitiu analisá-lo e ampliá-lo. Em relação aos outros dois exemplos, eles foram descobertos ao longo da pesquisa, motivo pelo qual não foi possível uma análise mais cuidadosa dos mesmos.347 O referendo para venda de estatais nos Estados de MG e SC foi identificado, a partir de uma pesquisa realizada pela autora, sobre a regulamentação do 346 DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 278-280. 347 Importa mencionar que os casos de Minas Gerais e Santa Catarina, merecem ser pesquisados e analisados, como ocorre neste trabalho com o Rio Grande do Sul, na medida em que não existem referências e estudos sobre eles. 126 plebiscito e do referendo nas Constituições dos Estados no Brasil, conforme demonstra o “Quadro 5 – Plebiscito e Referendo nas Constituições Estaduais”.348 Quadro 5 – Plebiscito e Referendo nas Constituições Estaduais Estado Previsão do plebiscito Previsão do referendo Acre Geopolítico (art. 14); competência para autorizar (art. 44, inciso XXX). Não há previsão. Alagoas Geopolítico (art. 41). Não há previsão. Amapá Geopolítico (arts. 4º e 35 e art. 4º disposições transitórias); exercício da soberania popular (art. 5º-A, inciso I); para manifestação sobre fatos, medidas, decisões políticas, programas ou obras públicas e proposição pelos eleitores (art. 5º-B); competência para autorizar (art. 95, inciso XIII). Exercício da soberania popular (art. 5º-A, inciso II); para manifestação sobre EC, leis e sobre PL e PEC e proposição pelos eleitores (art. 5º-B); competência para convocar (art. 95, inciso XIII). Amazonas Exercício da soberania popular (art. 3º); Exercício da soberania popular (art. 3º); competência para convocar (art. 28, inciso XIX); competência para autorizar (art. 28, inciso geopolítico (art. 119 e 121, inciso I); para XIX). instalação de atividades poluidoras (opcional – art. 234); para a implantação estadual de usinas de energia nuclear, material radioativo e unidades de energia hidroelétrica (art. 235). Bahia Geopolítico (art. 5º, 54 e arts. 59, 62 e 63, das disposições transitórias); competência para autorizar (art. 71, XXI); Não há previsão. Ceará Exercício da soberania popular (art. 5, inciso II); competência para convocar (art. 49, I); geopolítico (art. 31 e 50, inciso VI e art. 2, das disposições transitórias). Exercício da soberania popular (art. 5º, inciso III); competência da câmara municipal (art. 34, inciso II); competência para autorizar (art. 49, I). Distrito Federal Exercício da soberania popular (art. 5º, inciso I); competência para convocar (art. 60, inciso XLII). Exercício da soberania popular (art. 5º, inciso II); competência para autorizar (art. 60, inciso XLII). Espirito Santo Exercício da soberania popular (art. 4º); geopolítico (art. 21 e art. 3º, das disposições transitórias); competência para autorizar (art. 56, inciso XVII). Exercício da soberania (art. 4º); competência para autorização (art. 56, inciso XVII); proposição pelos eleitores, para decidir sobre instalação e operação de atividades poluidoras (art. 187, § 5º). Goiás Competência para convocar (art. 11, XI); geopolítico (art. 83). Competência para autorizar (art. 11, XI). Maranhão Exercício da soberania popular (art. 3º, inciso I); geopolítico (art. 9º e 10º); forma de participação popular nos atos decisórios dos Poderes Executivo e Legislativo e proposição pelos eleitores (art. 44). Exercício da soberania popular (art. 3º, inciso II); forma de participação popular nos atos decisórios dos Poderes Executivo e Legislativo e proposição pelos eleitores (art. 44). Mato Grosso Exercício da soberania popular (art. 5º, inciso II); proposição por eleitores (art. 6º, inciso I); competência para convocar (art. 26, inciso XII); geopolítico (art. 176). Exercício da soberania popular (art. 5º, inciso III); condição de eficácia da norma jurídica, nos casos previstos por lei complementar (art. 7º); competência para autorizar (art. 26, inciso XII). Mato Grosso do Sul Geopolítico (art. 15). Não há previsão. 348 Vide Capítulo 1, p. 21-22, sobre a pesquisa realizada. 127 Minas Gerais Competência para convocar (art. 62, inciso Para desestatização de empresa de energia e de saneamento (art. 14, § 17) e competência XXXVIII); geopolítico (art. 168 e art. 74, das disposições transitórias); implantação do governo para autorizar (art. 62, inciso XXXVIII). parlamentarista, caso assim determine o plebiscito nacional (art. 4º, das disposições transitórias). Pará Exercício da soberania popular (art. 6º, inciso I); plebiscito pode ser realizado sobre fatos, medidas, decisões políticas, programas ou obras públicas e proposição pelos eleitores (art. 7º); geopolítico (arts. 14, 55 e 83); competência para convocar (art. 92, inciso XII). Exercício da soberania popular (art. 6º, inciso II); para manifestação sobre EC, leis e sobre PL e PEC e proposição pelos eleitores (art. 7º); competência para autorizar (art. 92, inciso XII). Paraíba Exercício da soberania popular (art. 1º); geopolítico (art. 14 e art. 82, das disposições transitórias); para participação da comunidade na formulação do plano diretor (art. 21); competência para convocar (art. 54, inciso XX); implantação do governo parlamentarista, caso assim determine o plebiscito nacional (art. 29, das disposições transitórias). Exercício da soberania popular (art. 1º); para participação da comunidade na formulação do plano diretor (art. 21); competência para autorizar (art. 54, inciso XX). Paraná Exercício da soberania popular (art. 2º, inciso I); geopolítico (art. 3º, 5º e 19); competência para autorizar (art. 53, inciso XXI); para criação de centrais termonucleares (art. 209). Exercício da soberania popular (art. 2º, inciso II); competência para autorizar (art. 53, inciso XXI). Pernambuco Competência para convocar (art. 14, inciso XXV); Competência para autorizar (art. 14, inciso geopolítico (arts. 15, inciso VI e 76). XXV). Piauí Geopolítico (art. 30) e competência para autorizar Competência para autorizar (art. 63, inciso (art. 63, inciso XII). XII). Rio de Janeiro Exercício da soberania popular (art. 3, inciso II); competência para convocar (art. 99, inciso XXI); proposição pelos eleitores (art. 120); geopolítico (art. 357 e arts. 87, 88 e 91, das disposições transitórias). Exercício da soberania popular (art. 3º, inciso III); competência para autorizar (art. 99, inciso XXI). Rio Grande do Norte Exercício da soberania popular (art. 10, inciso I); geopolítico (art. 14); competência para convocação (art. 35, inciso XIII). Exercício da soberania popular (art. 10, inciso II); competência para autorização (art. 35, inciso XIII). Rio Grande do Sul Exercício da soberania popular (art. 2, inciso I); para privatização de empresas estatais (art. 22); competência para convocar (art. 53, inciso XI); para autorizações ou concessões do Poder Executivo e sobre matéria legislativa sancionada ou vetada (opcional – art. 69); para implantação de instalações de energia nuclear (art. 256). Exercício da soberania popular (art. 2, inciso II); competência para aprovar (art. 53, inciso XI); proposição pelos eleitores, para projetos de iniciativa popular rejeitados (art. 68); para autorizações ou concessões do Poder Executivo e sobre matéria legislativa sancionada ou vetada (opcional – art. 69). Rondônia Competência para convocar (art. 29, inciso XXVIII); geopolítico (art. 42). Competência para autorizar (art. 29, inciso XXVIII). Rorâima Não há previsão. Não há previsão Santa Catarina Exercício da soberania popular (art. 2º, parágrafo único, inciso I); competência para convocar (art. 40, inciso II); leis sobre plebiscito devem ser leis complementares (art. 57); geopolítico (art. 110 e art. 3º, das disposições transitórias). Exercício da soberania popular (art. 2º, parágrafo único, inciso II); para privatização de estatais (art. 13); competência para autorizar (art. 40, inciso II); leis sobre referendo devem ser leis complementares (art. 57). São Paulo Competência para convocar (art. 20, inciso XVIII); Competência para autorizar (art. 20, inciso proposição pelos eleitores (art. 24, § 3); XVIII); proposição pelos eleitores (art. 24, § geopolítico (arts. 145 e 145-A e arts. 5º e 34, das 3º). disposições transitórias). Sergipe Geopolítico (arts. 12 e 46 e art. 4º, das Competência para autorizar (art. 47, inciso 128 Tocantins disposições transitórias); competência para convocar (art. 47, inciso XX). XX). Geopolítico (art. 18); competência para convocar (art. 19, inciso XXI). Competência para autorizar (art. 19, inciso XXI). Fonte: Sistematizado pela autora, com base em: BRASIL. Constituições Estaduais. É possível observar que não há inovações nas Constituições dos Estados brasileiros, exceto em alguns casos onde há a possibilidade dos eleitores proporem a consulta popular e a utilização do plebiscito e do referendo para manifestação sobre leis e ECs. Contudo, exceto nos Estados do RS, MG e SC, não existe previsão de mecanismos que vinculem o Poder Público a consultar a população, em relação a uma determinada decisão, ficando a critério do Congresso Nacional a utilização da consulta, quando e se entender necessário. Tal fato indica que o plebiscito ou o referendo vinculante são contrários a lógica brasileira e surgiram em momentos muito particulares de desgaste em relação às privatizações, motivo pelo qual se restringem a casos isolados. Considerando que o caso de Londrina, no Paraná, de Minas Gerais e de Santa Catarina são semelhantes ao do Rio Grande do Sul, importa referenciá-los. a) Londrina O Sercomtel349 é uma empresa pública que possui a missão de “prover soluções de comunicação com qualidade, promovendo o desenvolvimento sustentável da empresa.”350 Em outubro de 1964, houve a autorização para a criação de um Departamento de Serviços Telefônicos, no município de Londrina. Por esta razão, foi criado em maio de 1965, o Sercomtel (através do Decreto Municipal nº 060/64). Em 1965 o serviço passou a ser uma Autarquia Municipal e, em 1996 foi transformado em uma Sociedade Anônima (S.A.) de Economia Mista, virando uma empresa no 349 Importa referir que antigamente, quando da criação da Sercomtel, por tratar-se de um Serviço de Comunicações Telefônicas era conhecido como o (serviço) Sercomtel. Contudo, a partir de 1996, quando foi transformada em sociedade de economia mista, foi mantida a sigla original, mas passou a ser referida como a (empresa) Sercomtel (TAVARES, Mário Jorge de Oliveira. Sercomtel: marca de pioneirismo. Paraná: Midiograf Gráfica e Editora, 2003, p. 13.). 350 BRASIL. Sercomtel. Disponível em: . Acesso em: 09 jul 2013. 129 ramo da telecomunicação. Em 1998, a empresa Sercomtel foi cindida e surgiu a Sercomtel Celular S.A.351 Como será observado no próximo capítulo, a partir de 1995 com o governo de FHC, se deu inicio a uma política de privatização. Por essa razão, o setor de telecomunicações passou a ser privatizado no Brasil, em 1998. Neste contexto, foi criada a Lei Municipal nº 7.344, de 06 de abril de 1998, que autorizava o Executivo Municipal a proceder a privatização da Sercomtel Telecomunicações S.A. (a Fixa e a Celular).352 No mesmo mês em que a lei foi criada, a prefeitura de Londrina (o prefeito, na época, era Antonio Casemiro Belinat, que não possuía partido) e o governo do Paraná (o governador da época era Jaime Lerner, eleito em 1994 pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT e reeleito em 1998, pelo PFL) acertaram a venda de 45% das ações da Sercomtel (fixa e celular) para a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel).353 Após a venda, diversas denúncias foram feitas em relação à má utilização do dinheiro pelo então prefeito. Deputados estaduais se organizaram e reuniram as assinaturas necessárias para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (a CPI – Copel/Sercomtel). Contudo, alguns deputados retiraram sua assinatura, impedindo o prosseguimento da investigação.354 Além de denúncias referentes à venda de ações da Sercomtel, o prefeito Belinat foi acusado de gastar dinheiro público com publicidade, motivo pelo qual, teve seu mandato cassado pela Câmara Municipal em junho de 2000. Jorge Scaff, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) assumiu interinamente a prefeitura, até Nedson Luiz Micheleti, do PT, tomar posse em 2001.355 351 TAVARES, Mário Jorge de Oliveira. Sercomtel: marca de pioneirismo. Paraná: Midiograf Gráfica e Editora, 2003, p. 21-85. 352 BRASIL. Lei Municipal nº 7.347, de 06 de abril de 1998. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 353 TAVARES, Mário Jorge de Oliveira. Sercomtel: marca de pioneirismo. Paraná: Midiograf Gráfica e Editora, 2003, p. 87; DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 278. 354 VOCÊ é a favor do PT vender a Sercomtel? O londrinense, Londrina, p. 3-5, 2ª Qua. jul. 2001. 355 BRASIL. Histórico dos prefeitos. Prefeitura de Londrina. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 130 Em função das denúncias de corrupção na venda de ações da Sercomtel e da iminente privatização da empresa, o vereador Tercílio Luiz Turini, do Partido Popular Socialista (PPS), encaminhou à Câmara Municipal de Londrina em 1999, o PL nº 338, a fim de exigir plebiscito no caso de privatização da Sercomtel.356 Em dezembro de 1999, na sessão extraordinária em que o PL não foi votado por falta de quórum, Turini afirmou a existência de manobras por parte de vários vereadores, para impedir a sua apreciação, tornando evidente que o principal objetivo era impedir a concretização da exigência do plebiscito no caso de venda da Sercomtel.357 Ademais, é possível observar que a idéia de vincular a privatização da empresa à consulta popular foi motivada, principalmente, pela vontade de tentar dificultar a venda e não, exatamente, para incentivar a participação popular, embora esse possa ser um efeito da aprovação do PL. Em março de 2000 o PL foi aprovado, mas o inciso que tratava do plebiscito foi vetado pelo prefeito Micheleti. Contudo, o veto foi rejeitado pela Câmara de Vereadores.358 Apesar das dificuldades e da resistência de alguns políticos em relação à aprovação da proposta, a mesma foi aprovada e transformada na Lei nº 8.078, de 30 de março de 2000, que acrescentou o parágrafo primeiro à Lei nº 7.347/98: Art. 1º Fica o Executivo Municipal autorizado a proceder à privatização, parcial ou total, da Sercomtel S.A. - Telecomunicações, para adequação desta sociedade aos termos da Lei Federal nº 9.472/97. § 1º A alienação das ações em volume que implique a perda do controle acionário pelo Município far-se-á com observância aos seguintes requisitos: I - consulta prévia, mediante plebiscito, à população local;consulta prévia, mediante plebiscito, à população local; II - a transação será obrigatoriamente efetuada em Bolsa de Valores, nos 359 termos do artigo 82, II, "c", da Lei Orgânica do Município. 356 DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 279. 357 BRASIL. Sessão Extraordinária, de 23 de dezembro de 1999. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013, p. 1. 358 BRASIL. Lei Municipal nº 8.078, de 30 de março de 2000. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 359 BRASIL. Lei Municipal nº 7.347, de 06 de abril de 1998. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 131 Em janeiro de 2001, o prefeito solicitou a realização de uma avaliação para verificar a viabilidade da Sercomtel Celular no mercado, em função da abertura de concorrência para empresas privadas e a atuação limitada da empresa a dois Municípios (Londrina e Tamarana). Em março, foi divulgado o laudo afirmando que seria inviável a manutenção da empresa, se ela continuasse pública frente à forte concorrência privada no setor.360 Convencido da necessidade da venda e desejando aproveitar o interesse da empresa Telecom Italia Mobile (TIM) na compra da Sercomtel Celular, Nedson entendia desnecessária a realização de plebiscito, motivo pelo qual em maio de 2001, encaminhou à Câmara de Vereadores o PL nº 160/01, em uma tentativa de revogar o parágrafo acima citado, principalmente no que se refere a exigência do plebiscito.361 Na discussão do PL, aqueles com posição contrária ao mesmo, afirmavam a importância de consultar a população, no caso de privatização de uma empresa tão importante para a cidade. Já os argumentos favoráveis à proposta e, consequentemente, contrários ao plebiscito, baseavam-se no fato de que a questão da privatização da Sercomtel é técnica e não cabe ao povo, bem como que o prefeito prestaria contas sobre a venda e os recursos advindos desta.362 Para o vereador André Vargas, do PT, a questão não seria passível de plebiscito, pois a lei que previu tal exigência estava pautada em um contexto de corrupção e desvio de recursos públicos, o que não estaria ocorrendo no momento, motivo pelo qual a consulta popular seria desnecessária e poderia comprometer o futuro da empresa Sercomtel.363 O vereador Félix Ribeiro, do PPS, embora tenha votado contra o PL, afirmou que recebeu uma carta de seu partido, que se anunciava contrário ao plebiscito e ameaçava o vereador: "Senhor Vereador, O PPS - Partido Popular Socialista vem comunicar a posição desta executiva referente à votação que se seguirá em relação à 360 A HISTÓRIA da decisão de vender a companhia. Folha de Londrina, Londrina, p. 5, caderno primeiro, 19 jul. 2001. 361 BRASIL. Projeto de Lei Municipal nº 160, de 22 de maio de 2001. Disponível em: . Acesso: 09 jul. 2013. 362 BRASIL. Sessão Ordinária, de 21 de junho de 2001. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013, p. 6-32. 363 BRASIL. Sessão Ordinária, de 21 de junho de 2001. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013, p. 17. 132 revogação da lei que obriga a Prefeitura do Município de Londrina a realizar plebiscito para venda da Sercomtel-Celular: manifestamos ser contrários ao plebiscito e favoráveis à venda da Sercomtel-Celular. O posicionamento do nobre vereador deverá estar de acordo com o estabelecido e, em caso de voto contrário, estará sujeito a sanções impostas decorrentes disso. Atenciosamente, Dalci Mendes, 364 Presidente". A carta acima transcrita demonstra partidos, com tradição anti-privatista, completamente contrários a realização da consulta popular, evidenciando o medo por parte de políticos, em relação à participação da sociedade em questões essenciais. O PL nº 160/01, foi rejeitado com 15 votos contrários e seis favoráveis, conforme demonstra o “Quadro 6 – Votação do Projeto de Lei nº 160/01”: Quadro 6 – Votação do Projeto de Lei nº 160/01 Vereador Partido Voto André Vargas PT Favorável Carlos Bordin PP Contrário Elza Correia PMDB Contrário Flávio Vedoato PSC Contrário Hélio Cardoso PL Contrário Henrique Barros PMDB Contrário Jamil Janene PDT Contrário João Abussafi PMDB Contrário Félix Ribeiro PMN Contrário Leonilso Jaqueta PMDB Favorável Luiz Carlos Tamarozzi PTB Contrário Márcia Lopes PT Favorável Orlando Bonilha PL Favorável Paulo Arildo PSDB Favorável Renato Silvestre de PP Contrário Araújo Roberto Scaff PFL Contrário Roberto Kanashiro PSDB Contrário Rubens Canizares PHS Favorável Sandra Graça PDT Contrário Sidney de Souza PTB Contrário Tercílio Turini PSDB Contrário Fonte: Sistematizado pela autora com base em: BRASIL. Sessão Ordinária, de 21 de junho de 2001. 364 BRASIL. Sessão Ordinária, de 21 de junho de 2001. Disponível . Acesso em: 09 jul. 2013, p. 26-27. em: 133 Após todas as tentativas frustradas de impedir a exigência de plebiscito, foi proposto e aprovado o DL nº 191/01, que convocou o plebiscito para consultar a população sobre a privatização da Sercomtel Celular S.A.365 A consulta popular foi caracterizada como pioneira no Brasil, por Roberto Pacheco Rocha, na época, presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), por permitir aos cidadãos de Londrina decidir sobre a venda do patrimônio público. Para ele, tal medida serviria de exemplo para outros Municípios permitirem maior exercício da cidadania local.366 O prefeito da cidade afirmou que temia que poucos cidadãos votassem e decidissem o futuro da empresa (já que a participação não era obrigatória). Para Nedson, se nas eleições com voto obrigatório muitas pessoas deixam de votar, no plebiscito o número de votantes provavelmente seria muito baixo.367 Tal pensamento expressa uma visão muito forte no Brasil, no sentido de apatia dos cidadãos pela política.368 Note-se que, em vez de estimular os cidadãos a votarem e propor um verdadeiro debate sobre a questão, o próprio prefeito trata a falta de participação como normal. Nedson apontava a privatização da Sercomtel Celular como única opção possível para que o Município não perdesse o patrimônio que ela valia na época: Nosso governo, ao assumir a prefeitura, diagnosticou uma situação difícil para a Sercomtel Celular: 1) Limitação de mercado, em função do modelo de telecomunicações criado pelo governo federal ter reduzido a área de exploração da Sercomtel Celular a Londrina e Tamarana; 2) Necessidade de constante renovação tecnológica dos aparelhos e do sistema, exigindo um capital para investimentos de que não dispomos; 3) Ampliação da concorrência em Londrina no futuro próximo por grupos de extensão poder e mercado muito maior que o nosso. Este diagnóstico, foi referendado por 369 economistas e profissionais ligados ao mercado de capitais. 365 BRASIL. Decreto Legislativo Municipal nº 191, de 27 de junho de 2001. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 366 BARÃO, Vera. Presidente do TRE diz que consulta é pioneira no Brasil. Jornal de Londrina, Londrina, 25 jul. 2001. Caderno primeiro, p. 4A. 367 COMELI, Loriane. Nedson teme que venda seja definida por poucos. Jornal de Londrina, Londrina, 11 jul. 2001. Caderno primeiro, p. 3A. 368 Vide Capítulo 2, p. 34-35, sobre a apatia política como benéfica, na visão democrática hegemônica. 369 MICHELETI, Nedson. A celular de ser vendida? Sim: é melhor para os londrinenses. Folha de Londrina, Londrina, 19 ago. 2001. Espaço aberto, p. 3. 134 Quando questionado se a sua atitude a favor da privatização da empresa não seria contra a ideologia de seu partido, o prefeito afirmou que foi a postura adotada pelo governo FHC, de privatizar o ramo da telefonia deixando a Sercomtel isolada, que lhe obrigou a tomar essa decisão e que essa seria a única saída.370 Embora o prefeito afirmasse que a única solução para a empresa seria a venda devido a sua situação, a Sercomtel Celular foi classificada em 2001, uma das melhores empresas de telefonia, pela Revista Exame e como terceira empresa de telefonia móvel mais eficiente do país, pelo Anuário Telecom.371 Após o debate entre o “sim” e o “não”, onde o principal argumento do primeiro era em relação à venda da empresa como única saída viável para salvá-la e do segundo era referente à necessidade de manter o patrimônio público e não dilapidálo, o plebiscito foi realizado em 19 de agosto de 2001 e contou com a participação de, apenas 10,57% dos cidadãos, dos quais 57,76% decidiram pela não alienação da empresa e 47, 24% pela privatização.372 O vereador Turini afirmou que esperava maior participação e justificou o baixo comparecimento às urnas, pela falta de costume. Isso por que, esse foi o primeiro plebiscito realizado no Município, e para Turini, as pessoas provavelmente acreditaram que seu voto não iria impedir o prefeito de prosseguir com a venda da empresa. Com o resultado, o vereador afirmou que a prefeitura deveria encontrar alternativas para manter os serviços prestados pela Sercomtel Celular, públicos e com qualidade.373 Dasso Junior ao manifestar-se sobre a baixa participação da população informa que: [...] pode-se inferir que o voto facultativo e a falta de prática para exercer ativamente a cidadania foram fatores decisivos para uma presença tão 370 NEDSON condena “rolo compressor”. Folha de Londrina, Londrina, p. 5, caderno primeiro, 02 jul. 2001. 371 BRASIL. História da Sercomtel. Disponível em: . Acesso em 09 jul. 2013. 372 TAVARES, Mário Jorge de Oliveira. Sercomtel: marca de pioneirismo. Paraná: Midiograf Gráfica e Editora, 2003, p. 97; DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 279. 373 BARÃO, Vera. Turini diz que é preciso encontrar alternativas. Jornal de Londrina, Londrina, 21 ago. 2001. Caderno primeiro, p. 3A. 135 reduzida de votantes.Seguramente esse é um tema relevante para qualquer 374 discussão que envolva a proposta por uma reforma política neste país. O prefeito se manifestando sobre a decisão popular informou que ela não representava uma crise de governabilidade e não indicava que a população não o apoiasse. Afirmou ainda que, após a decisão dos cidadãos, o que lhe restava era acatá-la e continuar trabalhando para o melhor funcionamento da empresa. Nedson lembrou ainda, que não era a favor da realização do plebiscito e que o mesmo foi realizado por insistência da Câmara, que seria a responsável pelo futuro da empresa. Tal manifestação reforça o fato de que o prefeito de Londrina era contra a participação popular em uma questão tão relevante, quanto a do futuro do patrimônio público.375 No que se refere aos custos para a realização do plebiscito (o que geralmente é utilizado como desculpa para a não realização de consultas populares), foram gastos 12,5 mil reais, o que representou apenas 18% do valor que o Município estava autorizado a gastar (até 70 mil reais). Tal economia deveu-se à adoção de alternativas como, no transporte das urnas eletrônicas que não foi feito pelo Correio e na alimentação dos funcionários, que trabalharam apenas meio período.376 Tal caso serve de exemplo para demonstrar que é possível consultar a população a baixo custo, desde que exista interesse político para tanto. Após a manutenção da empresa como pública, a mesma recebeu muitos prêmios entre 2003 e 2012, demonstrando realizar um trabalho sério e de qualidade.377 Durante o segundo mandato no prefeito Nedson, a venda da empresa voltou a ser discutida: Após quase quatro anos da realização do plebiscito, o tema voltou a ser debatido na sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Londrina em 29 de junho de 2005, no primeiro ano de gestão do segundo mandato do 374 DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 279. 375 GAZOLLI, Jair. Plebiscito rejeita venda do Sercomtel. Jornal Estado do Paraná, Paraná, 21 ago. 2001. Caderno primeiro, p. 02; SILVEIRA, Fábio. Nedson rebate crítica sobre seu governo. Jornal de Londrina, Londrina, 21 ago. 2001. Caderno primeiro, p. 3A. 376 MENEGHEL, Stella. Plebiscito custou R$ 12,5 mil. Jornal de Londrina, Londrina, 24 ago. 2001. Caderno primeiro, p. 3A. 377 BRASIL. História da Sercomtel. Disponível em: . Acesso em 09 jul. 2013. 136 prefeito Nédson Micheletti. Quem protagonizou o retorno à discussão sobre a privatização foi o presidente da Câmara, Orlando Bonilha, ao apresentar os dados financeiros da Sercomtel, relativos aos primeiros cinco meses do 378 ano de 2005. Em março de 2006, foi proposto pelo vereador Renato Silvestre de Araújo, do PP e mais seis vereadores o PL nº 47/06, com o objetivo de revogar o inciso I, do § 1º, do artigo 1º, da Lei nº 7.347/98, para retirar a exigência de plebiscito no caso de privatização da Sercomtel.379 O PL tramitou como regime de urgência e ainda em março de 2006, foi aprovado em primeira discussão com os votos contrários dos vereadores Luiz Carlos Tamarozi, Roberto Fú, do PDT, Marcelo Belinati, do PP, Sandra Graça, Paulo Arildo, Roberto Kanashiro e Tercílio Turini. Contudo, foi definitivamente retirado de pauta em abril de 2006.380 Para o vereador Marcelo Belinati, a revogação do dispositivo em questão permitiria não só a venda da Sercomtel Celular, mas da fixa também, principal motivo pelo qual o plebiscito deveria ser mantido.381 Turini também afirmou ser imprescindível a manutenção da consulta popular, pois do contrário abrir-se-ia caminho para privatização da Sercomtel como um todo. Para o autor não existiriam provas suficientes da incapacidade econômica da empresa, que justificasse a sua privatização e a retirada da exigência do plebiscito.382 É possível perceber que a maioria dos parlamentares preferia retirar a exigência do plebiscito a ter que consultar a população novamente, motivo pelo qual, mantida a exigência de plebiscito no caso de privatização da Sercomtel, tanto a fixa como a celular, mantiveram-se públicas não havendo nova consulta à população. 378 DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 280. 379 BRASIL. Projeto de Lei Municipal nº 47, de 09 de março de 2006. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 380 BRASIL. Projeto de Lei Municipal nº 47, de 09 de março de 2006. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 381 BRASIL. Sessão Ordinária, de 14 de junho de 2006. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013, p. 34-35. 382 BRASIL. Sessão Ordinária, de 14 de junho de 2006. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013, p. 33. 137 Importa ressaltar que o que está se tentando demonstrar aqui, não é a verdadeira necessidade de vender ou não a empresa, mas sim o fato de que, ao invés de realizar uma consulta popular e tentar demonstrar para a população a real situação da empresa, os parlamentares preferem utilizar-se dos meios mais fáceis sem enfrentar os cidadãos, o que reforça a falta de interesse político em relação à participação. Em novembro de 2012, houve a unificação das empresas Sercomtel Celular e Sercomtel Fixa, em função dos ganhos tributários advindos da unificação das empresas, o que abria a possibilidade de redução das tarifas beneficiando os usuários.383 A relevância na análise deste caso encontra-se na sua semelhança com o objeto deste estudo (o plebiscito criado pelas ECs), embora um trate do âmbito Municipal e outro do Estadual. A principal semelhança é a criação de uma Lei Municipal e de ECs, prevendo plebiscito no caso de privatização de estatais, ou seja, vinculando o Poder Público à realização da consulta caso haja desejo em privatizar. Nos dois casos, é possível perceber que a exigência de plebiscito surgiu para evitar a privatização de determinadas empresas estatais e não para garantir um efetivo meio de participação popular. Além disso, foi possível verificar a resistência política em relação à participação cidadã. A principal diferença é a própria realização do plebiscito, que aconteceu em Londrina, mas não no Estado do RS, onde tal mecanismo parece ter servido apenas como um freio à privatização das estatais, como será analisado no próximo capítulo. b) Minas Gerais A Constituição do Estado de MG prevê em seu artigo 14, § 17, que: Art. 14. (...) § 17 – A desestatização de empresa de propriedade do Estado prestadora de serviço público de distribuição de gás canalizado, de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica ou de saneamento básico, autorizada nos termos deste artigo, será submetida a referendo popular. • (Parágrafo acrescentado pelo art. 1º da Emenda à Constituição nº 50, 383 MARTINS, Daniela. Ganho tributário com a unificação de teles será repassado ao consumidor. Valor Econômico, 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2013. 138 de 29/10/2001). 384 Essa exigência foi acrescentada por uma EC, que surgiu com aprovação da PEC nº 50 proposta em março de 2001, pelo então governador Itamar Franco, do PMDB. O governador apresentou a EC para exigir quórum qualificado para aprovação de privatizações de empresas estatais e, entre outros assuntos, para tornar obrigatório o referendo no caso de privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).385 Importa observar alguns trechos da justificativa do governador para a proposição da PEC: No que diz respeito aos recursos hidroenergéticos, estou convencido de que a presença do Estado é essencial. Tenho continuamente examinado a questão e solicitado estudos sobre a matéria e criei, por meio do Decreto Estadual nº 40.347, de 13 de abril de 1999, a Comissão Especial de Estudos Avançados, Constitucionais e Legais - CEPMG -, definindo-a como independente, não governamental e não remunerada, com a finalidade de emitir parecer, à luz do ordenamento pátrio, sobre a privatização do sistema hidroelétrico e sua vinculação aos recursos hídricos. A referida Comissão, composta de ilustres juristas, professores e advogados isentos, sob a presidência do Dr. José de Castro Ferreira, após quatro meses de estudos, concluiu pela impossibilidade de desnacionalização do setor hidroenergético submetido ao domínio público e pela “inafastabilidade” do exercício da competência dos Estados na condução da política do setor, em diálogo com a União. [...] No caso da CEMIG, deve ser considerado que a energia elétrica, além de ser um bem absolutamente imprescindível para a sociedade, notadamente no que diz respeito ao seu desenvolvimento, é um insumo absolutamente indispensável para o parque industrial mineiro. Aliás, um dos fatores de atração de indústrias para o nosso Estado tem sido a qualidade, quantidade e confiabilidade da energia seguramente disponibilizada pela Companhia Energética de Minas Gerais. [...] Situação análoga é encontrada na COPASA-MG. Essa empresa atua em regiões onde a atividade é lucrativa e em outras regiões, principalmente nas cidades de pequeno porte - que representam a grande maioria do Estado -, em que o fornecimento de água, bem como a coleta e o 386 tratamento de esgoto são serviços altamente deficitários. 384 Brasil. Constituição (1989). Constituição do Estado de Minas Gerais, de 21 de setembro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013, p. 20. 385 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 50, de 10 de março de 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 386 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 50, de 10 de março de 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 139 A partir da justificativa apresentada, percebem-se algumas questões essenciais. Primeiramente, que o governador criou uma Comissão, a fim de verificar a possibilidade de privatização de empresas hidrelétricas e hídricas, o que indica que poderia haver algum interesse na venda de tais empresas. Contudo, diante do laudo apresentado, a privatização foi posta como inviável. Ademais, outros critérios que incentivaram a criação da PEC, foram o desgaste provocado por privatizações e o resultado não positivo das empresas privatizadas.387 Percebe-se que o verdadeiro objetivo da PEC não é garantir a participação popular, mas dificultar a privatização. Por fim, a Cemig e a Copasa são apresentadas como estratégicas e fundamentais para o Estado, motivo pelo qual deveriam ser mantidas públicas. Para Itamar Franco, essas empresas devem permanecer sob controle estatal, na medida em que prestam serviços também a comunidades carentes, que seriam prejudicadas por empresas privadas, que somente vislumbram o lucro. Assim, o principal motivo que parece ter impulsionado a criação das estatais, foi o contexto da época, em que a política de privatização vinha sendo aplicada indiscriminadamente, a importância dessas empresas e a inviabilidade da privatização das mesmas. Em julho de 2001, foi dado parecer favorável à PEC nº 50/01. A Comissão Especial, composta pelo presidente Márcio Cunha, do PMDB, relator Rogério Correia, do PT e Aílton Vilela, do PSDB (até agosto de 2001 e, posteriormente, do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB), entendeu ser fundamental a exigência do referendo, pois permitiria que os cidadãos se manifestassem sobre matérias importantes, além de dificultar a privatização de empresas fundamentais para o Estado e para a sociedade. A única modificação foi em relação à nominação das empresas (Cemig e Copasa), já que poderiam ser modificadas, motivo pelo qual foram substituídas pelo ramo dos serviços prestados (energia elétrica e saneamento).388 387 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 50, de 10 de março de 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 388 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 50, de 10 de março de 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 140 Na votação da PEC nº 50/01, tanto em primeiro, quanto em segundo turno, foi ressaltada a importância de manter as empresas sob controle estatal, o que reforça a tese de que a intenção da proposta não era criar novas formas para incentivar a participação popular. A fala do deputado Fábio Avelar, do PPS, confirma tal fato: “Nossa preocupação de que se evite a privatização de empresas como a Cemig e a Copasa é em defesa do povo mineiro. Sabemos que todas as experiências de privatização estão sendo nefastas para o povo.”389. No mesmo sentido, Rogério Correia afirma que: A aprovação dessa emenda à Constituição, praticamente, inibe qualquer ação de governos futuros no que diz respeito à venda de empresas importantes como a CEMIG e a COPASA. O povo mineiro fica resguardado da ação de governos que especulam com empresas que nos são muito caras, vendendo-as, a preço de banana, a empresas estrangeiras. Conforme o substitutivo que apresentei, essa emenda à Constituição obriga que, para qualquer venda da CEMIG ou da COPASA, seja necessária, em primeiro lugar, a aprovação de três quintos dos Deputados, mesmo número necessário à aprovação de emenda à Constituição, o que dificulta a autorização da venda da CEMIG e da COPASA. Mesmo assim, seria necessário um referendo popular para a concretização da venda dessas empresas estatais. É uma salvaguarda que a emenda à Constituição passa a ter. Tomara que outras Assembléias Legislativas procedam da mesma forma, para impedir que esse 390 processo privatizante continue tendo curso em nosso País. A proposta foi aprovada por unanimidade nos dois turnos de votação e se transformou na EC nº 50, de outubro de 2001. Embora não tenha se esgotado este assunto, é possível perceber que o caso de Minas Gerais guarda muita semelhança com o do Rio Grande do Sul, embora a denominação dos mecanismos seja diferente. O mais importante é a previsão de uma exigência de consulta popular vinculante. O mesmo acontece com o caso de Santa Catarina, que passa a ser observado. 389 BRASIL. 271ª Reunião Ordinária, de 22 de agosto de 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013, p. 7 (grifo nosso). 390 BRASIL. 192ª Reunião Extraordinária, de 17 de outubro de 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013, p. 7 (grifo nosso). 141 c) Santa Catarina A Constituição do Estado de SC, no artigo 13, § 4ª e §5º prevê que: Art. 13 (...) § 4º — A alienação ou qualquer transferência do controle acionário da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – Celesc, sua subsidiária Celesc Distribuição S.A., dependerá obrigatoriamente de autorização legislativa com posterior consulta popular, sob forma de referendo. § 5º — A alienação superior a quarenta e nove por cento das ações ordinárias da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento S.A. – Casan, que implique na troca do controle acionário da Companhia, 391 dependerá obrigatoriamente de autorização. A exigência de referendo foi incluída na Constituição de SC em 1º de junho de 2010, através da EC nº 54. Tal EC surgiu com a aprovação unânime, em primeiro e segundo turno, da PEC nº 0003.1/10, de iniciativa do deputado Pedro Uczai, do PT. Tal iniciativa tinha como objetivo, evitar a privatização das estatais contempladas pela EC, que vinham sendo alvo de tentativas de alienação.392 Após aprovada a EC nº 54/10, foi incluído o §4º ao artigo 13: Art. 13 (...) § 4º - A alienação ou qualquer transferência do controle acionário da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – Celesc, sua subsidiária Celesc Distribuição S.A. e Companhia Catarinense de Águas e Saneamento S.A. - Casan, dependerá obrigatoriamente de autorização legislativa com posterior consulta 393 popular, sob forma de referendo.” Dessa forma, para qualquer tipo de alienação das empresas de energia e saneamento, havia a necessidade de referendo. Contudo, Raimundo Colombo, do PDT, eleito governador em 2011 propôs em junho do mesmo ano a PEC nº 0007.5/11, com o objetivo de retirar a exigência do referendo para a privatização da Casan e revogar o artigo 40, §2º da Constituição de Santa Catarina394, que exigia 391 BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de Santa Catarina, de 05 de outubro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013, p. 24. 392 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 0003.1 de 25 de março de 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013. 393 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 0003.1 de 25 de março de 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013. 394 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5 de 21 de junho de 2011. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013. 142 que o “voto dos representantes do Estado nos conselhos administrativos das Sociedades de Economia Mista, que implique em alteração do estatuto social, será precedido de autorização do Poder Legislativo, pela maioria absoluta dos seus membros”395. No parecer da CCJ, o texto proposto foi emendado para, ao invés de excluir a Casan do artigo 13, acrescentar a tal artigo o §5º e exigir referendo somente quando a venda fosse superior a 49% das ações da empresa e para manter o artigo 40, §2º, considerando a Casan como uma exceção a exigência ali prevista.396 Deputados de alguns partidos como o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentaram emendas ao PL, a fim de tentar impor a realização do referendo, ao invés da modificação do texto Constitucional, contudo, tais emendas foram rejeitadas.397 Na discussão em primeiro turno, deputados que se opunham a proposta afirmaram que a mesma era contrária a população e que, permitir a venda de 49% das ações significava privatizar a empresa: Nenhum dos então candidatos à eleição no ano passado disse, em qualquer reunião, que defenderia e votaria a favor da revogação daquilo que tínhamos posto na Constituição em junho daquele ano. Quatro meses antes da eleição viemos aqui e dissemos que ninguém poderia privatizar sem ouvir a população catarinense. Menos de um ano depois, estamos dizendo que até 49% pode privatizar, porque até esse percentual não é privatização. Ora, desde quando que vender alguma coisa para a iniciativa privada não é privatizar! Muitos de nós teremos que voltar para a aula de português para entender que vender qualquer ação de qualquer serviço público, de qualquer 398 patrimônio público é privatizar e deve receber o nome de privatização. Não houve manifestação dos defensores do PL nas discussões. Em segundo turno não houve discussão, apenas a votação.399 O “Quadro 7 – Votação da 395 BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de Santa Catarina, de 05 de outubro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013, p. 30. 396 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5 de 21 de junho de 2011. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013. 397 BRASIL. 87ª Sessão Ordinária de 20 de setembro de 2011. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013, p. 14-23. 398 BRASIL. 87ª Sessão Ordinária de 20 de setembro de 2011. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013, p. 17-18. 399 BRASIL. 30ª Sessão Extraordinária de 20 de setembro de 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013, p. 1-2. 143 Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5/11”, demonstra como foram às votações em primeiro e segundo turno. Quadro 7 – Votação da Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5/11 Deputado Partido Voto (1º Turno) Voto (2º Turno) Aldo Schneider PMDB Favorável Favorável Altair Guidi PPS Favorável Favorável Ana Paula Lima PT Contrário Favorável Angêla Albino PC do B Contrário Contrário Antônio Aguiar PMDB Favorável Favorável Carlos Chiodini PMDB --Favorável Ciro Roza PSD Favorável --Dado Cherem PSDB Favorável Favorável Darci de Matos PSD Favorável Favorável Dirce Heiderscheidt PMDB Favorável Favorável Dirceu Dresch PT Contrário Contrário Dóia Guglielmi PSDB Favorável Favorável Edison Andrino PMDB Favorável Favorável Elizeu Mattos PMDB Favorável Favorável Gelson Merisio PSD Favorável Favorável Gilmar Knaesel PSDB Favorável Favorável Ismael dos Santos PSD Favorável Favorável Jailson Lima PT --Contrário Jean Kuhlmann PSD Favorável --Joares Ponticelli PP Favorável Favorável Jorge Teixeira PSD Contrário Favorável José Milton Scheffer PP Favorável --José Nei Ascari PSD Favorável Favorável Kennedy Nunes PSD Favorável Favorável Luciane Carminatti PT Contrário Contrário Manoel Mota PMDB Favorável Favorável Marcos Vieira PSDB Favorável Favorável Maurício Eskudlark PSD Favorável Favorável Mauro de Nadal PMDB Favorável Favorável Moacir Sopelsa PMDB Favorável Favorável Narcizo Parisotto DEM Favorável --Neodi Saretta PT Contrário Contrário Nilson Gonçalves PSDB Favorável Favorável Padre Pedro Baldissera PT Contrário --Reno Caramoni PP Favorável Favorável Romildo Titon PMDB Favorável Favorável Sargento Amauri Soares PSOL Contrário Contrário Silvio Dreveck PP Favorável Favorável Valmir Comin PP Favorável Favorável Fonte: Sistematizado pela autora com base em: BRASIL. 87ª Sessão Ordinária de 20 de setembro de 2011; BRASIL. 30ª Sessão Extraordinária de 20 de setembro de 2010. Com a aprovação pela maioria em primeiro e segundo turno, a proposta foi aprovada e transformada na EC nº 59/11. Importa observar algumas questões importantes. Primeiramente, tal PL foi proposto em regime especial, o que permitiu 144 que ele fosse aprovado em apenas quatro meses, sem haver uma discussão mais expressiva sobre o assunto.400 Além disso, é possível observar que os mesmos partidos que votaram a favor do referendo para privatização da Casan na PEC nº 0003.1/10, já que a mesma foi aprovada de forma unânime, votaram a favor da PEC nº 0007.1/11, que permite a não realização do referendo na venda de até 49% das ações da empresa. Tal fato indica que alguns deputados, quando estão diante de temas que possuem apelo social, adotam uma postura que não corresponde com sua ideologia verdadeira e mudam tal postura quando possível. Além disso, este caso reforça a tese de que há, no Brasil, uma postura muito forte, no sentido de evitar a participação política dos cidadãos e reforçar a representação como único modelo democrático, já que alguns parlamentares optaram por mudar uma EC que havia sido aprovada há um ano, para flexibilizar a exigência do referendo, a ter que convocá-lo e discutir a privatização com a população. Tal atitude não é adotada, pois exigiria uma reconfiguração do sistema político representativo, na medida em que os representantes teriam que discutir verdadeiramente com a população uma questão de extrema relevância, abrindo precedente para ampliação do envolvimento popular nas questões políticas. 3.4 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 3 Conforme observado no capítulo anterior, existe um dilema entre a democracia representativa e a participativa. Neste capítulo apresentou-se uma forma de resolver tal dilema, através da democracia semidireta que solucionaria a dificuldade de tornar efetiva a participação cidadã nas sociedades modernas, bem como complementaria o sistema representativo puro, permitindo aperfeiçoá-lo e corrigir ou, ao menos, diminuir seus limites. A democracia semidireta é, portanto, um misto de participação e representação, pois ela permite que os cidadãos se envolvam na tomada de decisão política, sem abandonar as instituições representativas. 400 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5 de 21 de junho de 2011. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2013. 145 Nesse sentido, é preciso ressaltar que este estudo não tem a pretensão de defender o fim da representação política, pois este instituto é necessário para as sociedades contemporâneas. Assim, o problema não é a representação política, mas sim a representação de interesses particulares e, a participação cidadã pode ser utilizada como um meio de reprimir, ou ao menos, diminuir, os problemas gerados pela representação pura. Por isso, este trabalho entende que, ao lado da democracia representativa, deveriam existir meios efetivos de participação para decisões políticas de extrema importância. Com o objetivo de complementar o sistema representativo, a democracia semidireta se expressa através de mecanismos de participação cidadã. Os mais conhecidos são o plebiscito, referendo, iniciativa popular, veto popular e revogatória de mandato. Embora todos sejam importantes para o desenvolvimento democrático, a CRFB/88 contemplou apenas o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. O veto popular chegou a ser incluído na Constituinte, mas foi retirado. Durante a elaboração do texto Constitucional, houve a possibilidade de apresentação de emendas populares, contudo, muitos parlamentares se demonstraram contrários a tal iniciativa. Da mesma forma, havia muitos parlamentares que se opunham a garantia de mecanismos que ampliassem a possibilidade de participação dos cidadãos, o que demonstra que existe no Brasil, uma cultura onde as instituições representativas são tidas como a única forma democrática possível. A regulamentação dos mecanismos de democracia semidireta também permite perceber a prevalência desta cultura, na medida em que a CRFB/88 garantiu formas de incentivar a participação, mas previu que tais instrumentos deveriam ser regulamentados por lei especifica. A Lei nº 9.709, surgiu em 1998, ou seja, dez anos após a CRFB/88, o que dificultou a utilização destes instrumentos durante este tempo. Isso indica que não havia vontade política na regulamentação do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Mesmo com o surgimento da Lei não houve avanços na regulamentação, na medida em que a legislação demonstrou ser, basicamente, uma cópia dos preceitos 146 constitucionais, o que torna ainda mais evidente, a falta de intenção dos políticos em garantir efetiva participação popular. A CRFB/88 já havia determinado que o plebiscito e o referendo dependem de convocação e autorização, respectivamente, da Assembléia Legislativa, mediante DL. Além disso, previu que a iniciativa popular poderia ser exercida, desde que houvesse adesão de um por cento dos eleitores nacionais e a divisão desse percentual em Estados. Em relação à iniciativa estadual, o número de assinaturas ficou a critério da legislação estadual. No que se refere aos Municípios, exigiu-se adesão de cinco por cento do eleitorado. Nesse sentido, o próprio texto Constitucional que em seu artigo primeiro afirma adotar a democracia representativa e a direta, dando ênfase a segunda, estabelece critérios que dificultam a utilização dos mecanismos, impedindo a sua realização por iniciativa dos cidadãos e exigindo um alto índice de eleitores para a proposição de iniciativa popular. Ainda que a CRFB/88 tenha estabelecido alguns critérios rígidos, a legislação infraconstitucional poderia ter regulamentado os instrumentos participativos de forma a facilitar a sua utilização prática, prevendo, por exemplo, a possibilidade de proposição de plebiscito e referendo pelos cidadãos e a utilização dos mecanismos para matérias objeto de EC. Contudo, tais assuntos não foram tratados e não houve grande avanço na regulamentação desses instrumentos. O plebiscito e o referendo terem sido utilizados apenas uma vez até hoje, comprova a rigidez com que eles foram previstos e a dificuldade de efetivá-los. A pesquisa realizada em relação aos PLs propostos de 1988 até 2013, referente ao plebiscito, referendo e iniciativa popular, reforça tal fato, na medida em que se verificou que os PLs que tentam avançar na regulamentação destes instrumentos, encontram dificuldades na sua aprovação e enfrentam a má vontade de muitos parlamentares, que entendem que isso representaria o enfraquecimento ou, até mesmo, o fim da representação política. Nesse sentido, percebe-se no Brasil, a influência do modelo democrático hegemônico liberal, disseminado principalmente por Schumpeter, no sentido de que, 147 os cidadãos devem exercer sua soberania popular apenas para eleger seus representantes. Assim, embora exista a previsão da democracia semidireta na CRFB/88, ela não consegue se concretizar, devido à lógica na qual está inserida. Isso por que, qualquer “excesso” de participação é entendido como um risco para a própria democracia. Isso não significa que os mecanismos de participação cidadã não sejam capazes de serem utilizados efetivamente para influenciar nas decisões políticas de um país. Pelo contrário, foram citados neste capítulo, exemplos de que eles podem ser aplicados e podem impedir que os representantes adotem medidas contrárias a população. Os exemplos aqui citados, onde a participação popular efetivamente ocorreu, demonstram ainda, que não existe limites para a utilização desses mecanismos, que podem ser aplicados em diferentes localidades, culturas e economias. Percebeu-se ainda, que eles podem influenciar na decisão de blocos econômicos e políticos, dotados de muito poder e forçá-los a, ao menos, adotar medidas alternativas. Isso significa que, os instrumentos de participação podem ser utilizados na prática, desde que haja vontade política e, ao menos, flexibilização da lógica representativa pura. Assim, a efetividade dos mecanismos depende da lógica dentro da qual eles estão inseridos. Nesse sentido, no próximo capítulo será observado, que ainda que no Rio Grande do Sul, em um contexto muito específico, tenha sido criado um mecanismo que, em tese, contraria a democracia hegemônica, ele não é utilizado, o que reforça a ideia de medo dos representantes em relação à participação política dos cidadãos. 148 4 O PLEBISCITO E AS PRIVATIZAÇÕES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Neste capítulo é realizada uma análise das ECs nº 31/02, nº 33/02 e nº 47/04. Para tanto, ele está dividido em quatro partes. Primeiramente, são apontadas algumas questões sobre a forma como a pesquisa foi realizada. Em seguida, se verifica o contexto político no qual as ECs foram criadas, a reforma política implementada pelo governo FHC e as privatizações realizadas, principalmente pelo governo Antônio Britto, bem como o risco que estatais corriam de serem alienadas e a luta dos bancários para a proposição da PEC nº 94/98. Posteriormente, observam-se as PECs nº 94/98, nº 122/02 e nº 161/04, que deram origem as ECs, seu conteúdo, e as discussões travadas pelos deputados na aprovação dessas propostas. Por fim, é analisado se houve algum governo, após a criação das ECs, com objetivo de privatizar empresas estatais, o mecanismo do plebiscito vinculante e o modelo democrático que melhor lhe representa. 4.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Antes de verificar o contexto em que as ECs surgiram e seu conteúdo, importa apontar algumas reflexões sobre como a pesquisa para este capítulo foi estruturada e desenvolvida. Importa observar que a pesquisa realizada neste trabalho é exploratória. Antonio Carlos Gil401, ao descrever as pesquisas exploratórias, explica que: Pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis. Nesse sentido, esta pesquisa é exploratória, na medida em que o caso aqui analisado nunca foi estudado, ou seja, não existem trabalhos sobre a previsão 401 GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987, p. 45. 149 Constitucional do plebiscito para privatizações de empresas estatais no Estado do RS. Assim, a escolha deste tema pretendeu dar visibilidade a este processo. Conforme já mencionado, a forma de análise dos dados se amparou na abordagem qualitativa, que pressupõe a existência de: [...] uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos 402 concretos criam em suas ações. Nesse sentido, a abordagem qualitativa representa uma pesquisa onde se pretende verificar a complexidade e contradições de um determinado tema, em contraponto com as pesquisas quantitativas que, em regra “privilegiam a busca da estabilidade constante dos fenômenos humanos, a estrutura fixa das relações e a ordem permanente dos vínculos sociais”403. Em relação às técnicas de pesquisa definidas como “um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência ou arte”404, foi utilizada a análise bibliográfica e a documental combinadas com entrevistas, conforme já mencionado. Importa esclarecer a diferença entre a pesquisa bibliográfica e documental. A primeira é utilizada para promover uma discussão baseada em referências já publicadas, disponíveis em jornais, sítios da internet, livros, etc., enquanto a segunda baseia-se em documentos primários, como por exemplo, documentos oficiais obtidos em órgãos públicos, publicações parlamentares, etc.405 Em relação às entrevistas, elas são consideradas “como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação”406. Nesse sentido, as entrevistas são formas de interação social, onde um indivíduo busca obter 402 CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 79. 403 CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 78. 404 MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 157. 405 MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 157-168. 406 GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987, p. 113. 150 informação, enquanto o outro a fornece.407 O tipo de entrevista utilizada para esta pesquisa foi a semiestruturada, ou seja, foi elaborado um roteiro prévio, havendo a possibilidade de estabelecer um diálogo com os entrevistados, sem a exigência de observância rigorosa deste roteiro.408 Para definir as técnicas utilizadas nesta pesquisa, é necessário especificar a elaboração de cada parte deste capítulo. Para desenvolver o tópico sobre o contexto político em que as ECs surgiram, principalmente em relação ao modelo gerencial e as privatizações, foi utilizada a pesquisa exclusivamente bibliográfica, com análise de livros, sítios da internet, artigos, etc. No que se refere ao desenvolvimento do item “4.2.2 Privatização das Estatais: Risco Iminente?”, as pesquisas adotadas foram a bibliográfica e a documental, pois além da consulta à internet e à artigos, a autora realizou uma busca, principalmente em relação a três documentos que comprovariam, em tese, a intenção do governo Britto em privatizar o Banrisul, a Corsan e o remanescente da CEEE: o contrato entre o Estado e a União, referente ao Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária (Proes); o Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal assinado pelo governador Britto e; o Orçamento de 1999. A informação de que esses documentos previam a privatização de algumas estatais, em especial do Banrisul, foi obtida nas discussões das PECs analisadas e em informações dadas pelos entrevistados. Para buscar esses documentos públicos a autora percorreu um longo caminho, na medida em que nenhuma instituição e nenhum servidor sabiam informar a sua localização. Importa observar que, a maior parte dos servidores com quem a autora conversava, não tinha sequer conhecimento da existência de tais documentos. Por esta razão, a autora tardou, aproximadamente, três meses para ter acesso a tais documentos. Durante este tempo foram feitas visitas, principalmente, às seguintes instituições: Palácio Piratini, Casa Civil, Arquivo Público do Estado, 407 GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987, p. 113. MANZINI, Eduardo José. Entrevista semi-estruturada: análise de objetivos e de roteiros. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2014, p. 1-3. 408 151 Assembléia Legislativa, Memorial do Legislativo, TRE e Secretária da Fazenda do Estado do RS (Sefaz-RS). O orçamento de 1999 foi encontrado, por acaso, no Memorial Legislativo. O servidor informou que, tal documento deveria estar na Casa Civil, mas, por insistência da autora, fez uma busca e o encontrou em uma caixa perdida nos arquivos do memorial, junto ao Plano Plurianual (PPA) de 1998, que também foi analisado, a fim de tentar encontrar novidades. O Proes e o Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal foram mais difíceis de encontrar. Após uma longa busca, a autora foi a Sefaz-RS, aonde já havia estado e não havia encontrado os documentos, mas depois de muita insistência foi permitido que a autora conversasse com o departamento de comunicação, que soube informar como acessar os documentos. Importa referir que, embora eles estivessem disponíveis na internet, eram de difícil acesso e estavam com uma denominação que dificultava ainda mais tal acesso. Deve-se perceber que todos esses documentos são públicos e deveriam estar disponíveis para qualquer cidadão que tenha interesse em analisá-los. Contudo, quando existe verdadeira necessidade de utilizá-los percebe-se que, embora sejam públicos, eles são de difícil acesso. Ainda para desenvolver este tópico, foram utilizadas as seguintes fontes bibliográficas: propagandas eleitorais de 1998, a fim de verificar o discurso sobre a privatização dos principais candidatos ao governo estadual à época, Antônio Britto e Olívio Dutra e; pesquisa em jornais, principalmente na Zero Hora e no Correio do Povo, com o objetivo de encontrar manifestações acerca da possibilidade de privatização das estatais. Além disso, buscando a informação de quais as empresas no setor de energia e de saneamento básico foram privatizadas no Brasil, a partir de 1995 para demonstrar que a exigência do Governo Federal era de reduzir ao máximo o tamanho do Estado (o que foi atendido pela maior parte dos Estados), a autora contatou (por e-mail) a Agência Nacional de Águas (ANA) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Contudo, nenhum dos muitos e-mails enviados foi respondido, motivo pelo qual a autora se dirigiu à sede da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos (Agergs). No local, as informações buscadas 152 também não foram respondidas. A autora foi aconselhada a entrar em contato com as agências específicas dos setores, o que já havia sido feito sem êxito. Por este motivo, as informações sobre a privatização do setor elétrico e de saneamento, tiveram que ser obtidas na internet. Em relação ao saneamento, a autora não conseguiu dados precisos, motivo pelo qual tratou apenas de uma das formas de privatização do setor: a concessões privadas, não sendo possível realizar o levantamento pretendido sobre a venda das estatais no setor de saneamento. A fim de verificar como ocorreu a luta dos bancários para a aprovação da PEC nº 94/98, que serviu de base para o surgimento das demais, a técnica utilizada foi a bibliográfica. Para buscar os materiais sobre este assunto, a autora procurou o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre (Sindibancários) e foi encaminhada para o seu arquivo histórico, onde foram disponibilizadas muitas pastas com notícias da época (retiradas de jornais). Assim, a autora foi até o local para separar as informações relevantes, as quais foram fotografadas e contribuíram para o desenvolvimento do item “4.2.3 Mobilização do Setor Bancário”. Para o tópico “4.3 Emendas Constitucionais” foi utilizada a análise documental, a partir das atas das sessões onde as PECs, que deram origem as ECs, foram discutidas e votadas e da integra dos processos dessas PECs. As atas das sessões estão disponíveis no sitio da Assembléia Legislativa, enquanto os processos foram requeridos pela autora na CCJ, na Assembleia Legislativa, onde foram disponibilizadas suas cópias. Para a análise das ECs, a partir desses documentos, foram estabelecidos alguns critérios: a exposição de motivos, a redação do projeto da EC, a tramitação do projeto e o processo de votação. Em relação aos três primeiros itens foram utilizados, basicamente, os processos das PECs, que continham todas as informações necessárias. No que se refere ao processo de votação, os principais instrumentos de análise foram as atas das sessões, onde os projetos foram discutidos e votados. Contudo, havia nestes documentos, muitas informações que não envolviam diretamente o debate aqui proposto. Nesse sentido, identificaram-se quatro assuntos importantes: a influência da luta de segmentos da sociedade civil para a aprovação da proposta; o desejo de privatizar as empresas estatais durante o governo Britto; a 153 necessidade de impedir a privatização das estatais e; as propostas como oposição ao neoliberalismo. Tais critérios foram selecionados, principalmente, nas discussões sobre a PEC nº 94/98, que foram mais expressivas que as demais. Dessa forma, esses assuntos serviram como base de análise para as PECs nº 122/02 e nº 161/04. Outras discussões, como informações que não correspondiam ao objeto da proposta e troca de acusações entre os partidos, não foram consideradas, por serem irrelevantes a esta pesquisa. Para realizar o último tópico deste capítulo, referente ao plebiscito e ao modelo democrático que o representa, utilizou-se a pesquisa bibliográfica. Para tanto, a autora fez uma busca a fim de verificar se algum governo apresentou desejo de privatizar alguma das estatais, principalmente o Banrisul que foi o caso mais simbólico. Para tanto, a autora utilizou-se dos documentos obtidos no Sindibancários, bem como realizou uma pesquisa em jornais da época, principalmente na Zero Hora e no Correio do Povo. A autora analisou ainda, o caso da venda de 49% das ações do Banrisul no governo Yeda, principalmente através de informações obtidas na internet. Para verificar qual modelo de democracia melhor descreve o plebiscito criado pelas ECs, a autora utilizou-se das informações dos capítulos anteriores, sobre os modelos democráticos e os mecanismos de participação. Em relação às entrevistas que foram utilizadas ao longo deste capítulo, elas foram semiestruturadas, conforme já citado. Todas as entrevistas seguiram este modelo e todas elas foram gravadas, bem como todos os entrevistados assinaram um Termo de Livre Consentimento autorizando a reprodução das conversas, que segue em anexo. A única exceção é a entrevista do vereador Gilmar Fiebig que foi enviada à autora por e-mail, motivo pelo qual não foi gravada e não foi assinado o termo de consentimento. Antes de definir quem seriam os entrevistados, foram construídas as perguntas a serem respondidas. Essas questões foram elaboradas com o objetivo de tentar descobrir temas não abordados nos documentos analisados, bem como reforçar alguns argumentos existentes nesses documentos, conforme demonstra o “Quadro 8 – Perguntas Elaboradas para as Entrevistas”. 154 Quadro 8 – Perguntas Elaboradas para as Entrevistas Perguntas elaboradas Sabe informar quem elaborou o Projeto de Lei das Emendas Constitucionais? Como surgiu a ideia de vincular a privatização das estatais a um plebiscito?; Houve pressão da população ou de movimentos sociais para a criação dessas Emendas Constitucionais? O que motivou o seu voto?; Na sua opinião as ECs são completas? O Sr(a). acrescentaria mais alguma coisa na sua redação; O sr(a). mudaria alguma coisa no processo que originou as ECs? Na sua opinião, alguma empresa estatal importante deixou de ser regulamentada pelas ECs? Qual?; Qual seria a sua postura se essa votação ocorresse hoje, haveria alguma mudança no seu voto?; O Sr(a). se lhe coubesse e fosse possível, optaria por privatizar algumas das estatais hoje? Por quê?; O sr(a). concorda com a exigência do plebiscito para privatização das empresas estatais no contexto atual? Por quê? Conhece algum caso parecido com o do Rio Grande do Sul no Brasil (um plebiscito que vincule uma decisão importante à consulta popular)?; Em caso negativo a esta pergunta: Na sua opinião, porque não existe outro caso ou muitos casos como o do Rio Grande do Sul no Brasil? As estatais contempladas pelas ECs corriam risco de privatização? Por quê?; Embora as votações tenham sido unânimes, houve, posteriormente, algum governo com a intenção de privatizar alguma das estatais; Na sua opinião, se não houvesse a exigência do plebiscito para a privatização das estatais, alguma delas estaria hoje, privatizada? Por quê?; Na sua opinião, porque não foi chamado nenhum plebiscito até hoje? Na sua opinião, porque foram feitas três emendas constitucionais, para tratar de um mesmo assunto (plebiscito em caso de privatização)? Por que, todas as emendas não foram contempladas pela primeira EC? Qual a importância dessas ECs para o processo democrático? Na sua opinião, o plebiscito criado por essas ECs é compatível com um modelo de Estado neoliberal? Por quê? Fonte: Elaborado pela autora. Objetivo das Perguntas Verificar se os entrevistados recordavam quem foram os autores das propostas, principalmente em relação a PEC nº 94/98, da qual a autora não tinha essa informação. Verificar se os entrevistados sabiam de onde surgiu a iniciativa das propostas e se o contexto político e a pressão de segmentos da sociedade foram importantes. Este conjunto de perguntas tentou compreender a verdadeira posição do entrevistado sobre o processo de privatização e, principalmente, sobre a exigência de consulta popular, para uma questão relevante. Identificar se o caso do Rio Grande do Sul foi baseado em algum outro exemplo e verificar qual é o argumento dos entrevistados para a falta de casos que obriguem a participação cidadã. Este conjunto de perguntas tentava analisar se o plebiscito serviu para impedir a privatização das estatais, se houve intenção clara de privatização após o surgimento das ECs e, qual a opinião dos entrevistados sobre o fato de que nenhum plebiscito foi realizado até hoje. Identificar o que motivou a criação de três ECs, com o mesmo assunto. Tentar verificar qual é a postura do entrevistado em relação a participação popular e qual o modelo democrático predomina na sua fala. Identificar qual é a opinião do entrevistado sobre o Estado neoliberal e a compatibilidade entre tal Estado e mecanismos de participação vinculantes. 155 Após a construção das questões, foram selecionados os entrevistados (a escolha dos entrevistados e o contato com os mesmos ocorreram a partir do final de julho de 2013.). Para a escolha dos entrevistados foram utilizados os seguintes critérios: deputados de diferentes partidos e com diferentes ideologias; deputados que tivessem participado da proposição e da votação das emendas ou de alguma delas; dois ex-governadores, com posições ideológicas distintas; dirigentes das empresas estatais que acompanharam a criação das ECs e/ou entes da sociedade civil que participaram da luta para a proposição e aprovação das PECs. Os principais selecionados para as entrevistas eram deputados, pois se supôs que eles teriam as informações buscadas. A partir desses critérios, se realizou a seleção de algumas pessoas para entrevista, conforme demonstra o “Quadro 9 – Selecionados para as Entrevistas”. Quadro 9 – Selecionados para as Entrevistas Possível Entrevistado Aod Cunha Partido Berfran Rosado PPS --- Carlos Augusto Rocha Relação com as Propostas Situação da Entrevista Secretário da Fazenda durante o governo Yeda. Não foi possível contatá-lo. A autora conseguiu o seu telefone celular, contudo, em diversas tentativas o número só chamava ou estava desligado. A autora conseguiu contato com o partido, que solicitou o envio das perguntas, para que o deputado respondesse e enviasse por e-mail. Contudo, a autora não recebeu o email. Quando contatado, o partido afirmava que o deputado entraria em contato. Entrevistado em 11.12.2013 (Duração: 2h13min.). Obs: A autora buscou junto ao sindibancários, o contato de um dirigente do sindicato na época de votação da PEC nº 94/98 e foi aconselhada a conversar com a Sra. Claudete. Em conversa informal com esta, foi repassado para a autora o contato do Sr. Carlos Augusto. Foram feitos muitos contatos com sua assessora, mas não foi marcada a entrevista, sob o argumento de falta de tempo. Obs: Este deputado não estava na lista de entrevistados, seu nome foi sugerido pelo deputado Germano Bonow. Entrevistado em 02.10.2013 (Duração: 1h25min.). Participou da votação da PEC nº 94/98. --- Diretor de política sindical de formação da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras (Fetrafi) e participou da criação da PEC nº 94/98. Cézar Busatto PMDB/PPS Foi secretário da fazenda no governo Britto e participou da votação das PECs nº 94/98, nº 122/02 e nº 161/04. Flávio Koutzii PT Chefe da casa civil de janeiro de 1999 a abril de 2002; participou da 156 Germano Bonow PFL Gilmar Fiebig PDT Heitor Shuch PSB José Ivo Sartori PMDB Jussara Cony PC do B Luiz A. Monza Coller --- proposição das PECs nº 122/02 e nº 161/02 e da votação da PEC nº 94/98 em segundo turno. Participou da votação das PECs nº 94/98 e nº 122/02. Vereador de Erechim, que pediu o desarquivamento da PEC nº 94/98. Participou da votação da PEC nº 161/04. Participou da votação das PEC nº 94/98 e nº 122/02. Participou da votação das PECs nº 122/02 e nº 161/04. Assessor do Diretor Técnico e Comercial da Sulgás. Manoel Maria PTB Participou da votação das PECs nº 94/98, nº 122/02 e nº 161/04. Maria do Carmo PPB Participou da votação das PECs nº 94/98 e nº 122/02. Olívio Dutra PT Pedro Westphalen PP Governador do Estado, na época da votação da PEC nº 94/98 e da proposição e votação da PEC nº 122/02. Participou da proposição e da votação da PEC nº 161/04. Raul Pont PT Ricardo Giuliani Sérgio Peres --- PL Vicente José Rauber Vieira da Cunha --PDT Participou da votação da PEC nº 161/04. Membro do PT (um dos fundadores do partido) e Membro da Casa Civil em 2002. Participou da votação da PEC nº 161/04. Diretor presidente da CEEE em 2002. Anunciou o desarquivamento da PEC nº 94/98, autor da PEC nº 122/02 e participou da votação Entrevistado em 26.09.2013 (Duração: 54min.). Entrevistado (respondeu as perguntas e as repassou por e-mail em 26.09.2013). Entrevistado em 02.10.2013 (Duração: 31 min.). Sua assessora solicitou o envio das perguntas por e-mail, para que o deputado respondesse e enviasse, mas mesmo após muitos contatos, o deputado não repassou as respostas à autora. Foram feitos muitos contatos com sua assessora, mas não foi marcada a entrevista, sob o argumento de falta de tempo. O Sr. Luiz entrou em contato com a autora, mas informou não ter muito conhecimento sobre o tema e se disponibilizou a verificar se algum dos dirigentes da Sulgás da época da Emenda poderia contribuir com a pesquisa. Em novo contato, ele informou que não encontrou ninguém que pudesse ajudar. O deputado solicitou que a autora enviasse as perguntas antes de marcar a entrevista e após análise das mesmas, informou que não tinha tempo para responder as perguntas. Foram feitos muitos contatos com a secretária da rádio Guaíba, onde a ex-deputada trabalha, mas não foi marcada a entrevista, sob o argumento de falta de tempo. Entrevistado em 08.11.2013 (Duração: 27min.). Foram feitos muitos contatos com sua assessora, mas não foi marcada a entrevista, sob o argumento de falta de tempo. Entrevistado em 02.10.2013 (Duração 38min.). Entrevistado em 17.12.2013 (Duração: 58min.). Obs: o Sr. Ricardo Giuliani não estava na lista de entrevistados, foi o deputado Flávio Koutzii, quem sugeriu o contato. A autora não conseguiu contato. Entrevistado em 01.10.2013 (Duração: 50min.). Foram feitos muitos contatos com sua assessora, mas não foi marcada a entrevista, sob o 157 Yeda Crussius das três propostas Governadora do Estado de 20072010. PSDB argumento de falta de tempo. Foram feitos muitos contatos com sua assessora, mas não foi marcada a entrevista, sob o argumento de falta de tempo. Fonte: Elaborado pela autora. É possível perceber que a autora teve dificuldades para marcar as entrevistas, motivo pelo qual dos vinte e um nomes selecionados, apenas nove foram efetivamente entrevistados. Neste particular, nota-se o descaso, principalmente dos parlamentares, que não demonstram interesse em atender os cidadãos (neste caso, uma pesquisadora) para esclarecer questões das quais participaram.409 Além disso, importa mencionar que os deputados Raul Pont, Heitor Schuch e o ex-governador Olívio Dutra, separaram apenas vinte ou trinta minutos para responder as questões e essa pressa ficou evidenciada na forma rápida e sucinta como as perguntas eram respondidas. Analisando as respostas de maneira geral, foi possível identificar que a maior parte dos entrevistados não se recordava ou não tinha conhecimento sobre o que estava sendo requerido. A maioria lembrava-se do contexto geral da época de desgaste da política de privatizações, mas não sabia detalhar como surgiu a proposta, como se deu a movimentação dos segmentos da sociedade neste processo e, principalmente como e de quem era a iniciativa da PEC nº 94/98. Neste particular, o Sr. Carlos Augusto Rocha pode ser considerado uma exceção, pois por ter participado do processo de criação dessa proposta, soube informar mais detalhadamente, como o mesmo ocorreu. No que se refere aos demais entrevistados, não houve muitas inovações nas respostas, que traduziram o que já estava prescrito nos documentos, ou seja, as entrevistas não conseguiram como regra geral, suprir o que os documentos não demonstraram. 409 Esta postura está de acordo com a lógica liberal representativa, onde o cidadão não deve ser ativo e os representantes não estão dispostos e preparados para conversar após as eleições, ou seja, a passividade é vista como benéfica. Vide Capítulo 2, p. 34-35, sobre a passividade dos cidadãos. 158 4.2 CONTEXTO POLÍTICO A PEC nº 94/98, que deu origem a EC nº 31/02 e serviu de base para o surgimento das demais ECs analisadas neste trabalho, foi criada em um momento de aplicação do modelo de Administração Pública Gerencial, que tem como característica essencial a prevalência da lógica do privado sobre a lógica do público, o que naturaliza a privatização de empresas estatais, para permitir o enxugamento da máquina pública. O modelo gerencial passou a ser implementado no Brasil em 1995 quando FHC, do PSDB, assumiu a presidência e, no mesmo período no Estado do RS, quando Antônio Britto, do PMDB, tornou-se governador.410 Foi em função da aplicação dos preceitos gerenciais, que o segmento bancário se organizou e fez surgir a PEC nº 94/98, motivo pelo qual, importa analisar ainda que rapidamente, tal contexto. Contudo, antes de tal análise, é necessário definir o que este estudo entende por privatização. Bobbio, ao se referir à privatização do aparelho ou da Administração do Estado, afirma que o termo é empregado no sentido de subordinação do Estado a setores privados, reduzindo a sua autonomia. Para o autor a privatização ocorre, portanto, quando o setor privado se apropria de funções públicas.411 410 Importa referir que, embora a reforma gerencial tenha sido implementada no Brasil, a partir de 1995, os seus antecedentes demonstram que desde o fim do governo de Getúlio Vargas, estava sendo preparado o terreno para a aplicação desse modelo, onde a privatização aparece como elemento central. Assim, desde o regime militar, a partir de 1964, eram adotadas medidas a fim de flexibilizar a Administração Pública Burocrática consolidada, principalmente, na era Vargas. Entre essas medidas, destaca-se o processo de descentralização administrativa, com a criação da Administração Pública Indireta, que permitia a atuação de autarquias, empresas públicas e sociedade de economia mista. Tal descentralização tornou-se um importante precedente para a reforma aplicada no governo FHC (BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013, p. 18-20). Importa ainda referir que, este trabalho não esgotará tal tema, na medida em que não é seu objeto central, motivo pelo qual se pretende apenas, resgatar o contexto político da época para explicar sobre quais bases foram criadas as ECs aqui estudadas. Para mais esclarecimentos sobre os antecedentes da reforma gerencial vide DIAS, Franceli Pedott. Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 55-62. 411 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11 ed., vol. I. Brasília: Universidade de Brasília, 1998, p. 406. 159 Conforme previsto no dicionário de língua portuguesa, privatizar significa repassar algo do Estado para o setor privado.412 Assim, quando o Estado perde o controle de certo serviço (através de concessões ou parcerias com o setor privado, por exemplo) ou a propriedade de uma estatal (no caso de venda) entende-se que ocorreu o processo de privatização.413 Neste mesmo sentido, Dasso Júnior414 afirma que: “Transferir propriedade pública para organizações com ou sem fins lucrativos é o mesmo que privatização”. Dessa forma, este estudo entende por privatização qualquer repasse de empresas ou serviços para o setor privado, total ou parcialmente, tenham ou não finalidade lucrativa. 4.2.1 Governos FHC e Britto: Concretização da Reforma Gerencial O modelo gerencial é uma forma de administrar a máquina pública baseada principalmente, na idéia de eficácia do setor privado e ineficácia do público, adotando para isso, o critério da eficiência e do enxugamento do Estado. 415 Tal tipo de Administração visou substituir a anterior, ou seja, a Administração Burocrática que era um método baseado no profissionalismo e no controle rigoroso dos meios adotados para gerência da Administração Pública. O modelo burocrático era pautado pelos princípios da legalidade (que estabelece que o gestor pode fazer tudo aquilo que a lei lhe permite), impessoalidade (que determina que não deve haver favorecimentos pessoais, ou seja, a administração é voltada a todos), 412 MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2013. 413 DIAS, Franceli Pedott. Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 72. 414 DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 249. 415 Importa ressaltar que o gerencialismo possui muitas características do modelo de Estado neoliberal, como por exemplo, a política de privatizações e a adoção do modelo democrático baseado exclusivamente na representação política. Contudo, ainda que o modelo gerencial e o modelo neoliberal possuam características muito semelhantes, os defensores deste tipo de Administração afirmam que ele é contrário ao neoliberalismo (BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013, p. 9-68; DIAS, Franceli Pedott. Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 51-63.). 160 moralidade (que implica na observância de um padrão de conduta médio) e publicidade (em que se exige transparência na atuação dos gestores).416 Para os defensores desta reforma, ela se tornou essencial para modernizar a máquina estatal, em função do processo de globalização e para resolver os problemas criados pela alta interferência do Estado na economia.417 Por esta razão, após a vitória nas eleições de 1994, o governo FHC nomeou Luiz Carlos BresserPereira como Ministro do Mare e o encarregou de criar as diretrizes para a reforma do Estado.418 Assim, o Ministro do Mare e sua equipe desenvolveram as bases da reforma gerencial: o PDRAE e a EC nº 19/98.419 No primeiro estabeleceu-se os objetivos e diretrizes para a reforma, enquanto a EC pretendeu realizar uma mudança na CRFB/88, para permitir o exercício prático do gerencialismo. As principais características do PDRAE são: a reforma gerencial é apresentada como única saída para a crise do Estado, provocada pela forte interferência do Estado na economia; o modelo de Administração burocrático é visto como ineficiente, frente ao processo de globalização; o fim do regime único dos servidores públicos, permitindo a existência de servidores regulados pelo regime trabalhista; inclusão, aos princípios burocráticos, do princípio da eficiência; o Estado e as empresas estatais são vistas como ineficientes; o Estado deve deixar de ser responsável direto pelos âmbitos econômico e social e passar a ser regulador; a privatização e as parcerias com o âmbito privado são consideradas essenciais; defesa da democracia representativa; o cidadão é visto como cliente; é criado o 416 DIAS, Franceli Pedott. Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 48-51; BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013, p. 15. 417 BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013, p. 06-09. 418 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma gerencial do Estado de 1995. Revista de Administração Pública, nº 34(4), jul. 2000, p. 55-72, 2002. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013, p. 58-59. 419 Para uma análise mais abrangente do PDRAE e da EC nº 19/98, vide DIAS, Franceli Pedott. Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 68-81. 161 setor público não estatal, a fim de permitir que entidades privadas exerçam determinadas funções, como na área da saúde e educação, por exemplo.420 Importa notar que, embora o PDRAE cite muitas vezes a democracia, não há menção de mecanismos participativos que permitam que os cidadãos intervenham efetivamente nas decisões políticas, o que demonstra que a reforma administrativa não pressupõe uma democracia semidireta. Após estabelecer as diretrizes do modelo gerencial, era necessário reformar a CRFB/88, pois ela foi considerada um retrocesso, na medida em que consolidou os princípios burocráticos. Para isso, foi proposta a PEC nº 173-A/95, que deu origem à EC nº 19/98, que modificou a CRFB/88 na parte da Administração Pública: As principais alterações no capítulo da Administração Pública foram: fim do regime jurídico único (artigo 39, caput); alteração das regras da estabilidade dos servidores públicos (artigo 41, parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º); aumento do período de estágio probatório para servidores públicos (artigo 41, caput); inclusão de dispositivo que permite aos órgãos e entidades da Administração direta e indireta firmar contratos de gestão com os respectivos ministérios e, com isso, ganhar mais "flexibilidade" para administrar o seu orçamento e sua folha de pagamentos, podendo fixar os salários dos seus empregados ou servidores, desde que cumpram as "metas" fixadas pelo governo (artigo 37, parágrafo 8º); inclusão do princípio da “eficiência”, agora arrolado ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (artigo 37, caput); inclusão do princípio da “acessibilidade” aos estrangeiros (artigo 37, inciso I - 258 fim da exigência da nacionalidade brasileira como requisito prévio para o acesso a cargos, empregos e funções públicas, complementado o artigo 207, parágrafo 1º, da Emenda Constitucional nº 11, de 30 de abril de 1996, que facultou às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, nos termos da lei); eliminação da regra de que os cargos em comissão e funções de confiança deveriam ser exercidos preferencialmente por servidores de carreira (artigo 37, inciso V); a regulamentação do direito de greve deve ser realizada mediante lei ordinária, e não lei complementar, como constava na redação original (artigo 37, inciso VII); inclusão do regime de subsídios e supressão da determinação geral da remuneração dos servidores públicos civis e militares (artigo 37, inciso X); nova regulamentação dos tetos de remuneração na Administração Pública, estabelecendo teto unificado para os três poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incidindo sobre todas as parcelas remuneratórias e sobre as acumulações de remuneração e/ou de proventos (artigo 37, inciso XI); supressão do dispositivo constitucional relativo à isonomia de vencimentos (artigo 37, inciso XIII); ampliação das vedações dirigidas aos acréscimos pecuniários percebidos por servidores públicos, eliminando a expressão “sob o mesmo título ou idêntico fundamento” (artigo 420 BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2013, p. 06-68. 162 37, inciso XIV); eliminação do princípio da “irredutibilidade” de vencimentos 421 (artigo 37, inciso XV); etc. A reforma da Administração Pública exigiu, portanto, muitas mudanças constitucionais para ser implementada.422 Uma das mudanças mais importante foi a inclusão do princípio da eficiência (retirado do setor privado, objetivando a obtenção de lucros) aos antigos princípios do modelo burocrático. Com as bases necessárias para a reforma da Administração Pública, o governo FHC, conforme se depreende do “Gráfico 1 – Privatizações no Brasil de 1991 a 2005” passou a adotar medidas gerenciais, principalmente no que se refere à privatização de empresas estatais. Gráfico 1 – Privatizações no Brasil de 1991 a 2005 Fonte: ALMEIDA, Monica Piccolo, 2010, p. 346. A análise do percentual de recursos obtidos com a privatização de estatais (valores em US$ bilhões) indica que, no governo FHC (1995-1998 e 1999-2002) ocorreu a maior parte das vendas de estatais. Isso por que o projeto de privatizações “consolidou-se e assumiu o epicentro da agenda política”423. 421 DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 258. 422 Além da Emenda nº 19/98, foram propostas outras ECs e projetos de lei, a fim de flexibilizar o modelo burocrático e estabelecer a administração gerencial. Para análise dessas propostas vide DIAS, Franceli Pedott. Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 65-68 e 81-115. 423 ALMEIDA, Monica Piccolo. Reformas neoliberais no Brasil: A privatização nos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. 2010. 368p. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010, p. 347. 163 Para obter o apoio da população quanto às privatizações, o governo FHC construiu a imagem de ineficiência do Estado e das estatais que se privatizadas, permitiriam a melhora na qualidade dos serviços e a redução de preços. Para Almeida e Aloysio Biondi, contudo, o argumento de que a deteriorização dos serviços das estatais se deve a incompetência do Estado para regulá-las, não corresponde à verdade. O problema, para os autores, surgiu em função das medidas aplicadas no governo FHC e no governo anterior, em relação à adoção de uma política econômica pouco realista.424 Para Biondi425 as privatizações prejudicam os cidadãos, na medida em que as empresas estatais devem ser utilizadas como instrumentos para garantir a justiça social e redistribuição de renda, bem como devem atender a toda população, especialmente os mais prejudicados financeiramente. Já as empresas privadas, guiam-se pelo lucro e não se preocupam com a universalização dos serviços. Como o Governo Federal estava adotando um modelo administrativo baseado na eficiência e no enxugamento da máquina pública, muitos Estados (em especial, onde os governadores eleitos eram aliados do governo FHC, ou ainda, por pressão deste) passaram a adotar tal postura. Foi o que aconteceu no Estado do RS, quando Britto assumiu como governador. Já no Plano de Governo, desenvolvido em 1994, observam-se características gerenciais: necessidade de reforma e modernização do Estado; ineficiência do Estado e das empresas estatais; adoção de parcerias com o setor privado e de privatizações e; adoção do critério da eficiência para o setor público.426 424 ALMEIDA, Monica Piccolo. Reformas neoliberais no Brasil: A privatização nos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. 2010. 368p. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010, p. 350; BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 19. 425 BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 21-22. 426 BRITTO, Antônio. Diretrizes de governo: um conjunto de idéias do candidato Antônio Britto para o Rio Grande do Sul, 1994. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 3-27. 164 A adoção do modelo gerencial torna-se mais evidente com a aprovação da Lei nº 10.607/95, que instituiu o Programa de Reforma do Estado, para remodelar a atuação do Estado na economia, através da desestatização de serviços427: Art. 3º - A desestatização será executada mediante as seguintes formas operacionais: I - alienação de participação societária, inclusive de controle acionário; II abertura de capital; III - aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição; IV transformação, incorporação, fusão ou cisão; V - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens, direitos e instalações; VI - dissolução de sociedades ou desativação parcial de seus 428 empreendimentos, com a conseqüente alienação de seus ativos. Ainda que o termo utilizado seja desestatização e não privatização, percebese que algumas das medidas para desestatizar, referem-se à alienação de patrimônio, transformação, incorporação, fusão ou cisão e dissolução de sociedades, o que implica em efetiva perda de poder, motivo pelo qual são consideradas formas de privatizar. Na Mensagem à Assembléia Legislativa em 1996, o governador reiterou a questão da ineficiência do Estado e afirmou que sete estatais apresentavam déficits operacionais graves: Banrisul, Arrendamento Mercantil, Companhia Administradora da ZPE do Rio Grande (Zopergs/RS), Cesa, CRM, Corsan, Companhia Riograndense de Turismo (CRTUR) e Companhia de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Rio Grande do Sul (Cedic).429 Deve-se observar que o Banrisul, a Cesa, a CRM e a Corsan, expressamente previstas pelas ECs, foram consideradas ineficientes e causadoras de déficits operacionais. Assim, considerando o contexto político de enxugamento do Estado, é possível perceber que a venda de tais empresas era uma medida provável ou, ao menos, possível em caso de reeleição do governo Britto. 427 BRASIL. Lei nº 10.607, de 28 de dezembro de 1995. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 428 BRASIL. Lei nº 10.607, de 28 de dezembro de 1995. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 429 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1996. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 12-13. 165 Além disso, já no início de sua gestão, o governo Britto extinguiu a Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul (Cohab), Companhia Intermunicipal de Estradas Alimentadoras (Cintea), CRTUR e o Departamento Aeroviário do Estado (DAE), sob o argumento de serem ineficientes.430 Em relação às privatizações no governo Britto, a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) foi alienada (parcialmente em 1996, e totalmente em 1998), bem como parte da CEEE foi vendida em 1997.431 Em maio de 1997 foram aprovadas a PEC nº 79/97, transformada na EC nº 15, que alterou o artigo 41, do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias da Constituição do Estado do RS, e o PL nº 87/97, que criou a Lei nº 10.959/97, autorizando a transformação da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul (CEERS) de autarquia para sociedade de economia mista. Ambos os projetos eram de iniciativa do Poder Executivo e pretendiam, basicamente, transformar a CEERS em um banco de fomento.432 Alguns deputados, como por exemplo, Jussara Cony, do PC do B, Pompeo de Mattos, Ciro Simoni, ambos do PDT, Marcos Rolim e Luciana Genro, ambos do PT, consideraram esses projetos como uma forma de preparar o terreno para a extinção da CEERS.433 Foi o que ocorreu em maio de 1998, através do DL nº 38.536/98, que previu a extinção deste banco.434 É possível perceber que o governo Britto adotou, amplamente, o Programa de Reforma do Estado. Ocorre que, essas medidas foram aplicadas no Estado do RS, 430 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1996. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 19-20. 431 BRASIL. Balanço Geral 1998. Secretaria da Coordenação e Planejamento – RS. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 8. 432 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 79, de 02 de abril de 1997 (Processo nº 2079.01.00/97-7). Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013; BRASIL. Projeto de Lei nº 87, de 02 de abril de 1997. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 433 BRASIL. 33ª Sessão Ordinária, de 20 de maio de 1997. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 10-25; BRASIL. 34ª Sessão Ordinária, de 21 de maio de 1997. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 06-30. 434 BRASIL. Decreto Legislativo nº 38.536, de 27 de maio de 1998. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 166 sem que fosse feito um debate com a sociedade, a fim de explicar as bases da reforma e consultar a opinião dos cidadãos. Um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) chegou a ser proposto, com o objetivo de submeter as propostas do governo do Estado à referendo. Trata-se do Projeto nº 736/97, de iniciativa do deputado Vieira da Cunha, do PDT e mais 18 deputados: Convoca referendo sobre as matérias constantes na Lei nº 10.607, de 28 de dezembro de 1995, que 'Institui o Programa de Reforma do Estado - PRE – e dá outras providências', na Lei nº 10.900, de 26 de dezembro de 1996, que 'Autoriza o Poder Executivo a reestruturar societariamente a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE - e a Companhia Riograndense de Mineração - CRM - e dá outras providências, na Lei nº 10.959, de 27 de maio de 1997, que 'Autoriza o Poder Executivo a transformar a Caixa Econômica Estadual do Estado do Rio Grande do Sul em sociedade anônima de economia mista e dá outras providências', e na Lei nº 11.004, de 19 de agosto de 1997, que 'Autoriza o Estado do Rio Grande do Sul a alienar integralmente sua participação acionária na Companhia Riograndense de Telecomunicações - CRT - e dá outras providências', e suspende o Programa de Reforma do Estado e os processos de reestruturação societária da Companhia Estadual de Energia Elétrica e Companhia Riograndense de Mineração, de transformação da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul em sociedade anônima de economia mista e de alienação integral da participação acionária do Estado do Rio Grande do Sul na Companhia Riograndense de Telecomunicação 435 até a manifestação direta da soberania popular. Se aprovada, essa norma permitiria consultar a população e verificar a sua opinião sobre a política gerencial aplicada no governo Britto. Contudo, se os cidadãos votassem contra as propostas, elas seriam imediatamente interrompidas, dificultando o processo de implementação do modelo gerencial no Estado do RS. A intenção era realizar o referendo em 04 de outubro de 1998, em conjunto com as eleições o que diminuiria, consideravelmente, seus custos. Os parlamentares favoráveis ao projeto entendiam que a consulta era imprescindível, pois o patrimônio público é de toda a população e a sua venda afeta a todos. Afirmavam ainda, que os partidos que apoiavam o governo não tinham interesse de realizar a consulta, pois isso arriscaria a continuação da reforma gerencial. Os 435 BRASIL. Projeto de Decreto Legislativo nº 736, de 23 de agosto de 2013. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 167 partidos da situação (da base de governo) não se manifestaram na discussão do projeto.436 O projeto foi rejeitado com 28 votos contrários e 21 votos favoráveis, conforme demonstra o “Quadro 10 – Votação do Decreto Legislativo nº 736/97”. Quadro 10 – Votação do Decreto Legislativo nº 736/97 Deputado Adolfo Brito Alexandre Postal Antonio Barbedo Antonio Lorenzi Beto Albuquerque Bruno Neher Caio Riela Cecilia Hypolito Ciro Simoni Divo do Canto Edemar Vargas Eliseu Santos Erni Petry Flávio Koutzii Francisco Appio Germano Bonow Giovani Cherini Giovani Feltes Heron de Oliveira Iradir Pietroski Jair Foscarini João Fischer João Luiz Vargas João Osório José Alvarez José Gomes Jussara Cony Kalil Sehbe Ledevino Piccinini Luciana Genro Manoel Maria Marco Peixoto Marcos Rolim Maria Augusta Feldman Maria do Carmo Onyx Lorenzoni Paulo Azeredo 436 Partido PPB PMDB PMDB PMDB PSB PTB PTB PT PDT PTB PTB PTB PPB PT PPB PFL PDT PMDB PDT PTB PMDB PPB PDT PMDB PPB PT PC do B PDT PTB PT PTB PPB PT PSB PPB PFL PDT Voto Contrário Contrário Favorável Contrário Favorável Contrário Contrário Favorável Favorável Contrário Contrário Contrário Contrário Favorável Contrário Contrário Favorável Contrário Favorável Contrário Contrário Contrário Favorável Contrário Favorável Favorável Favorável Favorável Contrário Favorável Contrário Contrário Favorável Favorável Favorável Contrário Favorável BRASIL. 46ª Sessão Ordinária, de 17 de junho de 1998. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 168 Paulo Odone Paulo Vidal Pompeo de Mattos Quintiliano Vieira Rubens Pillar Sérgio Zambiasi Valdir Andres Valdir Fraga Valdir Heck Vieira da Cunha Vilson Covatti Wilson Mânica Fonte: Sistematizado pela autora 1998. PMDB Contrário PSDB Favorável PDT Favorável PMDB Contrário PPB Contrário PTB Contrário PPB Contrário PTB Contrário PDT Favorável PDT Favorável PPB Contrário PPB Contrário com base em: BRASIL. 46ª Sessão Ordinária, de 17 de junho de O quadro permite observar que somente votaram contra a proposta o partido do governo e seus aliados, o que indica que tais partidos pretendiam adotar as medidas gerenciais independente da opinião dos cidadãos, confirmando o que foi exposto no Capitulo 3437, no sentido de que ainda existe no Brasil, uma forte visão contra a participação cidadã, ou seja, sob o argumento de terem sido eleitos pelo povo, os governantes adotam as medidas que melhor lhe satisfazem, sem que as mesmas sejam necessariamente, benéficas a população.438 4.2.2 Privatização das Estatais: Risco Iminente? Percebe-se que todas as empresas estatais poderiam ser privatizadas, pois a ideia era diminuir ao máximo o tamanho do Estado. Contudo, como apenas algumas foram contempladas pelas ECs aqui estudadas, importa analisá-las.439 437 Vide Capítulo 3 p. 81-83 e 100-106, sobre a predominância da visão hegemônica entre os parlamentares no Brasil. 438 Em função da ausência de formas de participação popular nas decisões políticas é que se torna possível que os representantes se afastem dos anseios da sociedade, alimentando a crise da representação política, conforme exposto no Capítulo 2, p. 41-43. 439 Deve-se esclarecer que este estudo, tem como foco principal a questão democrática e não as privatizações. Por esse motivo, serão analisadas rapidamente as estatais previstas nas ECs, para demonstrar que elas, provavelmente seriam privatizadas em caso de reeleição do governador Britto, o que justificou a criação das ECs. 169 a) Banrisul, Corsan, CEEE Em relação à CEEE, a Lei nº 10.900/96 permitiu a sua reestruturação, motivo pelo qual ela foi dividida em seis empresas, duas no ramo de geração de energia (Companhia de Geração Hídrica de Energia S.A. e Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica S.A. – CGTEE), uma na área de transmissão energética (Companhia Transmissora de Energia Elétrica S.A.) e três no setor de distribuição (Companhia Sul-Sudeste de Distribuição de Energia Elétrica S.A. – CEEE SulSuldeste; Companhia Centro-Oeste de Distribuição de Energia Elétrica S.A. – CEEE Centro-Oeste e; Companhia Norte-Nordeste de Distribuição de Energia Elétrica S.A. – CEEE Norte-Nordeste).440 Essa reestruturação foi considerada pelo governo Britto, medida essencial frente a ineficiência do setor energético, bem como a privatização parcial da CEEE foi apontada como a única forma de recuperá-la economicamente e torná-la eficiente. Assim, foram alienadas a empresa de geração térmica e as empresas do ramo de distribuição CEEE Sul-Suldeste e CEEE Centro-Oeste.441 É possível perceber que esta empresa, não só corria risco de privatização, como sua venda parcial chegou a ser concretizada. Assim, considerando que a CRT foi, em um primeiro momento, parcialmente vendida para posteriormente, ser totalmente alienada, a CEEE poderia seguir o mesmo caminho em caso de reeleição do governo Britto. No que se refere à Corsan, o governo Britto anunciou a intenção de vender 49% de suas ações442, o que provavelmente, não foi concretizado em função da não reeleição, pois como será visto a seguir, havia previsão no orçamento de 1999 de receita advinda da alienação de bens e, segundo depoimentos, tal receita integrava a venda da Corsan, do Banrisul e do restante da CEEE. Além disso, importa recordar que a política do Governo Federal era de privatização de estatais, a fim de diminuir ao máximo o tamanho do Estado, 440 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1997. Disponível . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 45-46. 441 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1997. Disponível . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 45-46. 442 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1998. Disponível . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 28. em: em: em: 170 conforme já citado. Nesse sentido, interessa apontar, rapidamente, o processo de privatização dos setores elétrico, de saneamento e bancário, para demonstrar que, seguindo a orientação do Governo Federal, a maior parte dos Estados privatizou suas estatais nessas áreas, motivo pelo qual o remanescente da CEEE, a Corsan e o Banrisul corriam efetivo risco de alienação. No setor de energia elétrica, a privatização iniciou-se no primeiro ano do governo FHC em 1995 e continuou nos anos seguintes, quando cinco empresas foram privatizadas443, conforme demonstra o “Quadro 11 – Empresas de Energia Elétrica Privatizadas pelo Governo Federal”. Quadro 11 – Empresas de Energia Elétrica Privatizadas pelo Governo Federal Empresa Local Data da Privatização Percentual Vendido (%) Escelsa ES 12.07.1995 50 Light RJ 21.05.1996 51 AES Sul RS 21.10.1997 90,91 RGE RS 21.10.1997 90,75 Gerasul RS 15.09.1998 50,01 Fonte: Sistematizado pela autora com base em: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISTRIBUÍDORES DE ENERGIA ELÉTRICA. Privatizações; BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil: 1990-1994, 1995-2000. É possível perceber que a energia elétrica foi um dos setores onde o programa de privatizações foi muito aplicado. Em consonância com as medidas do Governo Federal, vinte e uma empresas de energia elétrica foram privatizadas pelos governos Estaduais444, conforme descrito no “Quadro 12 – Empresas de Energia Elétrica Privatizadas pelos Governos Estaduais”. Quadro 12 – Empresas de Energia Elétrica Privatizadas pelos Governos Estaduais Empresa CERJ 443 Local RJ Ramo de Atuação Distribuição Data da Oferta 20.11.1996 BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil: 1990-1994, 1995-2000. Disponível em: . Acesso: 29 dez. 2013, p. 37-38; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISTRIBUÍDORES DE ENERGIA ELÉTRICA. Privatizações. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013. 444 BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil: 1990-1994, 1995-2000. Disponível em: . Acesso: 29 dez. 2013, p. 39-41. 171 CEEE Centro-Oeste Coelba Cachoeira Dourada CEEE Norte-Nordeste CPFL Enersul Cemat Energipe Cosern Coelce Eletropaulo Metropolitana Celpa Elektro EBE CGTEE Cesp Paranapanema Cesp Tietê Celpe Cemar Saelpa RS BA GO RS SP MS MT SE RN CE SP PA SP/MS SP RS SP SP PE MA PB Distribuição Distribuição Geração Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distrubuição Geração Geraçao Geração Distribuição Distribuição Distribuição 21.07.1997 31.07.1997 05.09.1997 21.10.1997 05.11.1997 19.11.1997 27.11.1997 03.12.1997 12.12.1997 02.04.1998 15.04.1998 09.07.1998 16.07.1998 17.09.1998 1 30.11.1998 28.07.1999 20.10.1999 17.02.2000 15.06.2000 30.11.2000 1 Nesta data a empresa foi transferida para a União e em 31.07.2001 ela foi privatizada. Fonte: Sistematizado pela autora com base em: BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil: 1990-1994, 1995-2000. No setor de saneamento básico445, uma das formas de privatização adotada pelo Governo Federal foi a concessão de serviços de saneamento, baseada na Lei Geral das Concessões nº 8.987/95. Tal medida significa delegar a prestação desses serviços: “mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”446. Essa modalidade implica, portanto, na transferência efetiva de poder ao ente privado, motivo pelo qual pode ser considerada uma forma de privatização. Assim, o Governo Federal adotou tal método a partir de 1997, quando “a CEF e o BNDES firmaram convênio de cooperação mútua para a desestatização do setor 445 Conforme já exposto no item referente às considerações metodológicas, a autora buscou junto a ANA os dados referente a alienação das empresas estaduais de saneamento básico no Brasil. Contudo, não foi possível o acesso a estes dados, o que dificultou a realização da pesquisa. Por esta razão, apenas para demonstrar que as privatizações estavam sendo aplicadas no setor de saneamento básico, este estudo aponta sucintamente, como exemplo o caso das concessões privadas, uma das formas de privatizar, a fim de demonstrar que em muitos Estados, embora no âmbito de cada Município, esta política foi implementada. 446 BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013. 172 de saneamento, visando a melhoria dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário”447. Após esse acordo firmado no âmbito federal, doze Estados passaram a adotar as concessões privadas: Amazonas, Bahia, Espiríto Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins.448 É possível perceber que também no setor de saneamento, houve a influência das medidas adotadas pelo governo FHC e que as empresas desta área corriam efetivo risco de privatização. O caso do sistema financeiro é o mais representativo, para demonstrar a pressão do Governo Federal sobre os Estados para a redução da presença do setor público no sistema bancário. Durante o governo de Itamar Franco, onde FHC foi Ministro da Fazenda foi implementado o Plano Real, que criou uma moeda para o Brasil e permitiu o controle da inflação. Com o controle da inflação, os bancos estaduais passaram a apresentar problemas de liquidez (pois o fim da inflação fez com que os eles perdessem fontes de receita e, além disso, a inflação era utilizada como justificativa para baixos salários), o que fez com que o Banco Central (BC) e o Governo Federal interviessem para socorrer as instituições financeiras.449 Em 30 de dezembro de 1994, após FHC ganhar as eleições, o BC sob controle de Pedro Malman, instituiu o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) que permitiu sua intervenção no Banco do Estado de São Paulo (Banespa) e no Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) e preparou o processo de privatização que viria a ocorrer com esses bancos.450 447 BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil: 1990-1994, 1995-2000. Disponível em: . Acesso: 29 dez. 2013, p. 53. 448 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS CONCESSIONÁRIAS PRIVADAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA E ESGOTO. Concessões Privadas. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013. 449 GAMA NETO, Ricardo Borges. Plano Real, privatização dos bancos estaduais e reeleição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 77, p. 129-247, out. 2011, p. 132-133. 450 ALMEIDA, Monica Piccolo. Reformas neoliberais no Brasil: A privatização nos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. 2010. 368p. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010, p. 308; GAMA NETO, Ricardo Borges. Plano Real, privatização dos bancos estaduais e reeleição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, 173 Quando o governo de FHC assume a presidência, os bancos estaduais passam por um processo de reestruturação, onde o primeiro passo foi a Medida Provisória nº 1.514/96, com objetivo de reduzir a presença do setor público na atividade bancária, principalmente através das privatizações e criar o Proes, que permitia ao Governo Federal refinanciar as dívidas dos Estados, desde que algumas medidas fossem adotadas451: Art. 3º Para os fins desta Medida Provisória, poderá a União, a seu exclusivo critério: I - adquirir o controle da instituição financeira, exclusivamente para privatizá-la ou extingui-la; II - financiar a extinção ou a transformação da instituição financeira em instituição não financeira ou agência de fomento, quando realizada por seu respectivo controlador; III - financiar os ajustes prévios imprescindíveis para a privatização da instituição financeira, ou prestar garantia a financiamento concedido pelo Banco Central do Brasil para o mesmo fim, segundo normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional; IV - adquirir créditos contratuais que a instituição financeira detenha contra seu controlador e entidades por este controladas, e refinanciar os créditos assim adquiridos; ou V - em caráter excepcional e atendidas as condições especificadas no art. 5º, financiar parcialmente programa de saneamento da instituição financeira, que necessariamente contemplará sua capitalização e mudanças no seu 452 processo de gestão capazes de assegurar sua profissionalização. É possível perceber que, o principal objetivo desta norma era a privatização ou extinção dos bancos estaduais. O saneamento da instituição sem posterior privatização era uma exceção. Ainda que o banco fosse saneado e não privatizado, ele teria que modificar sua estrutura para atender os preceitos da Administração Gerencial, especialmente em relação ao critério da eficiência. Em conjunto com o Proes, passaram a ser realizadas negociações entre a União e os Estados, a fim de encontrar uma solução para as dívidas dos bancos estaduais. Tal acordo foi concretizado pela Lei nº 9.496/97, que deu origem ao n. 77, p. 129-247, out. 2011, p. 134; GARMAN, Christopher; LEITE, Cristiane Kerches da Silva; MARQUES, Moisés da Silva. Impactos das Relações Banco Central X Bancos Estaduais no arranjo federativo pós-1994: análise à luz do caso Banespa. Revista de Economia Política, v. 21, n. 1 (81), p. 40-61, jan.-mar. 2001, p. 43. 451 GAMA NETO, Ricardo Borges. Plano Real, privatização dos bancos estaduais e reeleição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 77, p. 129-247, out. 2011, p. 135-136; BRASIL. Medida Provisória nº 1.514, de 07 de agosto de 1996. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013. 452 BRASIL. Medida Provisória nº 1.514, de 07 de agosto de 1996. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013 (grifo nosso). 174 Programa de Apoio à Reestruturação e Ajuste Fiscal, que permitia ao Governo Federal assumir as dívidas dos bancos estaduais em troca de algumas garantias, principalmente em relação à privatização destes bancos:453 o Art. 2 O Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, além dos objetivos específicos para cada unidade da Federação, conterá, obrigatoriamente, metas ou compromissos quanto a: I - dívida financeira em relação à receita líquida real - RLR; II - resultado primário, entendido como a diferença entre as receitas e despesas não financeiras; III - despesas com funcionalismo público; IV - arrecadação de receitas próprias; V - privatização, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial; 454 VI - despesas de investimento em relação à RLR. Percebe-se que o Governo Federal, adotou todas as medidas possíveis para alienar os bancos estaduais. Nesse sentido, Ricardo Borges Gama Neto455 explica que inicialmente, muitos governadores preferiram manter seus bancos, mas da forma como o Governo Federal organizou o processo, a opção pela privatização tornava-se muito atrativa e, praticamente, irrecusável. Dessa forma, o “Quadro 13 – Bancos Estaduais Privatizados no Brasil” demonstra que a maior parte dos Estados adotou a privatização, liquidação ou extinção de seus bancos. Quadro 13 – Bancos Estaduais Privatizados no Brasil Banco Banacre Produban Banap BEA Baneb BEC BEG BEM Bemat Bemge Credireal Paraiban Banestado 453 Estado AC AL AP AM BA CE GO MA MT MG MG PB PR Ação Liquidação Liquidação Liquidação Privatização Privatização Privatização Privatização Privatização Liquidação Privatização Privatização Privatização Privatização GARMAN, Christopher; LEITE, Cristiane Kerches da Silva; MARQUES, Moisés da Silva. Impactos das Relações Banco Central X Bancos Estaduais no arranjo federativo pós-1994: análise à luz do caso Banespa. Revista de Economia Política, v. 21, n. 1 (81), p. 40-61, jan.-mar. 2001, p. 42. 454 BRASIL. Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013 (grifo nosso). 455 GAMA NETO, Ricardo Borges. Plano Real, privatização dos bancos estaduais e reeleição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 77, p. 129-247, out. 2011, p. 140. 175 Bandepe PE Privatização BEP PI Privatização Banerj RJ Privatização Bandern RN Liquidação Meridional RS Privatização CEERS RS Extinção Beron RO Liquidação Baner RR Extinção Besc SC Privatização Banespa SP Privatização Nossa Caixa SP Extinção Fonte: Sistematizado pela autora com base em: BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Privatização no Brasil: 1990-1994, 1995-2000; VIEIRA, Sergio Arnor. O processo de privatização dos Bancos Estaduais e o Proes. É possível perceber que a maior parte dos Estados cumpriu a determinação da União e se desfez do seu banco, seja na forma de privatização, liquidação ou extinção. As únicas instituições que se mantiveram públicas foram o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes); Banco do Distrito Federal (BRB); Banco do Estado do Pará (Banpará); Banco do Estado de Sergipe (Banese) e; o Banrisul. Os dois primeiros continuaram públicos, pois não receberam recursos do Proes, enquanto os demais permaneceram sob controle estatal mesmo com tais recursos.456 Como o Banrisul é contemplado pela PEC nº 94/98, importa verificar o motivo da sua não privatização. Contudo, apenas pelo contexto da época, já é possível considerar que o Banrisul corria risco de alienação. Nesse sentido, em março de 1998 o governo Britto assinou com o Governo Federal o Proes, a fim de obter verbas para sanear o Banrisul. Como veremos a seguir nas discussões das PECs, muitos deputados afirmaram que neste contrato, havia a previsão de que o Banrisul deveria ser privatizado em 18 meses, sob pena de multa. Antônio Carlos da Rocha, ao ser entrevistado, informou que a previsão era de aumento do percentual da dívida em caso de não privatização do Banrisul e, como o ex-governador Olívio Dutra se recusou a vender o banco, precisou arcar com tal dívida.457 456 VIEIRA, Sergio Arnor. O processo de privatização dos Bancos Estaduais e o Proes. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013. 457 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. 176 No debate entre Britto e Olívio para o segundo turno das eleições de 1998, realizado em 16 de outubro de 1998, Olívio acusou Britto de querer privatizar o Banrisul e a Corsan e mencionou a cláusula quarta do Proes, que previa um aumento no comprometimento da dívida do Estado (de 13% para 18%), se o banco não fosse vendido. Por esta razão, Olívio afirmou que Britto aceitou a privatização do banco de forma submissa.458 Britto alegou que a cláusula era uma exigência do Governo Federal459, mas que seu governo não tinha intenção de alienar o Banrisul e estava disposto a assumir a dívida. Em relação à Corsan ele não se manifestou. Além disso, importa mencionar que o candidato fez uma defesa das privatizações realizadas e disse que a regra sobre as privatizações é privatizar aqueles serviços que podem ser executados pela iniciativa privada sem prejuízo ao cidadão.460 Importa observar que, ainda que o banco não fosse privatizado, o contrato com o Proes obrigava o Banrisul a modificar sua estrutura, para se tornar um banco comercial em um modelo parecido com o do setor privado, o que comprometia a função social para qual ele foi criado. Além disso, com o fechamento da CEERS, os seus clientes foram transferidos para o Banrisul, causando o aumento na demanda e baixa qualidade no atendimento, o que foi interpretado pelos bancários como uma medida para prejudicar a imagem do banco e justificar a privatização.461 Mesmo que o governo Britto se comprometesse em não vender o banco, não negava que pretendia continuar com a política de privatizações, em caso de reeleição. Isso fica claro na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) nº 11.2000/98, que previa as diretrizes para o orçamento do ano de 1999. Tal lei estabelecia como uma das prioridades do governo “dar continuidade ao programa de privatizações e Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 25min.05s.-27min.22s. 458 REDE BANDEIRANTES. Debate Band: Governador RS. Rio Grande do Sul: Rede Bandeirantes, 16 out. 1998. Programa de TV. 459 Importa referir que, mesmo que o próprio governador não negue a existência da cláusula prevendo a privatização do Banrisul, afirmando somente que essa era uma exigência da União para o repasse de recursos, a autora, ao analisar tal documento não encontrou essa determinação expressa na cláusula quarta (ou em outras cláusulas), como referido nos depoimentos. 460 REDE BANDEIRANTES. Debate Band: Governador RS. Rio Grande do Sul: Rede Bandeirantes, 16 out. 1998. Programa de TV. 461 EXTINÇÃO da Caixa também reduz o tamanho do Banrisul. Nossa Voz, Boletim dos funcionários do Banco do Estado do Rio Grande do Sul para clientes e funcionários, Porto Alegre, edição 001/97, p. 3, 31 jul. 1997. 177 concessões destinados a redistribuir encargos entre áreas governamental e privada na prestação de serviços públicos”462. Seguindo esta ideia de não interromper as privatizações, o governo Britto dispôs no Orçamento para o ano de 1999, receita de 850 milhões referente à alienação de bens públicos sem, no entanto, discriminar tais bens.463 Contudo, nas entrevistas realizadas pela autora, Raul Pont, Carlos Rocha e Olívio Dutra afirmaram que tal receita advinha da previsão de venda do Banrisul, da Corsan e do restante da CEEE, em caso de reeleição do governo Britto.464 Além disso, segundo o depoimento de deputados que participaram da votação da PEC nº 94/98, a privatização do Banrisul e da CEEE para o ano de 1999, estava prevista no Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal, assinado pelo governo Britto, o que será novamente observado a seguir. A partir do contexto político do Estado do RS nos anos de 1995 a 1998, é possível perceber que a Corsan, o restante da CEEE e o Banrisul sofriam real risco de privatização em caso de reeleição do governo Britto. b) Cesa, CRM e Sulgás Conforme já exposto, a Cesa e a CRM foram consideradas pelo governo Britto, como ineficientes e prejudiciais ao Estado, motivo pelo qual, tais empresas corriam risco de alienação. Além disso, em relação a CRM, a Lei nº 10.900/96 autorizou o Poder Executivo a modificar a estrutura societária e patrimonial da empresa (e também da 462 BRASIL. Lei nº 11.200, de 27 de julho de 1998. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2013. 463 BRASIL. Orçamento para o ano de 1999. Documento disponibilizado pelo Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul. Data de acesso: 24 out. 2013, p. 2-3. 464 PONT, Raul. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (38min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 3min.59s-5min.3s e 24min.2s-25min.20s; ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 1min.23s-2min.15s e 3min.15s-4min.; DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 1min.55s-2min.10s e 17min.09s-17min.-40s. 178 CEEE, como já observado). Além disso, tal lei também modificou um artigo da legislação que criou a Sulgás, a fim de permitir que o Estado se desfizesse de parte do seu capital.465 No que se refere a CRM, com a autorização para modificar a sua estrutura, foi criada a Companhia Operadora de Mineração (COM), empresa subsidiária466, que deveria ser privatizada. Além disso, o governo do Estado pretendia alienar 49% das ações da CRM.467 Em relação à Sulgás a lei citada, modificou o artigo 7º, da Lei nº 9.128/1990, que criou tal empresa. Esse artigo previa que o Estado poderia subscrever aumentos no capital da Sulgás, desde que mantivesse 51% do capital em seu poder. Com a modificação, retirou-se a exigência de controle de 51% das ações pelo Estado468, com o objetivo de permitir que o Estado renunciasse a subscrição do capital da Sulgás, mantendo apenas 17,5% das ações preferenciais, alienando o restante à Petróleo Brasileiro (Petrobrás) e à iniciativa privada.469 c) Procergs Assim como as demais empresas citadas, a Procergs estava sujeita à privatização, pois o governo Britto anunciou em 1998 que houve um processo de licitação, a fim de permitir a atuação privada nesta empresa. Contudo, como não houve habilitados, o processo foi considerado deserto. Em função disso, o governador afirmou que haveria nova convocação de licitação, a fim de “promover a 465 BRASIL. Lei nº 10.900, de 26 de dezembro de 1996. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 466 BRASIL. Lei nº 10.900, de 26 de dezembro de 1996. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 467 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1996. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 20; BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1997. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 46-47; BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1998. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 28. 468 BRASIL. Lei nº 10.900, de 26 de dezembro de 1996. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013. 469 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1996. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 20. 179 realização de serviços de avaliação econômico-financeiro e alienação das ações destas empresas”470. É possível observar que o governo Britto, pretendia vender ações da Procergs, o que não ocorreu possivelmente, em função da não reeleição, pois com a vitória de Olívio Dutra nas eleições de 1998, rompeu-se com a possibilidade de privatização desta empresa. Apenas quando Germano Rigotto, do PMDB foi eleito governador em 2002, é que a pauta das privatizações voltou a aparecer, ainda que discretamente. Após já ter sido proposta a PEC nº 161/04, um conjunto de empresas471 redigiu um documento denominado “A Crise do Estado: Reformas para Racionalizar Maquina Pública”, que tinha como objetivo contribuir “para a discussão, junto ao Governo do Rio Grande do Sul, sobre a racionalização da máquina pública, questão fundamental para a sustentação competitiva e o desenvolvimento social e econômico do Estado”472. Nesse sentido, tal documento sugeria ao governo Rigotto, a adoção do modelo gerencial e a diminuição da máquina pública, através das privatizações, incluindo a privatização473 da Procergs.474 470 BRITTO, Antônio. Mensagem à Assembléia Legislativa 1998. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013, p. 28. 471 As empresas que elaboraram o documento foram: Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (FARSUL); Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL); Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (FECOMÉRCIO); Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (FEDERASUL); Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) e; Agência de Desenvolvimento (Pólo RS). (FEDERASUL (org.). A crise do Estado: reformas para racionalizar a máquina pública. Disponível em:. Acesso em: 22 dez. 2013, p. 1.) 472 FEDERASUL (org.). A crise do Estado: reformas para racionalizar a máquina pública. Disponível em:. Acesso em: 22 dez. 2013, p. 1. 473 Como já citado, este estudo entende que privatização significa o repasse de propriedade ou controle para o setor privado. Nesse sentido, importa referir que o documento em questão aconselha que seja realizada a publicização da Procergs, contudo, este estudo denomina tal processo como privatização, pois a publicização implica no exercício do poder por organizações de direito privado, ainda que consideradas sem fins lucrativos. Como o poder é exercido pelo setor privado, entende-se que ocorre a privatização do serviço que será publicizado. Para melhores esclarecimentos sobre essa questão, vide DASSO JÚNIOR, Aragon. Reforma do Estado com participação cidadã? déficit democrático das agências reguladoras brasileiras. 2006. 460p. Tese (Doutorado em Direito) Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006, p. 248-249 e DIAS, Franceli Pedott. 180 Em 09 de dezembro de 2004, em jantar realizado na casa do presidente da Federasul, na época Paulo Feijó, que contou com a presença de representantes de outras empresas privadas e do Governador Rigotto, foi entregue ao governador o documento e realizado um debate sobre a viabilidade das propostas apresentadas.475 Embora não tenha havido manifestação expressa do governo Rigotto, no sentido de acolher as propostas, é possível observar que, neste período, as privatizações voltaram a ser, ao menos, debatidas. 4.2.3 Mobilização do Setor Bancário Como a privatização de estatais era o tema central do governo Britto, bem como era exigência do Governo Federal e, considerando que havia fortes indícios de que o governo Britto pretendia vender o Banrisul em caso de reeleição, os bancários passaram a se organizar para manter o banco público. Carlos Rocha, que participou do processo de criação da PEC nº 94/98, ao ser questionado sobre como surgiu a ideia de vincular a privatização das estatais a um plebiscito explicou que em 1997, diante do perigo da privatização, foi criado um Comitê de Defesa do Banrisul, pelos membros da Fetrafi, do Sindibancários e da Central Única de Trabalhadores (CUT). O Comitê tinha como objetivo tentar impedir a privatização do banco. Nesse sentido, a ideia inicial era organizar um grande movimento contra o governo Britto e a sua política, mas os membros do Comitê acharam que tal método não impediria a privatização, já que o governo detinha maioria absoluta na Assembleia. Por essa razão, eles procuraram o PT, na Assembleia Legislativa, a fim de buscar uma saída e foram encaminhados para a Privatização da saúde no Brasil: a invisibilidade do evidente. 2010. 242p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2010, p. 71-73. 474 FEDERASUL (org.). A crise do Estado: reformas para racionalizar a máquina pública. Disponível em:. Acesso em: 22 dez. 2013, p. 2-20. 475 O RIO Grande do Sul pode ficar sem seu último banco. Voz do Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Caxias do Sul e Região, Caxias do Sul, ano 22, nº 136, p. 3, 25 out. 2006. 181 assessoria do partido, onde passaram a discutir o assunto com Tereza Campelo, na época, economista da bancada do PT.476 A economista apresentou duas possibilidades, que foram retiradas da interpretação da CRFB/88. A primeira, que ela considerava mais fácil, seria propor um projeto de iniciativa popular exigindo o plebiscito no caso de privatização do Banrisul, mas para isso, seria necessário recolher um milhão de assinaturas. Caso as assinaturas fossem colhidas, o Congresso teria que, ao menos, analisar o projeto e se manifestar. A segunda alternativa seria propor um projeto de origem da Câmara de Vereadores, desde que observada a exigência constitucional de aprovação da proposta por mais de um quinto das Câmaras de Vereadores do Estado do RS. A economista considerava esse caminho como inviável, pois não havia muito tempo para que a proposta fosse votada e aprovada em todas as Câmaras, para posterior envio à Assembléia Legislativa antes das eleições.477 Contrariando o entendimento de Tereza Campelo, os membros do Comitê em 1997 e 1998, passaram a visitar as Câmaras de Vereadores e explicar a situação, a fim de que a proposta fosse aprovada pelo número necessário de Câmaras e enviada à Assembléia para votação. Para Rocha essa era a melhor opção, pois os vereadores são os principais cabos eleitorais dos deputados, assim, convencendo os vereadores, seria mais fácil de convencer os deputados a aderirem ao projeto.478 Em conjunto com o trabalho de convencimento nas Câmaras de Vereadores, foi realizada uma Campanha em Defesa do Banrisul, em Porto Alegre e no interior do Estado do RS, com a adoção de Audiências Públicas, Reuniões e atos públicos em favor da manutenção do banco público.479 476 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 3min.-4min.54s. 477 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 4min.55s.-6min.10s. 478 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 6min.11s.-6min.53s. 479 CAMPANHA em defesa do Banrisul conquista comunidade gaúcha. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 4, 14 abr. 1998. 182 Em setembro de 1998, nos 70 anos do Banrisul, ocorreu um encontro para discutir o futuro do banco, que contou com a presença de mais de 600 pessoas, entre elas, representantes de partidos como PT, PDT e PSB. Nesse encontro, os partidos presentes se comprometeram, no caso de eleição, a manter o banco público e social.480 A partir de toda essa mobilização para defender a aprovação da exigência de plebiscito em caso de privatização do banco, 133 Câmaras aprovaram a proposta, que foi protocolada na Assembléia Legislativa em 22 de setembro de 1998, na forma da PEC nº 94/98.481 Rocha explicou que a proposta foi arquivada, pois Olívio Dutra venceu as eleições de 1998, interrompendo a política de privatizações. Contudo, em 2002 como o resultado das eleições era incerto, os integrantes do Comitê de Defesa do banco, juntamente com os partidos da posição (que estavam no governo) entenderam que o projeto deveria ser desarquivado e votado.482 Após a PEC nº 94/98 voltar à pauta, a movimentação dos bancários se intensificou. Em abril de 2002, o Sindicato dos bancários lançou uma campanha em favor da aprovação da proposta, com divulgação na imprensa, no rádio e distribuição de materiais como jornais, camisetas e adesivos. Além disso, foi realizada uma campanha dentro da Assembléia Legislativa, a fim de reunir o quórum necessário para a aprovação da proposta.483 Nesse sentido, Rocha afirmou que os representantes da categoria dos bancários foram de gabinete em gabinete, pedindo que as bancadas aprovassem a proposta.484 480 UM encontro para a história. Nossa Voz, Boletim dos funcionários do Banco do Estado do Rio Grande do Sul para clientes e funcionários, Porto Alegre, p. 5, set. 1998, Edição Especial. 481 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 94, de 22 de setembro de 1998 (Processo nº 22110-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, publicado em 01 de julho de 2002, no D.O. Nº 123, p. 2-6. 482 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 7min.15s.-8min.18s. 483 BANCÁRIOS exigem aprovação do PEC. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 2, 29 abr. 2002. 484 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 17min.8s.-17min.48s. 183 Durante as duas últimas semanas do mês de maio de 2002, os bancários fizeram uma intensa manifestação, para que a proposta fosse aprovada em primeiro turno. Nos dias 21 e 22 de maio, eles montaram acampamento em frente à Assembléia Legislativa e realizaram diversas atividades, como shows, soltura de balões, colocação de faixas, distribuição de materiais e passeatas.485 Nos dias 27 e 28 de maio, com a possibilidade de votação do projeto, os bancários novamente acamparam em frente à Assembléia e em 28 de maio, acompanharam a votação da PEC em primeiro turno486: Desde as primeiras horas da manhã, dezenas de representantes da categoria estavam acampados em frente ao Legislativo. Caravanas de banrisulenses do interior do Estado viajaram a Porto Alegre para acompanhar o processo. Às 15h30min., quando a presidência da Mesa Diretora Legislativa iniciou o debate, os bancários tomaram conta das galerias a fim de sensibilizar os parlamentares e garantir o quorum para a 487 aprovação do Projeto. Após aprovação em primeiro turno, os representantes da categoria mantiveram as mobilizações, a fim de pressionar a aprovação da proposta em segundo turno, o que ocorreu em 11 de junho de 2002.488 É possível perceber que a PEC nº 94/98 surgiu de uma grande luta do segmento bancário contra a privatização do Banrisul. Assim, identificam-se algumas questões importantes no processo de criação dessa proposta. Em primeiro lugar, é evidente que o projeto não surgiu como uma iniciativa parlamentar para garantir efetivos meios de participação cidadã e também não foi votado com esse propósito, como será analisado a seguir. A proposta foi criada em função da movimentação do setor bancário, com o objetivo de impedir a privatização do banco. Além disso, é possível observar que a PEC nº 94/98, serviu de exemplo para a criação das PECs nº 122/02 e nº 161/04. Segundo Rocha, os sindicatos de outras áreas, como do saneamento e dos eletricitários, compareceram nas discussões e 485 BANCÁRIOS na Praça contra a privatização. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 2, 23 mai. 2002. 486 DE volta a Praça. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 3, 28 mai. 2002. 487 PEC foi aprovado em primeiro turno. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 3, 01 jun. 2002. 488 PEC foi aprovado em primeiro turno. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 3, 01 jun. 2002. 184 votações e passaram a pressionar os deputados para que outras estatais fossem contempladas pela EC. Para não atrasar a votação da proposta, somente a Corsan foi incluída e foram feitas outras duas PECs para acrescentar a exigência de plebiscito no caso de privatização de outras estatais.489 A EC referente ao Banrisul motivou, portanto, a criação das demais. Outra questão importante é o desconhecimento dos deputados entrevistados, em relação a essa movimentação. Ao serem perguntados sobre como ocorreu a pressão de segmentos sociais para o surgimento e aprovação dos projetos, os deputados e o ex-governador Olívio Dutra, afirmaram apenas genericamente, que houve tal pressão,490 mas não referiram que a PEC nº 94/98 surgiu somente em função da movimentação do segmento bancário, demonstrando um desconhecimento, ou ao menos, falta de memória em relação ao assunto. Além disso, é importante observar que embora todos os partidos tenham dado apoio às propostas e praticamente ninguém se atrevesse a falar contra o plebiscito para a privatização de estatais (o que, provavelmente, foi influência da grande pressão exercida pelos bancários), alguns políticos eram contrários a este plebiscito, confirmando a lógica da democracia hegemônica vista no capítulo 2.491 Nesse sentido, Rocha, ao narrar o processo de convencimento nas Câmaras de Vereadores contou que, na cidade de Teotônia (onde o projeto não foi aprovado), o presidente da Câmara o informou que ali, os partidos de apoio ao governo Britto eram maioria e, em função disso, a proposta não seria aprovada. Ainda assim, o 489 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 18min.28s.-19min.41s. 490 PONT, Raul. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (38min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 10min.25-15min.; DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 5min.13s-7min.22s; SCHUCH, Heitor. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (31min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 7min.25s8min.48s; BONOW, Germano Mostardeiro. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [26 set. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (54min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 20min.13s-22min.46s. 491 Vide Capítulo 2, p. 30-38, sobre a democracia hegemônica e suas principais características. 185 entrevistado desejou explicar o projeto aos vereadores e realizar a votação. Ele informou que, durante sua explicação, um vereador o interrompeu e disse “ta, mas se o governador, que é o dono do banco quer vender, qual é o problema? se o banco é dele deixa que venda”. Rocha tentou explicar que o banco não é do governador, mas de toda a sociedade. A resposta dos vereadores foi virar de costas, para dar a sensação de que o entrevistado estava falando sozinho. Somente o presidente da Câmara e um vereador que era do PDT ficaram de frente ouvindo o que estava sendo dito.492 Tal postura demonstra a existência de parlamentares que entendem que o governo do Estado, por ter sido eleito, detém plenos poderes para decidir qualquer questão política sem ouvir a sociedade, ainda que tal decisão a afete diretamente. Nesse mesmo sentido, o ex-deputado Germano Bonow ao ser perguntado se mudaria a redação das ECs, afirmou que retiraria a exigência de plebiscito no caso da CRM, da Sulgás e da Cesa, mantendo apenas o Banrisul, a Corsan, a CEEE e a Procergs. Para ele o governo de plantão é quem deveria decidir o futuro dessas empresas e não a população, pois:493 Nós estamos precisando de recursos na área da saúde, da educação, e está mais do que na hora do Estado assumir isso de vez. Nós lutamos neste século, para que se consiga que o Estado gaste 12% em termos de seu orçamento, na área de saúde e nós optamos, ao mesmo tempo, por manter essas companhias? Eu acho isso uma incoerência, ou se gasta na saúde, ou se gasta mantendo companhias e eu acho que a iniciativa privada poderia fazer igual ou melhor que o poder público. O poder público que 494 fiscalize. O mais importante é perceber que Bonow participou da votação da PEC nº 122/02, que previa plebiscito também para a Cesa, a CRM e a Sulgás e votou favorável a proposta. Tal fato indica que alguns partidos e alguns parlamentares, 492 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 09min.12s.-12min.25s. 493 BONOW, Germano Mostardeiro. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [26 set. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (54min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 22min58s-24min.45s. 494 BONOW, Germano Mostardeiro. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [26 set. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (54min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 25min02s-25min.33s. 186 embora não concordassem com o plebiscito votaram favoráveis às propostas apenas em função da pressão dos segmentos populares. Ao ser questionado sobre o porquê do seu voto a favor da inclusão dessas estatais nas ECs, se sua opinião era contrária, o deputado afirmou que, na época, achava importante a garantia dessas empresas, mas que atualmente, acredita que o Estado deveria poder dispor desse patrimônio.495 Por fim, é relevante mencionar o entendimento de Ricardo Giuliani no sentido de que as ECs aqui analisadas, são um acordo tácito entre políticos e algumas corporações, ou seja, como segmentos da sociedade estavam se mobilizando contra a privatização de estatais, alguns políticos aproveitando-se do momento, apoiaram a reivindicação e aprovaram uma EC para mudar a CRFB/88 e dificultar a privatização das estatais. Para ele não haviam razões políticas no voto das PECs, os parlamentares apenas verificam qual era o movimento da ocasião e votaram de acordo com tal movimento, pois do contrário, apenas uma EC poderia ter resolvido a questão e previsto o plebiscito em caso de privatização de qualquer empresa estatal, sem discriminar nenhuma delas. Assim, o entrevistado entende que as PECs foram aprovadas para os servidores públicos e não para os cidadãos e, assim que houver vontade política, a exigência de plebiscito pode ser retirada da CRFB/88.496 Além disso, Giuliani um dos fundadores do PT, ao ser questionado se a privatização deveria ser discutida com o cidadão afirmou que “não se trata de discutir com o cidadão, o cidadão elege o governador para decidir isso”497. Tal fala reforça o que vem sendo observado, no sentido de que existe no Brasil, uma posição muito marcante em relação à democracia hegemônica, onde o povo, após eleger os representantes não deve mais opinar. 495 BONOW, Germano Mostardeiro. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [26 set. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (54min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 30min11s-30min.20s. 496 GIULIANI NETO, Ricardo. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [17 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (58min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 09min.55s-14min.33s. 497 GIULIANI NETO, Ricardo. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [17 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (58min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 41min-41min.39s. 187 4.3 EMENDAS CONSTITUCIONAIS Conforme observado acima, as ECs surgiram em função do desgaste do Estado do RS, pela aplicação da Administração Gerencial, principalmente em relação à privatização.498 Nesse sentido, após a análise do contexto em que as ECs foram criadas, importa verificar o seu conteúdo e as discussões travadas na votação das propostas. É importante recordar que, para essa análise, foram considerados os seguintes fatores, já mencionados anteriormente: a influência da luta de segmentos da sociedade civil, para a aprovação da proposta; o desejo de privatizar as empresas estatais, durante o governo Britto; a necessidade de impedir a privatização das estatais e; as propostas como oposição ao neoliberalismo. Antes de tal análise, importa verificar a redação atual do artigo 22, da Constituição do Estado do RS: Art. 22. Dependem de lei específica, mediante aprovação por maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 2, de 30/04/92) I - a criação, extinção, fusão, incorporação ou cisão de qualquer entidade da administração indireta; II - a alienação do controle acionário de sociedade de economia mista. § 1° A criação de subsidiárias das entidades mencionadas neste artigo assim como a participação delas em empresa privada dependerão de autorização legislativa. (Renumerado pela Emenda Constitucional n.º 31, de 18/06/02) § 2° Especialmente no caso das Sociedades de Economia Mista Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. e Companhia Riograndense de Saneamento a alienação ou transferência do seu controle acionário, bem como a sua extinção, fusão, incorporação ou cisão dependerá de consulta popular, sob a forma de plebiscito. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 31, de 18/06/02) § 3° Nas sociedades de economia mista, em que possuir o controle acionário, o Estado fica obrigado a manter o poder de gestão, exercendo o direito de maioria de votos na assembléia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia, de dirigir as atividades sociais e de orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, sendo vedado qualquer tipo de 498 Importa observar que Vicente Rauber explicou que as ECs foram aprovadas em sentido amplo, o que significa que a exigência de plebiscito é para o caso de venda das estatais, em que o Estado perder o controle sobre elas. Assim, qualquer ação que implique na perda de controle, como a fusão, cisão, federalização da empresa, deverá passar por aprovação popular. (RAUBER, José Vicente. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [01 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (50min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 16min.02s17min.). 188 acordo ou avença que implique em abdicar ou restringir seus direitos. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 31, de 18/06/02) § 4º A alienação, transferência do controle acionário, cisão, incorporação, fusão ou extinção da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, Companhia Rio-grandense de Mineração – CRM, Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul – SULGÁS e Companhia Estadual de Silos e Armazéns – CESA, somente poderão ser realizadas após manifestação favorável da população expressa em consulta plebiscitária. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 33, de 19/11/02) § 5º A alienação ou transferência do controle acionário, bem como a extinção, fusão, incorporação ou cisão da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul - PROCERGS -, dependerá de manifestação favorável da população, sob forma de plebiscito. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 47, de 16/12/04) § 6º O disposto no § 4º não será aplicável relativamente à reestruturação societária da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE –, que venha a ser procedida para atender ao que estabelece a Lei Federal nº 10.848, de 15 de março de 2004, no que se refere à necessidade de segregação das atividades de distribuição de energia elétrica das demais atividades por ela exercidas, devendo ser observado o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 12/09/06) I - o Estado do Rio Grande do Sul deverá, obrigatoriamente, manter o controle acionário e o poder direto de gestão das empresas resultantes da reestruturação que venha a ser procedida, conservando, no mínimo, 51% (cinqüenta e um por cento) do total do capital votante e 51% (cinqüenta e um por cento) do total do capital social, em cada uma das empresas, de forma direta na empresa controladora e através desta, nas controladas; (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 12/09/06) II - fica vedada à delegação da gestão a pessoa jurídica em qualquer das empresas referidas no inciso anterior; (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 12/09/06) III - as empresas resultantes, sucessoras ou remanescentes da segregação das atividades da CEEE ficarão sujeitas à consulta plebiscitária prevista no 499 § 4º. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 12/09/06). 4.3.1 Emenda Constitucional nº 31 de 18 de Junho de 2002 O texto original do projeto que deu origem a esta EC previa apenas o Banrisul. A Corsan foi incluída no momento da votação em primeiro turno, como será observado a seguir. Nas justificativas apresentadas para a iniciativa de exigir plebiscito em caso de privatização do Banrisul, percebe-se que: Considerando que, o projeto de modernização defendido pelo Governo do Estado passa pela extinção e privatização de empresas públicas. Considerando que contrariamente ao discurso do Governo, o fechamento da Caixa Econômica Estadual trouxe graves prejuízos aos correntistas, 499 Constituição (1989). Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 03 de outubro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2013, p. 6-7. 189 usuários e funcionários das 92 Agências daquela instituição. Embora 61 delas tenham sido transformadas Agência do Banrisul, todos os seus servidores foram transferidos para outros órgãos do Governo. Considerando que mais de 1,5 de milhão de contas foram assumidas pelo Banrisul, sem a necessária adequação de sua estrutura para a nova realidade, seus clientes e usuários vêm sofrendo com a queda na qualidade do atendimento. Considerando que, caos impera praticamente em todas as Agências. As filas são imensas. Os empregados são forçados a trabalhar muito além da jornada legal, sem a devida remuneração. A sobrecarga de trabalho aumenta o estresse e compromete a qualidade dos serviços prestados à população. Considerando que, o movimento sindical e a sociedade gaúcha estão 500 preocupados com a atual situação e o futuro do Banrisul. Tal exposição de motivos confirma algumas questões já apontadas no item anterior. A primeira e mais representativa, é que a PEC nº 94/98 foi uma clara reação à aplicação de uma das principais características do modelo de Administração Pública Gerencial: a política de privatizações. O segundo fator importante foi o fechamento da CEERS, que resultou em graves prejuízos aos cidadãos e aos servidores públicos, pois muitas das contas do banco extinto foram assumidas pelo Banrisul, o que aumentou a demanda e provocou a redução na qualidade do atendimento aos clientes. Conforme já observado, essa situação passou a ser utilizada para denegrir a imagem do banco, a fim de justificar a sua privatização. Além disso, as justificativas permitem perceber que, o grande motivo por trás do surgimento deste projeto, foi a tentativa de evitar ou, ao menos, dificultar, a privatização do Banrisul. Para isso, a PEC nº 94/98 surgiu com a seguinte redação: Art. 1º - O parágrafo único do artigo 22 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul passa a ser o parágrafo 1º e são inseridos dois parágrafos, (parágrafo 2º e 3º). “Parágrafo 2º - Especialmente no caso da Sociedade de Economia Mista Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A a alienação ou transferência do seu controle acionário, bem como a sua extinção, fusão, incorporação ou cisão dependerá de prévia aprovação por plebiscito. Parágrafo 3º - Nas sociedades de economia mista, em que possuir o controle acionário, o Estado, fica obrigado a manter o poder de gestão geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia, de dirigir as atividades sociais e de orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, 500 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 94, de 22 de setembro de 1998 (Processo nº 22110-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, publicado em 01 de julho de 2002, no D.O. Nº 123, p. 3. 190 sendo vedado qualquer tipo de acordo ou avença que implique em abdicar 501 ou restringir seus direitos”. Após a intensa movimentação dos bancários, 133 Câmaras Municipais aprovaram este texto, preenchendo os requisitos do artigo 58, inciso III, da Constituição Estadual do RS, que exige a iniciativa de mais de um quinto das Câmaras Municipais para proposição de uma PEC.502 Por atender todos os requisitos legais, a proposta recebeu parecer positivo do supervisor e do procurador do Estado, mas em janeiro de 1999 foi arquivada, em função da eleição do governador Olívio, conforme já exposto. Em março de 2002, o vereador de Erechim (já que Erechim foi o primeiro Município a aprovar o projeto) Gilmar Fiebig, do PDT solicitou o desarquivamento do projeto, para sua posterior apreciação e, com o parecer favorável da CCJ, o projeto foi discutido e votado, na 43ª Sessão Extraordinária, de 28 de março de 2002, em primeiro turno e na 49ª Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002, em segundo turno. A PEC nº 94/98 foi aprovada por unanimidade nos dois turnos de votação e o seu texto final, foi aprovado em 18 de junho e promulgado em 20 de junho de 2002.503 Na votação em primeiro turno, foi apresentada uma Emenda, pelo deputado Bernardo de Souza, do PPS, para incluir a Corsan no projeto. Como a Emenda foi apresentada na própria votação e não teve a mesma tramitação do projeto como um todo, o deputado Germano Bonow questionou se essa forma de apresentação não teria problemas técnicos, o que poderia abrir um precedente para, posteriormente, anular a votação da proposta. Considerando legítimo tal questionamento, Ronaldo Zulke, do PT, solicitou que fosse realizada uma consulta ao departamento de Assessoramento Legislativo, para verificar possíveis problemas técnicos quanto ao 501 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 94, de 22 de setembro de 1998 (Processo nº 22110-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, publicado em 01 de julho de 2002, no D.O. Nº 123, p. 2. 502 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 94, de 22 de setembro de 1998 (Processo nº 22110-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, publicado em 01 de julho de 2002, no D.O. Nº 123, p. 4-7. 503 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 94, de 22 de setembro de 1998 (Processo nº 22110-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, publicado em 01 de julho de 2002, no D.O. Nº 123, p. 7-18; BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013; BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013. 191 encaminhamento da Emenda. A pesquisa foi realizada e concluiu não haver problemas na forma de apresentação, motivo pelo qual, a votação prosseguiu tanto para o Banrisul, quanto para a Corsan.504 Superadas as questões técnicas, é relevante a análise de alguns pontos importantes expressos na discussão do projeto, tanto em primeiro, quanto em segundo turno, a partir dos critérios já mencionados. a) A influência da Luta dos Bancários e dos Servidores da Corsan para a Aprovação da Proposta Conforme já narrado, houve uma intensa movimentação dos bancários para a aprovação e proposição da PEC nº 94/98. As discussões realizadas pelos deputados na votação do projeto demonstram que, tal pressão, foi fundamental para o seu surgimento e votação unânime. A fala do deputado Edson Portilho, do PT, comprova tal fato: Sejam bem-vindas as pessoas que nos assistem, em especial os sindicalistas, os trabalhadores bancários e também os trabalhadores ligados ao Sindiágua! É com essa organização e pressão democrática e legitima que estaremos votando aqui a PEC na tarde de hoje. (...) (...) A pressão dos companheiros foi fundamental para que esta Proposta pudesse ser votada neste momento – e, com certeza, pela 505 unanimidade das Sras. e dos Srs. Deputados. No mesmo sentido, a deputada Jussara Cony, afirmou que a PEC nº94/98 só tornou-se possível em razão da luta e da organização dos trabalhadores do Banrisul, o que provocou um sentimento de posição única, já que ninguém se manifestou contrário ao projeto.506 Tais argumentos reforçam a ideia de que a aprovação da exigência de plebiscito para privatização de estatais, não foi iniciativa dos representantes do 504 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 59-68. 505 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 68. (grifo nosso). 506 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 37. 192 povo, para ampliar as formas de participação popular, foi na verdade, uma resposta à pressão realizada pelos bancários e pelos servidores da Corsan. Além disso, é possível observar que, se não houvesse tamanha pressão, talvez, o argumento e o voto de alguns deputados não seriam os mesmos. Isso porque, alguns votos não foram fruto de convicções e ideologias partidárias, mas sim, de uma forte imposição dos segmentos populares.507 Nesse sentido, Flávio Koutzzi afirmou que a direita mudou de opinião: Portanto, o que está acontecendo hoje é que a direita mudou de posição: a direita que privatizou não privatiza mais, porque isso é intolerável para o povo brasileiro. Está fazendo de tal maneira que, atualmente, o candidato Antônio Britto abre a sua campanha dizendo: Não privatizarei mais. Meus cumprimentos, pois sempre é tempo de progredir, sempre é possível evoluir e aprender com a vida e a história. Mas que fique claro isto: este País esteve dividido entre duas filosofias, duas concepções e sobretudo entre duas políticas em relação ao patrimônio 508 público, e a nossa foi sempre a mesma. Deputados do PSDB, PPS, PMDB e PTB afirmaram que não houve mudança de postura, pois não havia pretensão do governo Britto, de vender a Corsan ou o Banrisul.509 b) O Desejo de Privatizar o Banrisul e a Corsan no Governo Britto O que foi exposto anteriormente, em relação ao risco de privatização das estatais, se confirma nas discussões da PEC nº 94/98. Nesse sentido, Flávio Koutzzi, afirmou que o Proes, já citado anteriormente, foi a “ante-sala de uma venda do Banrisul em melhores condições, mais sedutoras para os setores privados”510. 507 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 61-74. 508 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 35. 509 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 64-65; BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 34-34. 510 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 35. 193 Discordando de Koutzzi, o deputado Paulo Odone, do PPS, informou que quando o governo Britto assumiu o Estado, o Banrisul pertencia aos seus credores, em função de seu patrimônio líquido negativo. Por essa razão, o governo Britto, teria assinado o Proes, ou seja, para recomprar o banco e impedir a sua privatização.511 Assim, o Proes teria sido utilizado para sanear o banco. Tem-se, portanto, duas alegações principais. De um lado, aqueles que acusam o governo Britto de querer privatizar o Banrisul e, de outro lado, os que afirmam que tal governo saneou o banco e só assim, foi possível mantê-lo público. Para comprovar suas afirmações, a oposição ao governo Britto se baseia em três documentos, já citados anteriormente. O primeiro refere-se ao parágrafo segundo, da Cláusula quarta do Proes, onde o Estado se comprometia a privatizar o Banisul em dezoito meses, em troca de ajuda financeira para o banco.512 Ao se manifestar, Cesar Busatto, do PPS, elogiou as privatizações ocorridas na época, e afirmou que elas foram boas para a economia gaúcha e aumentaram a qualidade dos serviços privatizados. Contudo, Busatto garantiu que nunca houve intenção de vender o Banrisul e que a cláusula, que previa a privatização do banco, era uma exigência para que o Governo Federal disponibilizasse dinheiro para sanear o banco, mas que o governo Britto estava disposto a pagar a multa prevista e não vender o banco. No mesmo sentido, o deputado Paulo Odone informou que o governo poderia ter recebido três bilhões de reais se privatizasse o Banrisul, mas preferiu receber apenas a metade e manter o banco público.513 Tal argumento é plausível e justificaria a previsão de alienação no Proes, enfraquecendo a hipótese de que havia verdadeiro desejo de privatizar o banco. Contudo, outros dois documentos que comprovam o anseio pela privatização, foram mencionados. 511 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 64. 512 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 37. 513 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 68-69; BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 35-45. 194 O segundo é o Programa de Reestruturação do Ajuste Fiscal514, assinado pelo governo Britto, que em seu item quatorze, inciso b, previa a alienação do excedente do controle acionário do Banrisul e da CEEE para o ano de 1999.515 Por fim, o terceiro documento é o Orçamento de 1999 que previa 850 milhões de reais, que segundo deputados, era referente à venda do restante do controle acionário da CEEE, do Banrisul e da Corsan.516 Não há manifestações do partido do governo Britto e seus aliados, no sentido de contestar tais documentos, o que torna evidente que essas estatais não foram privatizadas, somente em função da não reeleição do governo Britto em 1998. No caso específico da Corsan, as discussões demonstraram que havia a intenção de privatizá-la, na medida em que em 1997, o presidente desta empresa, Berfran Rosado, anunciou que 49% do seu controle acionário seria vendido. Essa medida foi interpretada como uma tentativa de tirar a concessão dos saneamentos dos Municípios e repassá-la ao Estado, a fim de facilitar a privatização total da Corsan.517 O deputado Berfran Rosado, do PPS, afirmou que jamais houve a possibilidade de vender a Corsan, pois o Município é o poder concedente e que foi o seu partido que propôs a Emenda à PEC nº 94/98, para incluir tal empresa.518 No mesmo sentido, Cézar Busatto afirmou que o governo Britto não pretendia vender a Corsan, e acusou o governo Olívio de suspender o programa de 514 Importa esclarecer que a autora, ao analisar o documento não encontrou tal previsão. BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 37. 516 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 67-74; BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 34-38. 517 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 32-42. 518 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 71. 515 195 privatizações sem apresentar uma alternativa a este programa e ainda, de utilizar o dinheiro das privatizações para pagar sua folha de pessoal.519 Conforme se depreende das discussões sobre a PEC nº 94/98 (o que também já foi observado anteriormente), embora existam manifestações em contrário, o governo Britto pretendia privatizar a Corsan e o Banrisul, o que não ocorreu em função da sua não reeleição. Desse contexto, se retira a característica mais importante da PEC nº 94/98: o objetivo de impedir ou, ao menos, dificultar a privatização do Banrisul e da Corsan, o que passa a ser analisado. c) A Necessidade de Impedir a Privatização do Banco e do Setor de Águas Este tópico reforça a ideia de que o plebiscito criado pelas ECs, não surgiu como uma forma de garantir efetivos meios de participação dos cidadãos nas decisões do Estado e, tampouco, foi aprovado com essa finalidade. Nesse sentido, o “apelido” dado a proposta pelo deputado Giovani Cherini, do PDT, de a “PEC do medo”, demonstra que ela só foi proposta e votada, por medo de que o banco fosse vendido. Para o deputado, se não houvesse risco real de privatização, tal projeto não existiria, ou seja, a proposta trata na verdade, de um reforço ao serviço público e a rejeição à política privatizante.520 Assim, na fala da maior parte dos deputados, a participação popular é posta em segundo plano, estando em destaque a questão da privatização. Nesse sentido, Ivar Pavan, do PT, afirmou que a proposta nem precisaria existir, já que o seu partido jamais privatizaria o Banrisul ou a Corsan, deixando claro que a ideia não era criar um mecanismo para incentivar a participação popular.521 O deputado Bernardo de Souza é o único que se demonstra expressamente preocupado com a participação popular, ao afirmar que a PEC nº 94/98, não tratou de privatizar ou não uma estatal, mas sim, de incluir o povo como agente decisivo no 519 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 39. 520 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 60-62. 521 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 70. 196 processo político. Para este deputado, o importante é criar mecanismos que permitam que a população interfira nas decisões governamentais, já que ainda existe no Brasil, inclusive no Congresso Nacional, uma forte oposição à utilização desses mecanismos.522 Germano Bonow, também afirmou que seu voto favorável a proposta, justificou-se pela necessidade de o povo decidir o destino do patrimônio público. Contudo, como já referido, o ex-deputado, embora tenha votado a favor desta proposta e da PEC nº 122/02, acredita que algumas das estatais não deveriam ser contempladas pelas ECs.523 Os demais deputados presentes nas discussões demonstraram mais interesse em debater a questão da privatização do Banrisul e da Corsan, deixando de lado a questão da participação popular. Nesse sentido, para o deputado Vieira da Cunha, o objetivo da aprovação da PEC nº 94/98, era preservar o patrimônio público. Da mesma forma, os deputados Paulo Odone, Vilson Covatti, do PPB, Osmar Severo, do PTB e Maria do Rosário centraram seus argumentos na questão da privatização e de que a proposta deveria ser aprovada para garantir que o banco e a Corsan permanecessem públicos.524 O mesmo argumento foi utilizado por Luciana Genro e Flávio Koutzzi, Iradir Pietroski, do PTB, Jussara Cony e Elmar Schneider, do PMDB.525 É possível confirmar o que já foi citado anteriormente, no sentido de que a PEC nº 94/98 somente surgiu e foi aprovada como uma forma de impedir a política de privatização que vinha sendo aplicada até então e como resposta à pressão dos bancários e, por consequencia que, a participação não foi o elemento crucial para o 522 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 62-63; BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 33. 523 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 63-64. 524 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 58-67. 525 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 32-43. 197 surgimento e aprovação da proposta, reforçando a tese de que ela não é incentivada no Brasil, conforme se demonstrou no capítulo anterior. d) A Proposta como Oposição ao Neoliberalismo A última questão relevante que aparece nas discussões sobre a PEC nº 94/98 trata da sua compatibilidade ou não com um modelo de Estado neoliberal e, por consequência, com o modelo hegemônico.526 Considerando que a política de privatizações é adotada pelo modelo neoliberal, a fim de permitir o enxugamento do Estado, alguns deputados como, por exemplo, Giovani Cherini, entendem que só foi possível votar a PEC nº 94/98, em função do esgotamento desse modelo.527 Para Maria do Rosário, a votação da proposta permitiu a superação do neoliberalismo: Com esta PEC estamos derrotando aqui a perspectiva do neoliberalismo, das privatizações e compondo a vitória da nossa política, que é a vitória de que o setor público pode ser viável, competente e que a iniciativa privada pode ser competente também. Mas não devemos sucumbir aos interesses privados, aos interesses daqueles que são poucos e que, na verdade, têm seus representantes aqui dentro. O que representamos é muito mais: é um povo livre, o povo gaúcho, que, certamente, com este Projeto, poderá 528 espalhar a sua esperança e liberdade para todo o território brasileiro. Nesse mesmo sentido, Luciana Genro afirmou que este projeto representou uma derrota do neoliberalismo, na medida em que impediu o prosseguimento do projeto privatista. Edson Portilho, por sua vez, explicou que o debate da PEC nº 94/98 apresentou uma disputa entre dois projetos políticos. O primeiro é o projeto neoliberal, do Estado mínimo e entreguista, enquanto o segundo é o projeto antiprivatista, que pretende fortalecer o setor público.529 526 Vide capítulo 2, p. 29-30, sobre a relação entre a democracia hegemônica e o modelo de Estado neoliberal. 527 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 61-62. 528 BRASIL. 43º Sessão Extraordinária, de 28 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 67. 529 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 33-42. 198 Para Jussara Cony tal disputa é muito clara. De um lado, está o Estado que é mínimo para favorecer os interesses dos trabalhadores, mas máximo para favorecer os interesses de capital e de outro lado, está o Estado como ente público, com o objetivo de incentivar a participação popular e permitir o desenvolvimento de todos.530 É possível perceber que alguns parlamentares entendem que a PEC nº 94/98 se opõe ao modelo neoliberal e, em consequencia, ao modelo hegemônico, reforçando a tese de que o plebiscito criado pelas ECs só pode ser explicado em um contexto contra-hegemônico, conforme será abordado a seguir. 4.3.2 Emenda Constitucional nº 33 de 19 de Novembro de 2002 Conforme já mencionado, as propostas que surgiram após a PEC nº 94/98 (e que deram origem as ECs nº 33/02 e nº 47/04) parecem terem sido criadas para complementá-la e assegurar que mais empresas estivessem resguardadas contra as privatizações. O objetivo foi então, ampliar o rol de estatais que, para serem privatizadas, deveriam passar pela aprovação popular, por meio de plebiscito. Em relação à PEC nº 122/02, a iniciativa foi do deputado Vieira da Cunha e mais vinte deputados. Na discussão e votação da PEC nº 94/98, o deputado já havia anunciado tal medida e afirmou que só não ingressou com o projeto antes, para não prejudicar a aprovação daquela proposta.531 Por esta razão, a PEC nº 122/02 foi distribuída em 26 de junho de 2002, apenas seis dias após a publicação da PEC nº 94/98.532 530 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 36-37. 531 BRASIL. 49º Sessão Ordinária, de 11 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 41-42. 532 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 122, de 19 de novembro de 2002 (Processo nº 22146-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, 2002, p. 2. 199 A proposta original previa a exigência de plebiscito em caso de privatização da CEEE, CRM e Sulgás. Já a Cesa, foi incluída pela Emenda Aditiva nº 1, por iniciativa do deputado Paulo Azeredo, do PDT.533 As justificativas para essa iniciativa contemplam que: Diante do atual cenário nacional de “crise energética” que vivemos, é de extrema relevância uma profunda reflexão e avaliação sobre o processo de privatização a que foi submetida a nossa maior estatal, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), e o seu papel como um dos principais vetores do desenvolvimento social e econômico do nosso Estado. A CEEE construiu, ao longo da sua história, uma infra-estrutura invejável de fornecimento de energia elétrica em praticamente a totalidade do território gaúcho, sendo pioneira e referência nacional em eletrificação rural. O fortalecimento e preservação deste patrimônio público é questão estratégica para o desenvolvimento do nosso Estado. Do mesmo modo, a Companhia Estadual do Gás – SULGÁS reveste-se de importância singular na atual conjuntura de crise energética e apagões, complementando o sistema energético do Estado, possibilitando, assim, uma segurança maior no atendimento da crescente demanda por energia. Além do que, contribui sobremaneira para o estabelecimento de uma nova matriz energética que assegure o desenvolvimento social e econômico sustentável e equilibrado em nosso Estado. Finalmente, cabe ressaltar o papel estratégico da CRM – Companhia Riograndense de Mineração no sistema energético estadual e nacional, que tem potencial para ser a maior fornecedora de carvão mineral para usinas geradoras de energia elétrica, uma vez que o nosso Estado possui a maior reserva do país deste mineral tão importante como insumo energético. Pelos motivos acima expostos é que ao povo gaúcho deve caber a soberana e democrática oportunidade de decidir sobre extinção, fusão, incorporação ou cisão do patrimônio público representando por tais empresas, via consulta plebiscitária, a exemplo do que já deliberou por 534 unanimidade este Parlamento com respeito ao Banrisul e à Corsan. É possível perceber que, o que impulsionou essa proposta foi, principalmente, o desejo de dificultar a privatização de setores estratégicos para o Estado. Além disso, nas justificativas é citada a PEC nº 94/98, demonstrando que ela serviu de exemplo para a criação das demais propostas. Assim, para dificultar a privatização de outras estatais, além da Corsan e do Banrisul, a PEC nº 122/02 foi proposta com a seguinte redação: “Art. 22-... § - A alienação, transferência do controle acionário, cisão, incorporação, fusão ou extinção da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, 533 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 22146-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria Alegre: ALRS, 2002, p. 12-13. 534 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 22146-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria Alegre: ALRS, 2002, p. 10. 122, de 19 de novembro de 2002 (Processo nº de protocolo, arquivo e comunicações. Porto 122, de 19 de novembro de 2002 (Processo nº de protocolo, arquivo e comunicações. Porto 200 Companhia Riograndense de Mineração – CRM e Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul – Sulgás, somente poderão ser realizadas após a manifestação favorável da população expressa em consulta 535 plebiscitária.” Embora não tenha havido pressão de segmentos da sociedade, tão expressivamente como houve no caso do Banrisul, em 03 de setembro de 2002 o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio Grande do Sul (Senge) manifestou seu apoio à proposta. Para materializar tal apoio, foram colhidas mais de mil adesões ao projeto e encaminhadas ao deputado Sérgio Zambiasi, do PTB (presidente da Assembléia Legislativa na época), demonstrando que a PEC nº 122/02 correspondia ao anseio de parte da população gaúcha.536 A proposta foi votada na 81ª Sessão Ordinária, de 05 de novembro de 2002, em primeiro turno, e na 83ª Sessão Ordinária, de 13 de novembro de 2002, em segundo turno. Nos dois turnos de votação, o projeto foi aprovado por unanimidade, motivo pelo qual foi promulgado em 19 de novembro de 2002, se transformando na EC nº 33/02.537 Importa referir, que não houve discussão antes da aprovação da proposta, tanto no primeiro, quanto no segundo turno.538 Apenas o deputado Elvino Bohn Gass, do PT, manifestou-se após a votação em uma comunicação de líder, afirmando a importância da aprovação da proposta e ressaltando que mesmo 535 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 122, de 19 de novembro de 2002 (Processo nº 22146-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, 2002, p. 02. 536 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 122, de 19 de novembro de 2002 (Processo nº 22146-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, 2002, p. 20-117 e 121-220. 537 BRASIL. 81ª Sessão Ordinária, de 05 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 22-24. BRASIL. 85ª Sessão Ordinária, de 13 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 08-11; BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 122, de 19 de novembro de 2002 (Processo nº 22146-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre: ALRS, 2002, p. 225. 538 BRASIL. 81ª Sessão Ordinária, de 05 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 22-24. BRASIL. 85ª Sessão Ordinária, de 13 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 08-11. 201 aqueles partidos favoráveis à venda do patrimônio público (que chegaram a vender parte da CEEE), votaram a favor da PEC nº 122/02.539 O deputado afirma ainda, que antes da privatização da CRT e de parte da CEEE, em 1997, as bancadas do PT, do PDT e do PC do B, propuseram a realização de consulta popular para a privatização dessas estatais, mas o projeto foi rejeitado, conforme já abordado acima. Nesse sentido, o deputado sustenta que os mesmos partidos que não aceitavam a realização da consulta naquela época, votaram a favor da PEC nº 122/02, em resposta a oposição de segmentos da sociedade em relação à privatização.540 Tal fato, confirma a ideia de que alguns partidos não votaram conforme sua ideologia e posição, mas sim, de acordo com a pressão realizada para a aprovação dos projetos. A falta de debate sobre a votação da PEC nº 122/02 reforça a ideia de que ela foi uma conseqüência da PEC nº 94/98, ou seja, quando proposto esse projeto, alguns deputados se deram conta de que, talvez esse fosse o caminho para pôr fim ou, ao menos, dificultar o projeto privatista. 4.3.3 Emenda Constitucional nº 47 de 16 de Dezembro de 2004 A iniciativa dessa proposta foi do deputado Ciro Simoni e mais vinte e cinco deputados. Ela foi distribuída em 19 de agosto de 2004 e as justificativas para a sua proposição foram às seguintes: A Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul – PROCERGS, foi criada em 28 de dezembro de 1972 com o objetivo principal de executar a política de informática do Estado. Durante estes 30 anos de existência, a PROCERGS desempenhou papel importante na modernização da máquina pública do Estado, tanto no que se refere a adequação de seus procedimentos internos, como também no relacionamento com o meio externo, sendo hoje uma Instituição de referência e respeitabilidade nacional e internacional. É de salientar-se, que além da atuação tradicional da PROCERGS junto aos órgão da administração direta e indireta do Poder Executivo, também ela 539 BRASIL. 85ª Sessão Ordinária, de 13 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 12-13. 540 BRASIL. 85ª Sessão Ordinária, de 13 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 12-13. 202 atua de forma importante e efetiva junto aos Poderes Legislativo e Judiciário. Tanto na gestão das ações de Governo, como também no acompanhamento da eficácia da arrecadação e na racionalização dos processos de trabalho, é importante a contribuição da PROCERGS para o melhor desempenho do Estado no cumprimento de suas funções. Dito isto, é imperioso que esta Instituição que, contribui de forma relevante para que o Estado cumpra eficazmente as suas atribuições, seja preservada de iniciativas que objetivem a sua privatização e conseqüente desvinculação do sistema público do Estado, razão pela qual estamos apresentando o presente Projeto de Emenda Constitucional. As políticas de informática, em escala mundial, têm-se revestido de importância estratégica de interesse público, devendo-se assegurar ao Estado seu efetivo controle. A presente proposta orienta-se no sentido da preservação do controle público sobre os empreendimentos que agregam tecnologia de informação e conhecimento científica, mantendo-os imunes aos fenômenos mercantilistas. Finalmente, cabe salientar que o presente projeto tem origem em iniciativa 541 idêntica do estão Deputado João Luiz Vargas, PEC 124/02. Tal exposição de motivos permite perceber que a proposta em questão, surgiu para preservar a Procergs, uma empresa com papel fundamental para o Estado do RS, de tentativas de privatização. Importa observar que esta proposta surgiu pelo mesmo motivo da PEC nº 122/02, não havendo grande mobilização de segmentos sociais para a sua proposição. As justificativas da PEC nº 161/04 apontam ainda, para uma questão relevante. Ele é uma cópia idêntica da PEC nº 124/02, de autoria do deputado João Luiz Vargas do PDT. Esse projeto foi proposto em 21 de agosto de 2002, ou seja, na mesma época da votação da PEC nº 94/98 e proposição e votação da PEC nº 122/02.542 Isso significa que esta proposta surgiu pelo mesmo motivo da anterior, ou seja, para complementar o projeto que tratou da Corsan e do Banrisul. Contudo, como essa proposta não foi votada até o final da legislatura daquela época (de 1999 até 2003) foi arquivada, podendo ser desarquivada a pedido do autor, na próxima legislatura (de 2003 até 2007). Ocorre que, embora tenha sido eleito novamente, em julho de 2003, João Luiz Vargas renunciou a seu mandato para exercer o cargo de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE), motivo 541 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 161, de 16 de dezembro de 2004 (Processo nº 21002-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre, ALRS, 2004, p. 3-4. 542 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 124, de 21 de agosto de 2002 (Processo nº 2306.01.00/02-2). Disponível em: < http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao/tabid/325/SiglaTipo/PEC/NroProposicao/124/AnoP roposicao/2002/Origem/Px/Default.aspx>. Acesso em: 19 nov. 2013. 203 pelo qual a PEC nº 124/02 não foi desarquivada, vindo a ser novamente proposta em 2004.543 Tal fato justifica, porque a PEC nº 161/04 foi criada fora do contexto, ou seja, dois anos depois da criação das demais propostas. Para tentar evitar que a Procergs fosse privatizada, a iniciativa tinha a seguinte redação: “Art. 22-... § 5º A alienação ou transferência do controle acionário, bem como a extinção, fusão, incorporação ou cisão da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul – PROCERGS, dependerá de 544 manifestação favorável da população, sob forma de plebiscito.” Analisando a proposta, o relator da CCJ, na época Nelson Harter, do PMDB considerou que todos os requisitos legais foram respeitados, motivo pelo qual o parecer foi favorável.545 A PEC nº 161/04, foi votada na 98ª Sessão Ordinária, de 30 de novembro de 2004, em primeiro turno e na 105ª Sessão Ordinária, em 15 de dezembro de 2004, em segundo turno. Nos dois turnos de votação, a proposta foi aprovada por unanimidade, sendo promulgada em 16 de dezembro de 2004. Não houve discussão na votação em primeiro turno, somente no segundo, o que se passa a analisar.546 543 MEMORIAL DO LEGISLATIVO. Deputado João Luiz Vargas. Assembléia Legislativa. Disponível em:. Acesso em: 19 nov. 2013; BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 124, de 21 de agosto de 2002 (Processo nº 2306.01.00/02-2). Disponível em: < http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao/tabid/325/SiglaTipo/PEC/NroProposicao/124/AnoP roposicao/2002/Origem/Px/Default.aspx>. Acesso em: 19 nov. 2013. 544 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 161, de 16 de dezembro de 2004 (Processo nº 21002-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre, ALRS, 2004, p. 2. 545 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 161, de 16 de dezembro de 2004 (Processo nº 21002-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre, ALRS, 2004, p. 15-19. 546 BRASIL. 98ª Sessão Ordinária, de 30 de novembro de 2004. Disponível em:. Acesso em: 11 jul. 2013; BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013; BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 161, de 16 de dezembro de 2004 (Processo nº 21002-01.00). Assembléia Legislativa: Diretoria de protocolo, arquivo e comunicações. Porto Alegre, ALRS, 2004, p. 26. 204 Nas discussões em segundo turno, percebe-se, em primeiro lugar, que a Procergs é considerada uma empresa fundamental para o Estado do RS e que o plebiscito serviu como uma espécie de freio a sua possível privatização.547 Assim, é possível perceber que, assim como nas discussões da PEC nº 94/98, esta proposta demonstra que a questão central é a privatização e não a participação popular. A exceção é o argumento do deputado Adão Villaverde, do PT, em relação à existência de uma crise estatal e uma crise da representação política, que só poderiam ser saneadas a partir da participação direta da população nas decisões estatais importantes.548 Outra questão relevante que aparece nas discussões sobre a proposta, é a iniciativa de algumas empresas em incentivar a privatização da Procergs, como já referido anteriormente. Nesse sentido, o deputado Estilac Xavier, do PT, refere-se à reunião realizada por Paulo Feijó, presidente da Federasul, com o governador Rigotto, para discussão de propostas sobre o enxugamento do Estado, entre elas a privatização da Procergs.549 Também mencionaram esse fato os deputados Jussara Cony e Dionilso Marcon.550 Para Ronaldo Zulke a discussão da PEC nº 161/04 naquele momento, foi imprescindível, na medida em que houve um retrocesso político, com a eleição de um partido com tradição privatista, motivo pelo qual era necessário proteger o patrimônio público.551 A bancada do PMDB, afirmou que a acusam de querer privatizar a Procergs, mas que o partido não tinha essa intenção e que a discussão em relação a essa proposta só foi possível, devido ao parecer favorável de um relator desse partido. O 547 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 22. 548 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 21-22. 549 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 21. 550 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 22-26. 551 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 22. 205 deputado João Osório, deste partido, defendeu as privatizações realizadas anteriormente e, afirmou que elas permitiram controlar a economia e que o Governo Olívio, não adotou essa política, mas não apresentou outra estratégia, deixando o governo com arrecadação abaixo do previsto.552 Os deputados Elvino Bohn Gass e Fabiano Pereira, do PT solicitaram que o PMDB e o Governador do Estado se manifestassem expressamente, sobre sua posição a favor ou contra as privatizações e que o governador anunciasse se levou a sério as propostas feitas pelos empresários.553 Os deputados Elmar Scheider e Nelso Harter não responderam claramente quanto à mudança de posição do partido, apenas afirmando que a Procergs não seria privatizada. Alegaram ainda, ser legitimo e democrático que o governador converse com os empresários em qualquer momento e que os empresários pagam impostos e geram empregos.554 É possível notar que o PMDB, um partido com tradição privatista, se posicionou contra a privatização da Procergs, como fez com as demais estatais apreciadas pelas PECs nº 94/98 e nº 122/02, mas ao ser cobrado de uma posição clara sobre a privatização, silenciou, comprovando que as votações foram influenciadas pelo contexto da época. Por fim, importa ressaltar que, diferente das discussões sobre o Banrisul e a Corsan, nessa discussão não houve manifestações sobre a incompatibilidade da proposta com o modelo de Estado neoliberal, com exceção de Jussara Cony, que afirmou que o projeto neoliberal prega o enxugamento do Estado e que a PEC nº 161/04, representava uma importante resistência a esse projeto.555 552 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 23-24. 553 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 24-27. 554 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 25-27. 555 BRASIL. 105ª Sessão Ordinária, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2013, p. 23. 206 4.4 O PLEBISCITO CRIADO PELAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS Após a descrição de como e em qual contexto surgiu a ideia de vincular a privatização de estatais a um plebiscito e, após a análise das discussões realizadas nas votações das PECs, importa verificar o mecanismo criado pelas ECs aqui analisadas e sua compatibilidade ou não com o modelo democrático hegemônico. Antes de tal abordagem é necessário analisar se, após a criação das ECs, houve algum governo com desejo de privatizar as estatais por elas contempladas. Tal estudo é importante, pois em caso positivo, ou seja, se existiu governos com desejo de privatizar, a hipótese de que o plebiscito para privatizações é contrahegemônico é reforçada, na medida em que, até hoje, não foi realizada nenhuma consulta, a fim de ouvir a opinião da população sobre tal privatização. 4.4.1 As Privatizações Retornam à Pauta? Após a derrota do governo Britto, com a eleição de Olívio Dutra em 1998, as privatizações deixaram de ser pauta do governo. Nesse sentido, o ex-governador Britto, ao disputar as eleições de 2002, pelo PPS, afirmou que cometeu erros na gestão anterior, mas aprendeu com tais erros e também garantiu que, embora as privatizações realizadas durante a sua gestão tenham sido boas para o RS, tal política não seria mais adotada, pois já estava no passado.556 Germano Rigotto, do PMDB, ao disputar as eleições de 2002, também afirmou que a Sulgás, a CEEE, a Corsan e o Banrisul não seriam alienados. Contudo, em debate no segundo turno das eleições de 2002, Tarso Genro, do PT disse que o vice-governador de Rigotto, Antônio Hohlfeldet, do PSDB anunciou a venda da Sulgás em caso de eleição.557 Com a vitória de Rigotto nas eleições de 2002, as privatizações voltam a ser referenciadas, ainda que muito discretamente. No plano de governo para os anos de 556 ANTÔNIO Britto descarta novas privatizações no RS. Terra, Rio Grande do Sul, Redação Terra, 12 ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 557 LEIA a cobertura do debate entre Rigotto e Tarso na RBS. Terra, Rio Grande do Sul, Redação Terra, 24 out. 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 207 2003 a 2006, o governo Rigotto afirmou que uma das medidas a ser adotada em sua gestão seria a venda do excedente do controle acionário de empresas estatais558, o que foi interpretado como um possível método para preparar o caminho para a privatização das estatais.559 Além disso, já no início do governo Rigotto, houve uma denúncia de que estava sendo realizado um estudo sobre a possibilidade de privatização do Banrisul, o que foi desmentido pelo governador e por Fernando Lemos, presidente do Banco na época.560 Nesse sentido, Rocha ao responder o questionamento sobre a intenção de governos posteriores a aprovação das ECs em privatizar estatais, afirmou que o governo Rigotto no começo de sua gestão chegou a acenar, ainda que discretamente, a ideia de vender estatais e, por esta razão, foi procurado pelos bancários para esclarecimentos, informando que tudo não passou de um engano e que nada seria privatizado.561 Em março de 2002, antes mesmo das eleições, Paulo Afonso Feijó tornou-se presidente da Federasul, com um discurso extremamente liberal: Eu sempre li e estudei Frederic Bastian, um sociólogo francês que diz que não devemos esperar mais do que duas coisas do Estado: a liberdade e a segurança. Se quisermos uma terceira, ele deixa de cumprir as outras duas. Como empresário, entendo que cabe ao Estado dar liberdade aos cidadãos e ter uma justiça extremamente ágil, competente e bem remunerada, gerando segurança aos cidadãos. O resto não compete a ele. Quem defende o poder do Estado defende os amigos do rei: só anda bem quem está junto ao feudo do poder. Vamos pegar o exemplo da telefonia. Me interessa se a CRT é do governo, da Alemanha, da Espanha ou de qualquer outro país? Não. Eu quero serviço e preço barato, poder escolher o telefone e a linha telefônica que eu bem entender. Isso tem que ser promovido em qualquer atividade. O que me interessa o Banrisul ser do Estado? Devemos ter competição em linhas de ônibus, em linhas de táxi, em linhas aéreas, em água, luz, supermercado, restaurante, farmácia. Há algo mais importante para a população que comida? Não. Então, é mais importante para o Brasil ter a Petrobras ou ter uma rede de supermercado? Eles não estão em rede de supermercado porque o Estado é inoperante e incompetente e não pode competir com a iniciativa privada. Eu quero que a British Petroleum venha 558 RIGOTTO, Germano. Plano de Governo: período de 2003 a 2006. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013, p. 53-54. 559 RIGOTTO quer vender ações de estatais. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 3, 15 out. 2002. 560 RIGOTTO e Lemos negam estudo sobre a privatização do Banrisul. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 2, 10 mar. 2003. 561 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 2min.40s-4min. 208 aqui vender gasolina mais barata, ou a Shell, a Esso, a Ipiranga - e para 562 mim não interessa se a Ipiranga é gaúcha ou carioca. É possível perceber que Feijó entende o Estado nos mesmos moldes de John Locke, ou seja, o Estado só serve para garantir segurança e liberdade aos cidadãos, devendo ser mínimo nas demais áreas.563 Com este perfil extremamente liberal, em 2004, Feijó foi reeleito presidente da Federasul e em entrevista concedida ao Diário Popular em maio de 2004, ao ser questionado sobre a possível solução para os problemas tributários do Estado do RS, respondeu que a saída seria: O Estado deixar de participar de atividades que não dizem respeito a ele. O estado precisa prover à sociedade segurança e liberdade, talvez transporte coletivo, mas não uma Procergs, não uma CEEE. Nós temos iniciativa privada para estas atividades, que podem oferecer ao consumidor e ao público preços mais competitivos via licitação. Não compete ao estado 564 operar nestes casos. Como já observado, a Federasul em conjunto com outras empresas, redigiu um documento a fim de indicar ao governo medidas essenciais a serem adotadas para o controle da crise financeira. Além da privatização da Procergs, que já foi abordada, o documento sugeria a desestatização da CEEE, da Corsan e do Banrisul.565 Considerando que desestatização implica em perda efetiva do poder pelo Estado e repasse desse poder à iniciativa privada566, o objetivo central da medida sugerida ao governo, era a privatização dessas estatais. Tal documento foi entregue ao governador Rigotto e a possibilidade de realização dessas medidas foi discutida pelo governo e as entidades privadas. 562 CIDADE: Entrevista com Paulo Afonso Feijó, presidente da Federasul. Diário Popular via Internet, Pelotas, 20 jul. 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 563 Vide Capítulo 2, p. 25-26, sobre o Estado liberal na visão de John Locke. 564 CIDADE: Paulo Afonso Feijó: o presidente reeleito da Federasul continua a cruzada por menos tributos e faz uma vítima no dia da posse. Diário Popular via internet, Pelotas, 30 mai. 2005. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 565 FEDERASUL (org.). A crise do Estado: reformas para racionalizar a máquina pública. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2013, p. 9-12. 566 SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 272-273. 209 Embora a discussão sobre as privatizações não tenha avançado muito durante o governo Rigotto, não passando de especulação, o governo de Yeda Crusius, do PSDB (eleita em 2004) seguiu direção oposta. Antes de falar da questão das privatizações durante a gestão de Yeda no Estado do RS, importa ressaltar que a ex-governadora pertence ao PSDB, partido do governo FHC, que criou as bases para a reforma gerencial e adotou, amplamente, medidas privatizantes. Além disso, existem alguns fatores que comprovam que a ex-governadora era a favor do modelo gerencial e das privatizações. O primeiro é o apoio às medidas adotadas pelo governo FHC. Entre 1994 e 2006, Yeda foi deputada federal e foi nessa condição que ela participou da votação da PEC nº 173-A/95, que foi transformada na EC nº 19/98, uma das bases da reforma gerencial, conforme já citado. Yeda votou a favor da proposta nos dois turnos, confirmando que, além de integrar o partido que impulsionou a reforma gerencial, a ex-governadora apoiava e adotava as medidas do governo FHC.567 Outra questão que reforça o seu ideal privatizante foi o apoio dispensado ao governador Britto, no segundo turno das eleições de 1998. Apoiando a reeleição de Britto, Yeda apoiou também, a política de privatização adotada naquele governo.568 É preciso recordar ainda que, embora a relação entre Feijó e Yeda tenha sido conturbada desde a vitória na eleição de 2006, foi ela quem o escolheu como vicegovernador, mesmo sabendo de seu entusiasmo em relação às privatizações. Nesse sentido, Rocha ao ser entrevistado referiu que, quando a governadora e seu vice ainda tinham uma relação estável, Feijó foi encarregado de discutir o tema das privatizações, o que deveria ser feito de forma discreta. Por esta razão, Rocha e Feijó realizaram um debate sobre a venda do Banrisul, na Câmara de Vereadores de Alegrete, onde o vice-governador afirmou que a questão principal não era o desejo 567 BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 173-A, de 23 ago. 1995. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 568 BRASIL. Britto e Olívio trocam farpas. Senado Federal. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 210 de privatizar, mas a necessidade de obtenção de recursos para áreas como saúde e educação.569 Aliado a tal fato, importa notar que as mesmas associações que elaboraram o documento sobre a crise do Estado em 2004 (já mencionado), incluindo a Federasul, sob presidência de Feijó, sugerindo a adoção da reforma gerencial e de privatizações para solucionar a crise, apoiaram a candidatura da governadora.570 Os fatos apresentados indicam que o governo Yeda manteve a ideologia gerencial e privatista, ainda que não abertamente. Nesse sentido, embora o governo anunciasse um novo jeito de governar, sem privatizações, em seu plano de governo apareceram características expressamente gerenciais: modernização da gestão pública, eficiência dos serviços prestados, controle de resultados e parceria com a iniciativa privada, demonstrando que o projeto gerencial não foi deixado de lado.571 Além disso, ainda que o governo Yeda tenha se comprometido em não privatizar estatais, em março de 2007, decidiu vender ações do Banrisul mantendo, contudo, o controle do Estado sobre a empresa. Tal decisão centrou-se na tentativa de obter recursos para o Estado, mas o governo garantiu que tal medida não acarretaria na privatização do banco.572 O segmento dos bancários passou a fazer uma intensa movimentação contra o que considerou ser “o novo jeito de privatizar”. Contudo, as reivindicações não foram consideradas pelo governo que, não promoveu o debate antes de vender as ações do banco.573 569 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 1h10min-1h38min. 570 CHOQUE de gestão de Yeda e Feijó significa privatização do Estado. Assufurgs: Associação dos servidores da UFRGS e da UFCSPA. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013. 571 CRUSIUS, Yeda Rorato. Plano de Governo: período de 2007 a 2010. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013, p. 2-62. 572 GOVERNO do RS coloca à venda ações do banco estatal. Agência Folha de Porto Alegre, 25 abr. 2007. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2013; YEDA deflagra privatização. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, ano 74, nº7, p. 5, 25 abr. 2007. 573 YEDA deflagra privatização. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, ano 74, nº7, p. 5, 25 abr. 2007; GUERRA contra o novo jeito de privatizar. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 3, 13 dez. 2007. 211 Em abril de 2007, foi promovida uma assembléia de acionistas para alterar o estatuto do banco, tornando-o mais atrativo aos investidores privados. Para os bancários, a mudança retirou do banco o seu caráter essencialmente social, objetivando maior obtenção de lucro. 574 Em 30 de julho de 2007, na época de recesso da Assembléia Legislativa, foi realizada a cerimônia, que marcou o inicio da venda das ações do Banrisul. Naquela ocasião, Raimundo Mariano Filho, presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), afirmou que o único meio eficiente de promover desenvolvimento de empresas é através de acionistas e investidores, ou seja, com participação do setor privado. Ele anunciou ainda, que a governadora Yeda sempre privilegiou o mercado de capitais (característica do setor privado), o que demonstra que a mesma não abandou suas ideologias.575 Ao se manifestar Aod Cunha, presidente do conselho de administração do Banrisul e Secretário da Fazenda durante o governo Yeda, afirmou que a parceria com o setor privado é o que permite o crescimento de um país e o mercado de capital serviria como uma alavanca para promover o desenvolvimento econômico do Estado do RS.576 No mesmo sentido, Yeda garantiu que a iniciativa com o setor privado seria a única forma de melhorar o desempenho do RS.577 Em setembro de 2007, a venda de 43% das ações do Banrisul foi concretizada e a maior parte ficou com investidores estrangeiros.578 É possível perceber que o governo Yeda, não só teve intenção de continuar com a política de privatizações, como de fato, alienou parte do Banrisul o que 574 YEDA deflagra privatização. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, ano 74, nº7, p. 5, 25 abr. 2007. 575 TV PIRATINI. Veja cerimônia de início das negociações das ações do Banrisul. Rio Grande do Sul: TV Piratini, 31 jul. 2007. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2014. 576 TV PIRATINI. Veja cerimônia de início das negociações das ações do Banrisul. Rio Grande do Sul: TV Piratini, 31 jul. 2007. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2014. 577 TV PIRATINI. Veja cerimônia de início das negociações das ações do Banrisul. Rio Grande do Sul: TV Piratini, 31 jul. 2007. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2014. 578 YEDA vende 43% das ações. O Bancário, Jornal do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Porto Alegre, p. 3, 11 set. 2007. 212 representa uma privatização, ainda que parcial, pois parte do patrimônio foi transferido para a iniciativa privada. O mais importante é compreender que tal medida teve muita manifestação contrária, principalmente, por parte do setor bancário, mas o governo não se preocupou em promover o debate sobre a iniciativa e ouvir a opinião da população. Tal postura foi interpretada como uma forma de evitar o plebiscito. Nesse sentido, Rocha explica que, segundo “informações de bastidores”, a intenção do governo Yeda era privatizar totalmente a instituição e, para isso, modificar a CRFB/88, através de uma nova EC que retirasse a exigência da consulta popular. Contudo, Rocha explicou que o governo foi aconselhado a não adotar tal iniciativa e vender apenas parte do banco, mantendo o controle acionário.579 Nas entrevistas, alguns deputados também mencionaram que o governo Yeda não privatizou as estatais e, totalmente o Banrisul, para não recorrer ao plebiscito. Para Raul Pont, o governo tinha desejo em privatizar, especialmente o Banrisul, mas não estava disposto a assumir a responsabilidade de convocar o plebiscito.580 Flávio Koutzzi também acha que o Banrisul escapou de ser totalmente alienado durante o governo Yeda, devido a exigência da consulta popular.581 O exgovernador Olívio, por sua vez, acredita que se não fossem as ECs, a ideia de se desfazer do patrimônio público seria retomada no governo Yeda.582 É possível perceber que após as eleições de 2002 as privatizações voltaram a ter espaço nas políticas de governo ou, ao menos, foram debatidas. Nesse sentido, o plebiscito parece ter funcionado como uma medida protetora para evitar a 579 ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 22min.20s-25min.46min. 580 PONT, Raul. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (38min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 22min.-23min.30 581 DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 19min.17s-20min. 582 KOUTZZI, Flávio. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (1h25min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 58min.46s-59min.39s. 213 privatização das estatais, pois não houve vontade política em debater o tema com a sociedade. 4.4.2 Democracia Hegemônica ou Contra-Hegemônica? Conforme analisado nos tópicos anteriores, as ECs aqui abordadas surgiram em um contexto muito particular de desgaste com as privatizações aplicadas no Estado do RS durante o governo de Britto e de pressão de segmentos sociais, principalmente dos bancários, para manter o Banrisul público. Foi neste momento que surgiu uma norma que vincula o Poder Público a convocar o plebiscito em caso de privatização de empresas estatais. No capítulo anterior, foi realizada uma análise acerca dos mecanismos de participação cidadã contemplados pela CRFB/88 e foi possível perceber que o plebiscito e o referendo dependem de convocação e autorização, respectivamente, do Congresso Nacional.583 Dessa forma, existe uma diferença entre o plebiscito garantido nas ECs e o plebiscito do artigo 14, da CRFB/88: o primeiro obriga a sua utilização em caso de alienação total de estatais, enquanto o segundo fica a critério do Congresso Nacional para assuntos de alta relevância. Tal diferença revela que os mecanismos de participação cidadã em geral, dependem da lógica no qual são inseridos para ter ou não efetividade, ou seja, no Brasil, em função da predominância da visão democrática hegemônica os mecanismos encontram dificuldades de serem implementados, mas em outros países, em que esse modelo é flexibilizado, esses instrumentos são mais efetivos.584 Já o plebiscito em caso de privatização de estatais não depende da lógica onde está inserido, na medida em que ele é um mecanismo vinculante. Por esta razão, esta pesquisa parte da hipótese de que tal instrumento não é compatível com a democracia hegemônica. 583 Vide Capítulo 3, p. 84-85 e 89-90, sobre a competência para a convocação ou autorização de consultas populares. 584 Vide Capítulo 3, p. 106-144, referente a exemplos de utilização dos mecanismos de participação cidadã. 214 Tal hipótese centra-se, principalmente, em cinco características essenciais observadas ao longo deste trabalho: a participação não foi o elemento central para a criação das ECs e, por conseqüência, do plebiscito; não existem muitos casos de mecanismos vinculantes no Brasil; o plebiscito nunca foi utilizado; a falta de informação e a dificuldade encontrada durante a realização da pesquisa e; este plebiscito limita a atuação dos representantes. a) A Privatização como Elemento Central para a Criação das Emendas Conforme observado acima, o que motivou a criação desse plebiscito foi a lógica gerencial e privatista que imperava no Estado do RS e a luta de segmentos da sociedade, em especial dos bancários. Nesse sentido, importa recordar que a PEC nº 94/98, que impulsionou a criação das demais, só surgiu pela organização de representantes dos bancários, que procuraram o PT para encontrar uma forma de impedir a privatização do Banrisul. Após ter sido criada a proposta em relação ao Banrisul, outros setores passaram a pressionar deputados para que mais empresas estatais fossem protegidas pelo plebiscito.585 Dessa forma, o plebiscito serviu com uma espécie de freio, ou seja, criou uma barreira no caso das privatizações. Esse foi o entendimento dos entrevistados Olívio Dutra586, Flávio Koutzzi587 e José Vicente Rauber588. Assim, conforme já demonstrado, o fato que motivou a proposição das PECs e a sua votação unânime foi, além da pressão dos bancários, a tentativa de impedir a privatização do banco. Neste sentido, se houvesse outro caminho ou, ainda, se não fosse por esse contexto específico, tal mecanismo não teria sido previsto, 585 Para recordar sobre o contexto político do Brasil e do Estado do RS, no momento em que as ECs foram criadas, Vide este Capítulo, p. 158-168. 586 DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 24min.19s-24min.-25s. 587 KOUTZZI, Flávio. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (1h25min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 29min.27s-30min. 588 RAUBER, José Vicente. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [01 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (50min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 15min.30s-16min.59s. 215 justamente porque a participação não foi o elemento que impulsionou a criação das ECs.589 Outro fato que comprova tal afirmação é que, nas discussões das PECs não houve nenhuma manifestação, no sentido de que seria importante convocar um plebiscito sobre essa questão e saber qual é a opinião do povo, pelo contrário, esse mecanismo foi criado para não ser utilizado, pois a sua simples existência já basta para estabelecer um forte obstáculo à venda de patrimônio público e desestimular governos a privatizarem. Do contrário, a primeira questão a se defender nas discussões, seria a convocação da consulta a fim de saber o que a população pensa sobre este assunto. Além disso, a fala de Ricardo Giuliani ao ser entrevistado, conforme já citado, no sentido de que, assim que houver vontade política, muda-se a CRFB/88 e retirase a exigência do plebiscito, torna inequívoca a ideia de que a participação política não era o tema central das ECs e, se houvesse outra forma de impedir ou dificultar a privatização das estatais, esse mecanismo seria descartado.590 b) Inexistência de Casos de Mecanismos Vinculantes no Brasil Conforme observado no Capítulo 3, além do caso aqui estudado, existem outros três semelhantes: o plebiscito para a venda da Sercomtel em Londrina, que foi realizado e impediu a privatização da empresa; e o referendo para a privatização de estatais nos Estados de MG e SC.591 No primeiro exemplo, a consulta para verificar se a população era a favor da venda da Sercomtel Celular de Londrina, embora o plebiscito não fosse uma exigência Constitucional e, sim uma Lei Municipal, permitiu demonstrar o medo dos parlamentares em consultar a população e como a participação dos cidadãos pode impedir que os políticos adotem medidas contrárias a população.592 589 Sobre isso, vale recordar o que foi expresso pelo deputado Cherini, no sentido de que a PEC nº 94/98 só estava sendo votada em função do medo da privatização, do contrário, ela não existiria e por isso foi apelidada pelo deputado de a “PEC do medo” (Vide este Capítulo 4, p. 195). 590 Para recordar a fala de Ricardo Giuliani neste capítulo, vide p. 186. 591 Vide Capítulo 3, p. 125-144, sobre a consulta popular no caso de privatização de estatais. 592 Vide Capítulo 3, p. 128-137, sobre o plebiscito para a venda da empresa Sercomtel. 216 Tal medo está ainda muito presente no Brasil, motivo pelo qual a concretização dos mecanismos enfrenta dificuldades. Isso porque, a representação é vista como a única forma democrática possível e qualquer tentativa de flexibilizar essa lógica é tida como uma afronta as instituições representativas e um risco à própria democracia.593 Nesse sentido, é importante relembrar que Schumpeter afirma que a eleição de representantes é a única forma possível para o povo governar.594 Assim, o plebiscito vinculante contraria tal lógica, pois obriga a participação cidadã em caso de privatização, e rompe com a ideia de participação apenas no momento da eleição. Em relação aos Estados de MG e SC, o referendo para privatização de estatais é muito semelhante ao plebiscito no caso do Estado do RS, mudando apenas o nome do mecanismo: para privatizar é preciso consultar a população. Especialmente no que se refere à Santa Catarina, o fato de o governador Raimundo Colombo ter proposto um novo projeto para mudar o texto Constitucional e retirar a exigência de referendo para a privatização da Casan (por fim, a PEC foi aprovada, mas permitiu a venda de apenas 49% das ações da empresa sem a realização do referendo)595, demonstra o repúdio de muitos políticos em relação a participação cidadã e reforça a tese de que um mecanismo de consulta popular vinculante é contrário a lógica hegemônica, já que é preferível mudar a Constituição à ter que consultar os cidadãos. A existência de quatro casos onde a participação cidadã é exigência obrigatória para a adoção de uma postura pelos governantes e a vinculação desses casos à matéria de privatizações é prova inequívoca de que, esses mecanismos (independente da nomenclatura utilizada) são contrários ao modelo hegemônico, pois tratam de casos isolados, que surgiram em um contexto específico e sobre um tema específico (privatização), do contrário, existiriam mais exemplos semelhantes em relação a outros temas.596 593 Vide Capítulo 2, p. 24-40, sobre a democracia representativa e Capítulo 3, p. 81-83 e 100-106, sobre a hegemonia da representação no Brasil. 594 Vide Capítulo 2, p. 32, sobre a visão democrática de Schumpeter. 595 Sobre este fato, vide Capítulo 3, p. 141-144. 596 Vide quadro que verifica como o plebiscito e o referendo são previstos pelas Constituições dos Estados brasileiros no Capítulo 3, p. 126-128. 217 Importa observar a fala do ex-governador Olívio Dutra, ao ser questionado sobre o motivo de não existirem muitos desses casos no Brasil: Por que a democracia no nosso país está longe de estar consolidada na prática e também há um pensamento conservador, que predomina inclusive no Congresso, nas maiorias legislativas das Câmaras, das Assembléias, no próprio judiciário, um pensamento conservador de uma democracia com Estado, com bastante controle e não do Estado sendo controlado pela cidadania, então esse ideário não estimula o uso de instrumentos como o plebiscito, a consulta popular, no grau que deveriam já estar sendo utilizados a partir da Constituição de 1988. Portanto, tem uma cultura conservadora, uma visão de Estado controlador da sociedade, quando deveria ser ao contrário, era a sociedade quem deveria controlar o Estado, então, quando nós tivermos uma cultura onde milhões de pessoas entendam que não é o Estado que tem que controlar a sociedade, e sim a sociedade que tem que controlar o Estado, nós vamos ter muito mais 597 plebiscitos, consultas populares, do que temos tido até agora. A fala do ex-governador expressa exatamente o ideal hegemônico no qual o Brasil está inserido. Além disso, importa observar que, ao se manifestar sobre esse questionamento pela primeira vez, o entrevistado respondeu a pergunta pela via da privatização, afirmando que o plebiscito surgiu no Estado do RS em função do contexto de desgaste com a política de venda do patrimônio público e por isso, esse exemplo é um dos únicos.598 Após a autora novamente o questionar sobre o assunto, inquirindo por que não existem outros exemplos mesmo que para outros assuntos é que tal reflexão foi realizada. Tal fato demonstra que, mesmo políticos de partidos que, em tese, apóiam a ampliação da participação popular, possuem dificuldades para tratar sobre este tema. Nesse mesmo sentido, foram às respostas de deputados como Heitor Schuch599, Raul Pont600 e Germano Bonow601, o que reforça a ideia de medo da participação. 597 DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, p. 11min.40s-11min.53s. 598 DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 11min.18s-11min.39s. 599 SCHUCH, Heitor. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (31min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 15min.25s-16min.22s. 600 PONT, Raul. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 218 c) A não Realização do Plebiscito O plebiscito contemplado pelas ECs, não foi utilizado até o presente momento, para verificar a opinião da população em relação à privatização de alguma estatal. Conforme visto no item anterior, de 2003 a 2010 a alienação de empresas estatais voltou a ser debatida, ainda que muito discretamente. No governo Yeda foram realizadas ações concretas para a venda de capital do banco e, ao que tudo indica a privatização total somente não aconteceu em função da exigência do plebiscito, que parece ter funcionado exatamente como um “freio” à concretização de tal medida. Além disso, a privatização parcial do Banrisul encontrou muita resistência por segmentos da sociedade civil, principalmente os bancários, que fizeram amplas movimentações, para tentar impedir a venda. O governo Yeda, ciente de que, ao menos, uma parte da população não desejava a privatização do banco, seguiu com o processo de forma ágil e sem promover o debate com a sociedade e explicar as razões da medida que estava sendo adotada, o que confirma que não existia vontade política no debate com a sociedade. Nesse sentido, é possível perceber que, alguns partidos preferem abrir mão de seu preceito de enxugar ao máximo a máquina pública, mantendo algumas empresas sob domínio estatal, para não ter que consultar a população. Isso por que, a utilização deste plebiscito exigiria uma reconfiguração democrática e o verdadeiro debate com a sociedade o que poderia abrir precedentes para o envolvimento popular, pois como foi observado no capítulo anterior, quando a população passa a ser efetivamente consultada, cria-se o costume de participar que é o caso, por 2013. Entrevista gravada (38min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 23min.-25min.14s. 601 BONOW, Germano Mostardeiro. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [26 set. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (54min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 35min.01s-37min.08s. 219 exemplo, do Uruguai, um dos países com maior tradição na utilização de mecanismos de participação.602 Nesse sentido, ao responder a questão sobre o porquê o plebiscito não foi convocado até hoje, os entrevistados, no geral, indicaram que nenhum governo quis assumir a responsabilidade de convocar a consulta popular, confirmando o aqui exposto.603 d) A Dificuldade para a Realização da Pesquisa Conforme demonstrado no item “4.1 Considerações Metodológicas”, o acesso as informações e aos possíveis entrevistados foi muito difícil. Em relação aos documentos públicos buscados, a autora se deparou com a falta de conhecimento e interesse dos servidores públicos e quanto às entrevistas houve uma nítida falta de vontade, da maior parte dos selecionados (em sua maioria deputados), sob argumento principal de falta de tempo.604 É imprescindível notar que tal fato, está de acordo com uma característica importante da democracia hegemônica: a noção de que os cidadãos devem ser passivos, a não ser no momento das eleições. Nesse sentido, a “democratização passiva”, que implica em inatividade e desinteresse dos cidadãos condiz com a dificuldade encontrada nesta pesquisa, na medida em que os políticos, bem como as instituições e servidores públicos, não estão preparados para lidar com o interesse e questionamento dos cidadãos.605 602 Vide Capítulo 3, p. 116-119, sobre os mecanismos de participação no Uruguai. ROCHA, Carlos Augusto. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [11 dez. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (2h13min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 37min.35s-40min.56s; DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 24min-24min.25s.; PONT, Raul. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [02 out. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (38min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 32min.08s-34min.50s. 604 Vide este capítulo, p. 148-157, a fim de recordar sobre a forma como este trabalho foi realizado. 605 Sobre a passividade dos indivíduos como processo natural da democracia representativa, vide Capítulo 2, p. 34-35. 603 220 Isso ocorre em função da democracia representativa possuir como elemento principal a competição por votos, ou seja, a participação é bem vinda nas urnas, mas não deve ultrapassar esse momento. Tal modelo difere da democracia contrahegemônica que tem como sua principal característica, incluir os cidadãos nas decisões políticas de seu Estado.606 Nesse sentido, importa recordar que quando se fala em participação, pressupõe-se o ato que tenha efetivo poder para influenciar nas decisões tomadas pelos representantes.607 e) O Plebiscito Vinculante Limita a Atuação dos Representantes É preciso perceber que, o mecanismo do plebiscito aqui analisado, contraria um importante princípio da representação política: a liberdade dos representantes, pois a previsão desse instrumento impede que os governantes tomem as decisões livremente.608 A previsão do plebiscito vinculante para várias questões, não só para as privatizações, limitaria a liberdade dos representantes e impediria a criação da elite do poder609, pois as decisões seriam constantemente divididas com o povo, reduzindo o principal problema da democracia hegemônica: o afastamento dos governantes em relação às demandas da população.610 É possível perceber que, o plebiscito aqui analisado é contrário as principais características do modelo democrático hegemônico, na medida em que ele prevê uma forma vinculante de participação cidadã, bem como ele requer um cidadão ativo e limita a atuação dos representantes, na medida em que o mecanismo vinculante não fica a critério do Congresso Nacional, no caso de determinada decisão (neste caso, de privatização de estatais) a consulta é obrigatória, independente da vontade política. Nesse sentido, o plebiscito criado pelas Emendas Constitucionais é contrário ao modelo democrático hegemônico e ao modelo de Estado que ele representa (o 606 Vide Capítulo 2, p. 36, sobre o dilema entre representação e participação. Vide Capítulo 2, p. 57-64, em relação a definição de participação política. 608 Vide Capítulo 2, p. 39, referente ao princípio da liberdade dos representantes, da democracia representativa. 609 Vide Capítulo 2, p. 36-38, sobre a elite no poder. 610 Vide Capítulo 2, p. 41-43, sobre a crise da representação política. 607 221 liberalismo). Olívio Dutra, quando questionado sobre a compatibilidade entre o plebiscito criado pelas ECs e o modelo neoliberal e, portanto, a democracia hegemônica, afirmou que: ““não, ele é mais, ele está mais perto de um ideário de um Estado sobre o controle público e não sobre o controle privado”611. Assim, o mecanismo criado pelas ECs, só pode ser explicado por um contexto onde exista maior comprometimento, principalmente por parte do Estado, com valores de justiça social e bem-estar coletivo, onde a lógica do lucro não seja o objetivo central da Administração Pública e onde não existam níveis extremos de desigualdades sociais.612 4.5 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 4 Conforme observado neste Capítulo, durante o governo Britto, entre 1995 a 1998, o Estado do RS passou a adotar medidas gerenciais e entre elas a privatização de estatais para diminuir o tamanho do Estado. Assim, em função da possível privatização do Banrisul, os representantes do setor bancário se organizaram e formaram um grande movimento em favor da manutenção do banco público. Em discussões com a economista do PT, na época, surgiu a ideia, baseada nos próprios preceitos constitucionais, de vincular à privatização do Banrisul a realização de consulta popular. Para tanto, o setor dos bancários precisava recolher um milhão de assinaturas para a proposição de um projeto de iniciativa legislativa, ou então, convencer um quinto das Câmaras de Vereadores a aprovar a exigência e encaminhá-la à Assembléia Legislativa para apreciação. Os bancários passaram a percorrer as Câmaras de Vereadores dos Municípios do Rio Grande do Sul e, em função de toda essa movimentação e da pressão dos bancários, 133 Câmaras aprovaram a proposta, que foi enviada à Assembléia Legislativa e se transformou na PEC nº 94/98. A proposta foi arquivada e, somente desarquivada em 2002. 611 DUTRA, Olívio de Oliveira. Entrevista sobre o plebiscito previsto na Constituição do Rio Grande do Sul para privatização de estatais [08 nov. 2013]. Entrevistadora: Franceli Pedott Dias. Porto Alegre, 2013. Entrevista gravada (27min.). Entrevista concedida para a dissertação de mestrado da entrevistadora, 24min.30s-25min.16s. 612 Vide capitulo 2, p.41-64, sobre a democracia contra-hegemônica. 222 Os bancários fizeram muita pressão para que a proposta fosse aprovada, motivo pelo qual ela foi aprovada por unanimidade nos dois turnos de votação. No primeiro turno de votação a Corsan foi acrescentada à proposta. Em relação a esse processo, é possível perceber algumas questões importantes. Primeiro que a PEC nº 94/98, transformada na EC nº 31/02 foi criada exclusivamente para impedir ou dificultar a privatização do banrisul. A participação era um elemento secundário e o mecanismo do plebiscito só surgiu por ser considerado como a única forma possível de interromper o projeto privatizante que vinha sendo adotado no Estado. Além disso, percebe-se que o Banrisul serviu de exemplo para que outras empresas fossem incluídas na exigência do plebiscito, ou seja, com o sucesso do caso do banco, outras empresas estatais e alguns deputados passaram a ver a iniciativa como uma forma de garantir a sua manutenção como empresa pública. Assim, a PEC nº 122/02 e nº 161/04, transformadas nas EC nº 33/02 e 47/04, só surgiram em função da PEC nº 94/98. Tal fato, explica o porquê foram criadas três ECs com a mesma redação, mudando apenas as empresas acrescentadas. Considerando, portanto, o momento em que esse mecanismo foi criado, é possível perceber que, a sua existência só é viável em função deste contexto muito específico e em razão dele ter sido considerado a única alternativa para manter o banco público. Nesse sentido, percebe-se que, embora criado dentro do contexto de democracia hegemônica, esse plebiscito se opõe a tal modelo, na medida em que vincula o Poder Público a chamar o plebiscito em caso de desejo de privatização. Tal ideia é incompatível com a lógica brasileira, onde os representantes, por terem sido eleitos, sentem-se legitimados a tomar qualquer decisão em nome do povo, sem ter que consultá-lo antes. Dessa forma, foram identificadas durante essa pesquisa, características que comprovam a incompatibilidade entre o plebiscito criado pelas ECs e a democracia hegemônica: a primeira questão é que a participação não foi o elemento de convencimento para criação das propostas, ao contrário, as mesmas só foram criadas, em função de um forte desejo de manter as estatais sob controle público; a segunda questão é a falta de exemplos semelhantes ao do Rio Grande do Sul e, os 223 existentes, referem-se também a privatização, motivo pelo qual se comprova que tal mecanismo só foi previsto em alguns casos específicos, restringindo-se a uma matéria específica; além disso, o terceiro fator que comprova tal incompatibilidade é a dificuldade encontrada para a elaboração dessa pesquisa, tanto no que se refere ao acesso à documentos públicos, quanto o acesso aos entrevistados, em sua maioria deputados, que não demonstram interesse em contribuir para o esclarecimento dos fatos, e ainda, aqueles que aceitaram participar, demonstraram um grande desconhecimento sobre o processo, não suprindo, em geral, a lacuna deixada pelos documentos; outro fator importante é que, mesmo partidos com tradição privatista, abriram mão de aplicar a política de enxugamento do Estado para essas empresas, a fim de evitar a realização da consulta popular; e, por fim, esse mecanismo representa uma afronta a um dos princípios representativos mais importantes: a liberdade dos representantes em relação aos representados. Assim, embora a lógica hegemônica possa ser compatível com a simples previsão de mecanismos de participação que não possuem efetividade, mesmo que utilizados muito raramente, ela é totalmente incompatível com o plebiscito vinculante. 224 5 CONCLUSÕES Primeiramente, importa observar que, conforme já referido, esta pesquisa possui caráter exploratório, na medida em que representa a primeira análise sobre o tema aqui proposto, já que não existem trabalhos acadêmicos nesse sentido. Dessa forma, não se pretendeu esgotar o assunto, mas realizar uma primeira abordagem sobre ele, a fim de tentar contribuir para futuras pesquisas. Dessa forma se reconhece que este estudo merece ser mais aprofundado. A presente pesquisa pretendeu analisar o plebiscito para privatização de empresas estatais, criado pelas ECs nº 31/02, nº 33/02 e nº 47/04 e verificar se esse mecanismo é compatível com o modelo democrático hegemônico, tendo como hipótese principal a incompatibilidade do plebiscito e da democracia representativa pura. Para isso, observou-se no segundo Capítulo, a teoria democrática representativa e a participativa, pois somente através da relação entre o plebiscito e essas teorias, é que foi possível identificar suas principais características, a fim de confirmar ou não a hipótese apresentada. Após tal análise, foram abordados os mecanismos de participação e a sua regulamentação no Brasil, para, por fim, verificar como foram criadas as ECs que deram origem ao plebiscito para privatização de estatais e observar qual modelo democrático melhor representa tal mecanismo. Como já observado, a democracia representativa supõe a seleção de representantes e limita o exercício da soberania popular a eleições periódicas. Tal modelo sustenta a existência de um Estado liberal, onde a democracia é exercida em um ambiente capitalista, com acentuadas desigualdades sociais. Já a democracia participativa requer que os cidadãos se envolvam efetivamente nas decisões políticas, não estando o exercício da soberania popular, vinculado somente ao voto em eleições. A participação requer, portanto, que os indivíduos tenham efetivo poder para influenciar nas decisões políticas tomadas pelos seus representantes. Tal teoria requer a existência de um modelo de Estado alternativo ao liberalismo, que permita a concretização de valores de justiça social e igualdade entre os indivíduos. 225 Cada modelo democrático possui um elemento que o diferencia: trata-se da representação e da participação políticas. A democracia formal exalta as instituições representativas e aceita a participação somente de forma esporádica, pois os representantes são eleitos para tomar as decisões importantes. Já a democracia direta, sustenta a participação política e um mínimo de representação, apenas para manter a ordem social. Nesse sentido, percebe-se a existência de um dilema entre a participação e a representação políticas. A democracia elitista foi desenvolvida por importantes autores, como Schumpeter, Bobbio, Dahl, etc. A influência desses autores, em especial de Schumpeter, possibilitou sua disseminação e permitiu que tal teoria se tornasse hegemônica, ou seja, ela é considerada como a única forma democrática possível. Tal ideia está muito presente nos meios acadêmicos, motivo pelo qual teorias participativas são dificilmente debatidas e consideradas. Já a democracia social é defendida por poucos autores que, em geral, são esquecidos e secularizados, como Buonicore, Coutinho, Tonet, etc, o que reforça a tese de que o conceito democrático é dado pelos autores clássicos e que essa é a única definição viável para as sociedades modernas. Considerando que as duas teorias apresentam problemas de difícil solução, pois a democracia direta é inviável nas democracias modernas de grande escala, enquanto a democracia representativa permite que os governantes se afastem das demandas da sociedade, gerando insatisfação popular, surge um modelo democrático que pretende corrigir, ou ao menos, diminuir esses problemas: a democracia semidireta. Este tipo democrático é, na verdade, um misto entre a representação e a participação, permitindo o envolvimento do povo em sociedades modernas e possibilitando, ao mesmo tempo, controlar as instituições representativas, sem abandoná-las por completo. A democracia semidireta pode ser considerada, portanto, como uma solução possível ao dilema entre a representação e a participação cidadã. Para tanto, ela prevê mecanismos de participação cidadã, que possibilitam que os indivíduos tornem-se mais ativos na vida política do seu Estado. Nesse sentido, os 226 mecanismos mais recorrentes são: o veto popular, a revogatória de mandato, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Embora todos esses mecanismos exerçam um papel fundamental para o desenvolvimento democrático de um país, no Brasil, a CRFB/88 previu apenas, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Importa ressaltar que, no processo de elaboração da CRFB, muitos parlamentares demonstraram ser contrários ao envolvimento dos cidadãos na política, exceto pelas eleições, o que demonstra que a lógica hegemônica está muito presente no Brasil. Mesmo com a previsão desses mecanismos no texto Constitucional, algumas previsões limitaram a possibilidade de operacionalizá-los, como a exigência de um elevado número de cidadãos para a proposição de iniciativa popular, a divisão desse número em estados e a previsão de que compete exclusivamente ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito. Ainda que tais previsões limitem o exercício desses instrumentos, a CRFB/88 condicionou a sua regulamentação à lei especifica que poderia ter previsto algumas facilidades para a utilização dos mecanismos, como por exemplo, permitir a sua utilização para matérias objeto de ECs e possibilitar a proposição de consultas populares pelos eleitores. Contudo, a Lei nº 9.708 surgiu após dez anos da previsão desses mecanismos, em 1998 e ainda assim, não trouxe muitas inovações, sendo praticamente, uma cópia das disposições Constitucionais. Dessa forma, embora os mecanismos de democracia semidireta estejam regulamentados pela CRFB/88 e por lei específica no Brasil, a rigidez dessas previsões dificulta a sua utilização, motivo pelo qual foram realizados, até o presente momento, apenas duas consultas populares no Brasil, uma sob a forma de plebiscito e outra como referendo. É importante recordar que, embora existam projetos de leis que, se aprovados, permitiriam ampliar a possibilidade de efetivação prática desses instrumentos, tais projetos encontram muita dificuldade para sua aprovação e recebem críticas no sentido de que, eles tenderiam a abolir as instituições representativas e, por isso, representam uma afronta aos representantes políticos 227 legitimamente eleitos, o que torna inequívoca a consolidação e a força da democracia hegemônica no Brasil. Nesse contexto fortemente hegemônico, em 1995 quando FHC assume a presidência e Antônio Britto, torna-se governador do Estado do RS, passam a ser aplicadas medidas para modificar a máquina pública e torná-la mais eficiente, bem como diminuir o tamanho do Estado e sua intervenção na economia. Para a implementação dessa reforma, conhecida como gerencial, uma das principais medidas adotadas foi a política de privatizações. Como estava sendo implantada a ideia de ineficiência do Estado e das estatais e, como havia documentos comprovando que a privatização do Banrisul se concretizaria em caso de manutenção do governo Britto, setores da sociedade civil, em especial os bancários, passaram a fazer uma intensa movimentação, a fim de manter o banco público. Nesse sentido, em conjunto com a bancada do PT, surgiu a ideia de vincular à privatização do Banrisul a realização de um plebiscito. Após todo trabalho por parte dos representantes do setor bancário, no sentido de visitar as Câmaras de Vereadores do Estado do RS e explicar a importância da aprovação da proposta, ela foi aprovada por 133 Câmaras e encaminhada à Assembleia Legislativa, onde também sob muita pressão dos bancários, a PEC nº 94/98 foi votada e aprovada por unanimidade nos dois turnos de votação, tendo sido acrescentada ao seu texto a Corsan. Após a ideia da PEC nº 94/98, outros segmentos da sociedade civil, como do setor elétrico, por exemplo, perceberam que a medida poderia ser um efetivo meio de impedir, ou ao menos, dificultar ao máximo a privatização de outras empresas estatais, motivo pelo qual pressionaram deputados, fazendo com que fossem criadas as PECs nº 122/02 e nº 161/04, que também foram aprovadas por unanimidade. Surgiram assim, respectivamente, as ECs nº 31/02, nº 33/02 e nº 47/04. Dessa forma, percebe-se que a exigência do plebiscito surgiu exclusivamente para garantir a não privatização de empresas estatais. Nesse sentido, ao longo deste trabalho foram observados alguns elementos que permitiram confirmar a hipótese aqui proposta. 228 O primeiro destes elementos é, exatamente, o fato do plebiscito criado pelas ECs não ter surgido para garantir formas efetivas de consultar a população, mas sim para tentar interromper ou criar uma barreira à política que vinha sendo adotada no Estado, de desmonte do patrimônio público. Além disso, como já observado, existem apenas três casos semelhantes ao plebiscito da Constituição do Estado do RS no Brasil, e todos eles estão relacionados à matéria da privatização. Desses exemplos, apenas em um dos casos (para privatização da empresa Sercomtel de Londrina), o plebiscito foi utilizado e mesmo assim, antes da sua utilização houve muitas tentativas no sentido de retirar tal exigência. No caso da Sercomtel, a consulta popular serviu efetivamente como uma forma para impedir a privatização da empresa, já que a população manifestouse contrária a alienação. Nos três casos, a exemplo do que foi observado nesta pesquisa, a consulta popular serviu apenas para dificultar a venda de estatais, ou seja, em nenhum deles, a participação foi o elemento de convencimento para a criação dos mecanismos. Assim, eles foram criados, pois foram considerados a única alternativa para evitar a entrega do patrimônio público aos setores privados. A falta de mecanismos parecidos com o aqui pesquisado e o fato de que, os poucos exemplos existentes são vinculados a questão da privatização, não existindo exemplos para outras matérias, confirmam que instrumentos que vinculem o Poder Público a ter que consultar a população, não estão de acordo com a lógica vigente no Brasil. Outro elemento importante foi a dificuldade na realização desta pesquisa. Para aperfeiçoar a pesquisa e confirmar alguns dados, a autora necessitava de documentos públicos que eram praticamente inacessíveis. Houve muita dificuldade para o acesso de tais documentos, bem como se percebeu que órgãos públicos e seus servidores, não estão acostumados com cidadãos ativos que buscam informações sobre questões políticas surgidas no Estado. As entrevistas realizadas também apontaram tal dificuldade, pois a autora não conseguiu entrevistar metade dos autores selecionados a princípio. A justificativa mais utilizada era a falta de tempo e, aqueles que concederam a entrevista demonstraram em geral, falta de conhecimento sobre o assunto ou, ao menos, falta 229 de memória. Contudo, o mais importante é perceber que, a maior parte dos selecionados para a entrevista eram deputados, que deveriam estar dispostos a discutir questões políticas com os cidadãos e informá-los, o que não aconteceu como regra geral nesse caso. Tal postura vai ao encontro da lógica brasileira onde os indivíduos devem participar apenas no momento das eleições e, eventualmente, em algumas questões que não sejam complexas. O fato de o plebiscito não ter sido utilizado até o momento, também confirma o que está sendo exposto, na medida em que partidos com tradição e ideologia privatista preferiram abrir mão de algumas de suas idéias, como diminuir o tamanho do Estado o máximo possível, a ter que realizar o debate com a sociedade. Por fim, outro elemento importante é que o plebiscito vinculante criado pelas ECs contraria um importante princípio da representação: a liberdade dos representantes. No sistema representativo, depois das eleições, os governantes têm liberdade para tomar as decisões, já que se pressupõe que eles foram legitimamente eleitos e, portanto, podem decidir em nome do povo. Assim, um mecanismo que obrigue a realização de consulta popular antes de determinada decisão, limita esse preceito. Dessa forma, conforme as características observadas ao longo da realização dessa pesquisa foi possível concluir que o plebiscito contemplado pelas ECs, não é compatível com a lógica democrática hegemônica e só surgiu em função de um contexto muito específico e, ainda assim, a sua criação não foi vinculada a ideia de possibilitar a participação cidadã, mas dificultar as privatizações. Nesse sentido, importa perceber que a democracia hegemônica, sustentada dentro de um modelo de Estado Liberal, permite a existência de mecanismos de participação cidadã, desde que eles não tenham efetividade prática ou que sejam utilizados muito esporadicamente para decisões sem muita complexidade, como é o caso dos instrumentos contemplados pela CRFB/88. Contudo, um mecanismo que vincule o Poder Público a estabelecer um debate com a sociedade para determinada matéria não é compatível com esta lógica, motivo pelo qual não é previsto em quase nenhum Estado brasileiro. As exceções, como já referido, somente surgiram em função de um momento muito particular. 230 Além disso, durante a realização desta pesquisa observou-se ainda outra questão: a lógica hegemônica é tão forte no Brasil que, mesmo aqueles que defendem a participação popular encontram dificuldades para apontar suas idéias. Assim, mesmo partidos com tradição ideológica de defesa da democracia semidireta, ao propor, discutir e votar as propostas que criaram as ECs trataram da sua importância para dificultar a privatização das estatais, não referindo-se, em regra, à possibilidade que essas ECs trazem de implementar um mecanismo que limitaria a atuação dos governantes e não defendendo sua ampliação para tratar de outros temas. Dessa forma, torna-se inequívoco que o plebiscito vinculante só pode ser explicado por um modelo democrático que possibilite a concretização de valores de justiça social e igualdade entre os cidadãos. 231 REFERÊNCIAS AGUIAR, Flávio. Islândia: uma lição de democracia. 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